LEITE EM NÚMEROS

Glauco Rodrigues Carvalho

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

38 Anos de leite

Como homenagem a nosso amigo corresponsável por esta coluna, João Cesar, que gostava muito de números para acompanhar as transformações do leite, resolvemos fazer uma pequena análise considerando os seus 38 anos de Embrapa e a evolução da cadeia
produtiva do leite neste mesmo período

O céu ganha uma nova estrela. No dia 28 de junho, o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, João Cesar de Resende, corresponsável por esta coluna, se despediu de nós. Mas deixou plantada no coração de todos a semente da bondade, que ele mesmo semeou durante sua vida. Engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Lavras (Ufla), João também era mestre em Economia Rural e doutor em Produção Animal. Na Embrapa desde 1983, atuava na área de socioeconomia, com análises econômicas sobre o mercado de leite, impactos econômicos de tecnologias e gestão de sistemas de produção. Foram 38 anos de Embrapa e 38 anos no leite. Um profissional com grande capacidade técnica, inteligente, sempre preocupado em levar informações precisas e tecnologias aos produtores.

Fomos companheiros de “sala” por alguns bons anos. Discreto, paciente, bom ouvinte, um grande conselheiro. Durante esse período, passei a conhecer a nobreza de sua alma, disposto sempre a ajudar o próximo. Alegre, sua trajetória não nos permite falar em tristeza. Mas sentiremos muita saudade. A simplicidade era uma das mais fortes características do amigo João. E com ela não havia distinção de pessoas. Como ele gostava muito de números, de acompanhar as transformações do leite, resolvemos fazer uma pequena análise considerando os seus 38 anos de Embrapa e a evolução da cadeia produtiva do leite neste mesmo período. Por limitações de espaço, vamos destacar alguns indicadores selecionados, os quais ele gostava muito de analisar.

Em 38 anos, o preço do leite ao produtor recuou 59% em termos reais (Figura 1). Isso somente aconteceu graças ao avanço tecnológico, que reduziu o custo de produção de leite e, como consequência, fez chegar ao consumidor um alimento mais barato, de melhor qualidade, contribuindo com a nutrição de todas as famílias brasileiras, mas, em especial, ajudando aquelas mais carentes. Em termos reais, o preço ao produtor em 1983 estava no patamar de R$ 5,24/litro. Ou seja, o consumidor pagava um preço superior a R$ 8 por litro de leite, enquanto hoje ele paga cerca de R$ 3 a R$ 4, dependendo de sua escolha em relação a marca, teor de gordura, tipo de embalagem, entre outros atributos disponíveis que não existiam no passado.

O ganho tecnológico foi de tamanha importância que esse recuo de preços não fez diminuir a produção. Pelo contrário, a produção de leite cresceu 213% nesses 38 anos, enquanto o PIB brasileiro aumentou 146%. Dessa forma, pode-se dizer que o leite cresceu bem acima da média da economia brasileira. Esse crescimento de produção tem dois importantes fatores a serem analisados: produtividade e rebanho. O rebanho brasileiro de vacas ordenhadas cresceu até 2014 e a partir de então começou a recuar.

Nos 38 anos, houve queda porcentual nas vacas ordenhadas de 6,8%. Portanto, o ganho de produtividade das vacas ocorrido no período analisado foi de 236%. João Cesar era um amante desses indicadores, pontuando sempre a necessidade de melhorar a eficiência produtiva. E isso tem um importante fundamento, já que, em sua tese de doutorado, na Universidade Federal de Lavras, ele encontrou uma correlação mais elevada da rentabilidade das fazendas com as produtividades dos fatores de produção como vacas, mão de obra e terra.

E, por falar em mão de obra, nesses 38 anos, o salário mínimo registrou aumento real de 26%. Em 1983 eram necessários 300 litros de leite para pagar um salário mínimo. Já em 2020 foram necessários 612 litros. Qual a solução para isso? Como diria o amigo João, o caminho é aumentar a produtividade da mão de obra. E, neste caso, para manter a mesma relação do passado, essa mão de obra deveria produzir, atualmente, pelo menos duas vezes mais leite.

Nesta mesma linha, quando se observa a relação de leite e mistura concentrada (70% milho; 30% farelo de soja), observa-se que os preços caminharam de forma semelhante, mostrando que os ganhos tecnológicos também ocorreram nas cadeias produtivas de milho e soja, fazendo com que os consumidores de milho e soja pagassem menos ao longo do tempo. A saca de milho, em 1983, custava R$ 182, enquanto a de soja estava no patamar de R$ 326, em termos reais. Em 2021, o custo do concentrado tem tirado o sono do produtor de leite. Não é para menos, já que a relação entre o preço do leite e o custo do concentrado está em um dos piores momentos para o pecuarista em termos históricos, conforme ilustrado na figura 2.

Como as atividades agrícolas são cíclicas, pode-se observar momentos melhores e piores para o produtor de leite, quando analisado o custo da mistura concentrada. O período de 1987 a 1997, por exemplo, registrou uma boa relação ao produtor de leite. Em seguida, a situação se complicou, atingindo um dos piores momentos em 2002. A partir de então, a relação de preços novamente foi melhorando para o produtor de leite, o que estimulou inclusive um bom crescimento da oferta até 2014. Já nos cinco primeiros meses de 2021, atingiu-se o pior momento dessa relação de preços, mostrando o aperto nas margens do produtor de leite.

Nosso fraterno abraço a toda a família do nobre amigo João Cesar de Resende. Sentiremos muito sua falta!

Coautor: Denis Teixeira da Rocha – Analista da Embrapa Gado de Leite

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