PRODUTORES CONECTADOS

NAS MÍDIAS DIGITAIS
produtores botam a
BOCA NO TROMBONE

Insatisfeitos com as políticas que os prejudicam, os pecuaristas de leite fazem barulho nas redes sociais e movimentam o setor

Luiza Mahia

N os últimos anos a cadeia produtiva de leite vive um ciclo de instabilidades. Além dos preços baixos, as queixas sobre a alta carga tributária e a infraestrutura precária são constantes. O fim da tarifa antidumping sobre o leite em pó, integral ou desnatado, importado da União Europeia (UE) e da Nova Zelândia, que vigorava desde 2001 foi outro banho de água fria sobre o setor, que já se sentia incomodado com a concorrência com o leite importado do Uruguai e da Argentina, onde o custo da produção é em média até 12% menor que o brasileiro. E, para completar, no fim do mês de junho deste ano, os comitês negociadores do Mercosul e da União Europeia concluíram um ambicioso acordo que estava em negociação há 20 anos.

O acordo ainda depende do consenso de todos os países envolvidos (28 da União Europeia e 4 do Mercosul) e só deve entrar em vigor em, no mínimo, dois anos. Mas já causa grande dor de cabeça para os pecuaristas de leite, especialmente os menos tecnificados.

“Esse acordo pode resultar em uma redução drástica da renda do pecuarista de leite, porque haverá oferta maior do produto, o que influenciará na formação de preço do leite ao produtor. Estamos abrindo as portas para debilitar de vez o produtor nacional”, aponta Joel Dalcin, pecuarista que mantém um rebanho com 170 animais – dos quais 75 estão em ordenha –, no município gaúcho de Dr. Maurício Cardoso, que fica na fronteira com a Argentina e o Uruguai.

Dalcin é um dos líderes do movimento Construindo Leite Brasil, grupo do facebook que já agrega mais de 5 mil produtores, e que junto com outros grupos de pecuaristas de leite no Brasil estão fazendo barulho nas redes sociais.

Revolução nas redes – Com representantes espalhados por todo o País e enfrentando os mesmos desafios para seguirem na atividade, os pecuaristas de leite encontraram nas plataformas digitais um canal para facilitar a comunicação e ampliar a força das reivindicações. “Estamos constatando que somos uma classe que tem pouca representatividade no País, pois muitos problemas persistem há muitos anos e não são solucionados”, continua Dalcin.

De acordo com estimativa da Embrapa Gado de Leite, a cada 24 horas, em média, cerca de 45 produtores de leite abandonam a atividade no Brasil por falta de estrutura para suportar os custos de produção ou a concorrência com os países vizinhos. Atualmente são cerca de 1,2 milhão de propriedades leiteiras no País, e as pequenas propriedades rurais, com área de até 50 hectares, são responsáveis pela produção de 51% do leite comercializado no campo.

É para evitar que o setor encolha ainda mais que tantos produtores estão se reunindo nas redes sociais para encontrar uma forma de seguir com os seus projetos. “O grupo no Facebook se avolumou especialmente após o fim da medida antidumping anunciada pelo governo federal em fevereiro deste ano”, lembra Dalcin. Depois disso os novos desafios colaboraram para que um número cada vez maior de pecuaristas se juntasse ao movimento na plataforma online e lançassem a hashtag #leitenacional, que além do movimento Construindo Leite Brasil, conta com a participação dos grupos Inconfidência Leiteira e Genética Confiável. “Achamos que precisamos cobrar quem tem poder de decisão e tirar as autoridades da zona de conforto e fazer com que trabalhem realmente defendendo o interesse do autêntico produtor de leite”, continua o pecuarista.

