OPINIÃO

João Paulo Ferreira Nunes

Gestor e médico veterinário da Fazenda Santa Rita, Lorena (SP)

Um ano desafiador para produzir leite

Após os vários desafios enfrentados durante o último ano e especialmente neste verão, resolvi escrever e compartilhar com vocês tudo o que passamos durante este período. Faço parte da quarta geração de produtores de leite, acompanhei o meu pai, José Fernando, desde os meus primeiros passos e atuo profissionalmente há mais de 23 anos na atividade leiteira em Lorena (SP). Confesso que estes últimos 12 meses foram, e ainda estão sendo, bastante desafiadores e de grandes incertezas para toda a cadeia láctea.

Então, primeiro houve uma estação seca bem acentuada e prolongada como há muito tempo não se via, com a grande maioria das fazendas enfrentando dificuldades para manter a segurança alimentar de seus rebanhos. O déficit de volumoso foi geral. E, por outro lado, com os preços dos concentrados nas alturas, não havia muito espaço para substituições nas dietas. Pois aumentar a inclusão de concentrados e reduzir participação de volumoso na dieta total, na maioria das vezes, tornava a atividade economicamente inviável.

A isso tudo some-se o fato de que o preço do leite não acompanhou nem de longe a elevação expressiva dos preços dos concentrados. O farelo de soja e o milho atingiram patamares históricos de preços, a opção da polpa cítrica ficou comprometida com a queda histórica na produção de laranja.

A elevação da cotação do dólar favoreceu as exportações de cereais, levando o Brasil ao ponto extremo de ter que buscar milho importado para manter o abastecimento nacional. E quando pensamos que o mercado internacional de leite estava tranquilo, pois com a moeda americana em alta não haveria espaço para a importação de leite, houve uma enxurrada de leite importado subsidiado entrando em nosso País no segundo semestre, não permitindo o aumento dos preços de leite ao produtor, e ainda levando à queda de preços em algumas das praças produtoras.

Entretanto, nem tudo foi desfavorável, o preço da arroba também atingiu patamares históricos. E, como diz o ditado popular, “surfamos nesta onda”. E aproveitou-se para “limpar” os rebanhos com descartes e capitalizar de alguma forma para tentar compensar o grande desequilíbrio na relação preço do leite versus concentrados.

Todo este cenário resultou em uma triste realidade: um número expressivo de produtores de leite abandonando definitivamente a atividade como há muito tempo não ocorria. Enquanto outros, motivados pelos altos preços do bezerro, iniciaram a conversão para a pecuária de corte, parando de inseminar e/ou trocando os touros de leite por touros de raças de corte. E então os touros Nelores e Angus povoaram muitos rebanhos de leite. Sendo que, quando houver a necessidade de reposição das matrizes leiteiras, dificilmente esses produtores continuarão na atividade.

Após a grande estiagem de 2020, chegou a tão esperada estação das águas. E as chuvas vieram abundantes, todos ficaram animados e deram início aos plantios de verão. As lavouras de milho estavam de “encher os olhos”, quando, de repente, no Vale do Paraíba, aconteceu um forte “veranico” na segunda quinzena de janeiro, fazendo com que as lavouras entrassem em processo de maturação e secagem rapidamente – muitas lavouras foram colhidas com teor de matéria seca acima de 40%, reduzindo a produtividade por área e prejudicando a qualidade e a compactação do material ensilado.

No município de Lorena, em apenas 45 dias (de 1.º de dezembro/20 a 15 de janeiro/21), houve uma precipitação pluviométrica de 750 mm, mais de 50% da média de chuvas esperadas para o ano todo. E confesso que, com tanta chuva em tão pouco tempo, aliada a uma umidade relativa do ar bastante alta, o verão 2020/21 está sendo um tanto quanto desafiador.

O estresse térmico das vacas em lactação está muito elevado, os índices reprodutivos dos rebanhos despencaram, a imunidade das vacas deprimiu-se. Somando-se um ambiente pior, o barro, o calor e a alta umidade e as mastites afloraram. Praticamente todos os rebanhos tiveram casos de mastite ambiental – daquelas que, “quando não matam, aleijam”.

O período de transição, que já é bastante delicado, tornou-se ainda mais complicado. Vieram as retenções de placenta, endometrites, hipocalcemias, deslocamentos de abomaso, dentre outros distúrbios do pré e pós-parto. O controle de carrapatos no período de verão foi ainda mais difícil, com frequentes e maiores infestações. E mesmo em rebanhos estabulados os desafios estão sendo grandes. A alta umidade dificulta o controle da temperatura e a secagem das camas, pois as moléculas de água em suspensão no ar carreiam o calor.

Em consequência de todos estes fatores, mesmo com o aumento dos partos, a produção de leite não subiu e, na maioria das fazendas, até mesmo diminuiu. O cenário atual é de captação reprimida e perspectiva de falta de leite no curto e médio prazos. Porém, as conse­quências deste verão se apresentarão mais tarde. E ainda não é possível calcular ou prever o tamanho do impacto negativo desse período desafiador que estamos enfrentando.

A reprodução está comprometida, o intervalo de partos será maior e essas vacas vão demorar mais para voltar para a próxima lactação. Sendo que algumas delas nem retornarão, pois o descarte é o seu destino. Muitos quartos foram perdidos ou comprometidos como consequência das mastites. Vacas que sofreram problemas no período de transição terão uma curva de lactação abaixo do esperado, ou seja, uma coisa é certa: vai faltar leite. Qual o patamar de preço que o leite vai chegar? Também é impossível de se prever. Depende muito do poder de compra do consumidor final para poder assimilar essa recuperação de preços que está por vir e sem reduzir o consumo de lácteos.

Passamos por tempos difíceis e incertos, sobrevivemos, tivemos resiliência, inovamos, buscamos novas alternativas, saímos mais fortes e prontos para superar qualquer desafio ou obstáculo que impeça a nossa nobre missão. A missão de produzir o alimento mais nobre da face da terra. A missão de produzir leite e de alimentar o mundo.

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