 
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“Precisamos cobrar quem tem poder de decisão e tirar as autoridades da zona de conforto e fazer com que trabalhem realmente defendendo o interesse do autêntico produtor de leite”

Joel Dalcin | pecuarista

MANIFESTO 

DO MOVIMENTO DOS 

PRODUTORES 

BRASILEIROS DE LEITE 

1. Antecipação do Preço a ser pago do Leite para o dia 25 do mês anterior ao fornecimento

 

2. Pagamento todo dia 5 ao mês subsequente da entrega

 

3. Margem compatível no produto dentro da cadeia produtiva, de acordo com a importância de cada elo da cadeia

 

4. Defesa comercial: garantir ao produtor brasileiro as mesmas condições de competitividade dos outros países

 

5. Solução para o comprometedor nível de endividamento do produtor de leite brasileiro, securitização

 

6. Concessão de incentivos fiscais apenas para leite produzido no Brasil

 

7. Marketing positivo sobre o consumo de leite a nível nacional

 

8. Programas governamentais de suplementação apenas com leite produzido no Brasil

O documento é assinado pelo movimento dos produtores de leite do Brasil, representados pelos Grupos Inconfidência Leiteira, Genética Confiável Leite, Construindo Leite Brasil, Produtores Organizados, Produtores Guerreiros, Comissões de Leite da Farsul e Faeg

Manifesto – O passo mais importante registrado pelo movimento até momento foi o encontro, realizado no mês de julho na sede da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), que reuniu cerca de 800 produtores de leite de Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul para debater os desafios do mercado do leite. Na ocasião, o movimento dos produtores de leite do Brasil, representados pelos Grupos Inconfidência Leiteira, Genética Confiável Leite, Construindo Leite Brasil, Produtores Organizados, Produtores Guerreiros, Comissões de Leite da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) divulgaram um manifesto com oito reivindicações para superar a crise provocada pelos altos custos de produção (cotações dos insumos), carga tributária elevada, redução do preço do leite ao produtor e concorrência internacional, especialmente com os países do Mercosul (veja quadro ao lado). No mês de setembro, por exemplo, os produtores de Goiás receberam R$ 0,34 a menos pelo litro de leite na comparação com igual período do ano anterior. A queda de 19% no valor – de R$ 1,78 em 2018 para R$ 1,44 em 2019 – foi justificado pelos Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado pela redução no consumo e pela grande quantidade de leite estocado.

Segundo José Mário Schreiner, presidente da Faeg, a cadeia enfrenta dificuldades na relação entre o produtor rural, a indústria, o atacado e o varejo há algum tempo. “Em plena entressafra, quando os pecuaristas enfrentam o aumento dos custos porque precisam alimentar o rebanho com ração e silagem, a queda chega a 20% no preço pago ao produtor, enquanto no atacado a queda foi de 7% e no varejo 5%”, diz.

Outra questão apontada pelo presidente da Faeg foi a data para o pagamento ao produtor rural. “O pecuarista entrega o leite durante 30 dias e só vai receber no dia 25 do mês seguinte. Um prazo que pode se estender por até 55 dias e sem previsibilidade de preço”, diz.

O governo de Goiás até chegou a anunciar a suspensão dos incentivos fiscais das indústrias que importam leite para atenuar a crise no setor e havia uma expectativa de que os laticínios do estado passassem a anunciar o valor a ser pago para o produtor no dia 25 de agosto com previsão de pagamento no dia 5 de setembro. Mas as duas iniciativas ainda carecem de mais negociações.

“Essa situação desestimula o pecuarista e por isso, mesmo havendo relutância, este deve ser o primeiro passo para estabelecer uma relação sadia na cadeia”, acrescenta José Renato Chiari, da Comissão de Leite da Faeg.

Uma cesta de produtos com base no preço médio dos derivados do leite vendidos nos supermercados (leite UHT, queijo, iogurte e manteiga) está sendo estudada pela comissão do leite da Faeg e o Instituto Mauro Borges para servir como uma espécie de indicador de preço mínimo para o valor a ser pago pelo litro do leite ao pecuarista. “Queremos que a base do valor a ser pago ao produtor seja o mercado. para isso, realizamos reuniões semanais com todos os membros da cadeia e estamos avançando nas negociações” afirma Chiari.

“Com uma previsão de preços podemos organizar os investimentos. Pagamos os funcionários no dia 5. Se o laticínio passar a pagar no dia 5 também não ficaremos 20 dias sem fluxo de caixa”, diz Awilson Viana, pecuarista de leite no município de Oliveira, a 150 km da capital mineira de Belo Horizonte. O pecuarista integra o grupo Inconfidência Leiteira, que agrega no WhatsApp e no Facebook mais de 2.500 seguidores, principalmente de Minas Gerais.

Segundo o pecuarista, o grupo foi criado para atuar na relação entre indústria e produtor e a estruturação do setor leiteiro. “Para reduzir os ‘ruídos’ nas relações da cadeia de leite mineira, foi criada uma Frente Parlamentar para acompanhar de perto as demandas do setor e a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais está ajudando a levantar os dados do segmento leiteiro para a adoção de políticas públicas mais efetivas”, afirma.

 

“Em plena entressafra, quando os pecuaristas enfrentam o aumento dos custos porque precisam alimentar o rebanho com ração e silagem, queda chega a 20% no
preço pago
ao produtor”

José Mário Schreiner presidente da Faeg

“O Governo Federal estuda formas de estruturar políticas que integrem as inciativas das três esferas do executivo”

Luís Eduardo Rangel diretor da SPA/Mapa

Governo responde

A Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SPA/Mapa) recebeu as reivindicações dos pecuaristas e, a pedido da revista Balde Branco, respondeu às demandas.

Luís Eduardo Rangel, diretor da SPA/Mapa, apontou que, desde 2012, o Brasil conta com a Lei 12.669 que determina que os laticínios pratiquem a informação do preço a ser pago ao produtor até o dia 25 do mês anterior ao pagamento. Mas esta determinação legal não corrigiu as distorções neste mercado da forma como era esperado pelo produtor. “Os instrumentos econômicos para que haja maior previsibilidade de preço (em valores reais) para o produtor devem advir de esforços mais estruturados como a construção de mercados futuros”, sugere Rangel. O Mapa tem trabalhando com institutos de economia aplicada na construção de modelos mais sofisticados de observação de preços para reduzir essa imprevisibilidade ao produtor.

De acordo com Rangel, a intervenção do estado para que os laticínios antecipem o pagamento ao produtor pode trazer resultados mais distorcidos que o cenário atual.  “Observa-se no histórico das relações entre indústria e produtor que a redução das distorções ocorre na construção de modelos cooperativos, ou seja, no arranjo coletivo dos produtores rurais para alterar a relação de oferta e compra no setor lácteo.”

O diretor da SPA/Mapa ainda apontou que o plano de Competividade do Leite, que conta com intensa participação do setor produtivo, pretende ampliar o consumo de produtos lácteos no Brasil em 10 anos. Sobre o estímulo ao consumo de leite em órgãos públicos, ainda segue em discussão o aperfeiçoamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que tem esta prerrogativa. “Existem iniciativas em diversos municípios para o incentivo ao consumo e aumento do leite na dieta do brasileiro. O Governo Federal estuda formas de estruturar políticas que integrem as inciativas das três esferas do executivo.”

 

O plano de Competitividade do Leite, que conta com intensa participação do setor produtivo, pretende ampliar o consumo de produtos lácteos no Brasil em 

10 anos

Sobre as isenções tributárias, Rangel afirma que as medidas anunciadas pelo Mapa para a importação de equipamentos devem beneficiar especialmente os produtores de leite. Já as discussões sobre renegociações de dívidas agrícolas vêm sendo feitas no âmbito do Governo Federal com a colaboração do Congresso Nacional. “Diversos setores do agronegócio vêm apresentando demandas neste sentido e as estratégias do governo deverão considerar o histórico de cada segmento e o contexto de impacto nos recursos de financiamento disponíveis no Brasil.”

As questões de incentivos fiscais vêm sendo tratadas separadamente em cada uma das linhas de impostos, sejam federais ou estaduais. O leite importado possui tarifas de até 28% que protegem a produção nacional. Existem ainda diversas linhas de isenção de PIS/Cofins no âmbito federal para o produto nacional. Já os ICMS, por se tratarem de impostos estaduais, têm incidência variável no Brasil. “Aqui percebe-se a necessidade de uma avaliação mais profunda sobre os custos que impactam a produção e as propostas de reforma tributária deverão considerar essas questões”, finaliza.

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