A ideia de buscar novos arranjos de produção leiteira entre produtores e a cooperativa foi inspirada em algumas experiências que representantes da Cooperativa Dália Alimentos, de Encantado (RS), conheceram na região da Galícia, na Espanha, quando, em 2009, comitivas de cooperativas, de políticos e da imprensa do Rio Grande do Sul estiveram lá para conhecer o que o setor leiteiro daquela região fez para se tornar uma referência em produção de leite na Europa. Tempos depois, a Cooperativa Dália iniciou um projeto inovador de parceria com seus produtores, pioneiro na América Latina.
Fernando Oliveira de Araújo, gerente da Divisão de Produção Agropecuária da Cooperativa Dália e coordenador do Programa Parceria Integrada de Produção de Leite, explica o porquê da escolha pela Galícia: “Algumas de suas características são muito parecidas com as da nossa da região em termos de relevo, clima e estrutura de propriedade, que são minifúndios. A Galícia, em determinado momento, enfrentou os mesmos problemas que nós aqui, principalmente os relacionados à escassez de mão de obra e à dificuldade de produzir em escala, o que acaba gerando um movimento de desistência de produtores da atividade”.
Ele explica que, sobre os modelos de produção vistos na Galícia, havia um deles que era associativista, no qual pequenos produtores se juntavam, otimizavam sua mão de obra e também seus equipamentos e, em vez de cada um produzir o leite em sua propriedade, fazer a recria de novilhas, produzir seu alimento de forma individual, eles concentraram as atividades de ordenha em uma propriedade, a recria em outra e a produção de alimento numa terceira. Assim, conseguiram produzir com escala de forma associativa, utilizando a própria mão de obra.
“Como resultado do conhecimento dessas experiências da Espanha, muitas coisas, aqui na Dália Alimentos, foram adotadas. Vale destacar os modelos de assistência técnica e também o interesse da cooperativa de montar arranjos produtivos que viessem solucionar alguns gargalos que tínhamos na região”, relata Araújo, assinalando, dentre eles, a escassez de mão de obra qualificada; a falta de sucessão familiar; pequenas propriedades que não conseguem produzir em maior escala, que permita a diluição dos custos de produção e a baixa capacidade de investimentos desses produtores. Mesmo com baixo volume de produção, cada uma dessas propriedades precisa de ordenhadeira, tanque de resfriamento, trator, ensiladeira, entre outros equipamentos.
Em 2011, a cooperativa reuniu lideranças de seu quadro social, a diretoria e sua equipe técnica para discutir qual modelo de produção associativa poderia ser adotado na região e também sobre o interesse e a vontade do quadro social em aderir a essa nova proposta. A partir daí formaram-se condomínios de produtores, como forma de arranjo jurídico, que iriam produzir de maneira associativa.
“Esses projetos eram uma iniciativa público- privada, em que a Cooperativa Dália construiria toda a granja, com sistema de confinamento, instalaria todos os equipamentos e daria assistência técnica aos produtores de leite. A Prefeitura do município cederia o terreno para a granja, providenciaria poço artesiano para o abastecimento de água, instalação da rede de energia elétrica, enquanto os produtores entrariam com os animais e produziriam silagem de milho, feno e pré-secado proporcionais à demanda dos animais confinados no free-stall”, explica Araújo, informando que a cooperativa investiu cerca de R$ 6 milhões em cada granja dotada de tecnologia de ponta, cujo valor foi financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
O primeiro projeto foi montado em Nova Bréscia e começou a funcionar em 2015, com a primeira ordenha ocorrendo em outubro. Em 2017, todas as outras três granjas entraram em funcionamento em Roca Sales, Arroio do Meio e Candelária. Quando se iniciou o projeto, cada produtor trouxe seus animais para sua respectiva granja, depois de selecionados e de passarem por um exame sanitário.
Todas as granjas seguem o mesmo projeto quanto às instalações, confinamento em free-stall com capacidade para 210 vacas em lactação, 52 vacas em período seco e pré-parto, num total de 262 animais. São três robôs de ordenha por granja. “A granja abriga todos os animais adultos e as bezerras, sendo que estas permanecem do nascimento até os cinco meses de idade na instalação, quando então são levadas para as propriedades de recriadores, que podem ser os próprios associados ou não, e retornam para seu local de origem no período de pré-parto”, explica Araújo.
Modelo de gestão foi se adaptando – Buscando sempre o aprimoramento, o modelo de gestão foi sendo adaptado ao longo do caminho. Inicialmente, a cooperativa, que fez as obras, era encarregada de toda a assistência técnica, enquanto a associação dos produtores tomava as decisões diárias da granja, como a contratação de funcionários e as de ordem técnica, conforme orientação da cooperativa.
“Visando sempre o melhor funcionamento do modelo, foram introduzidas mudanças e aquele modelo inicial de gestão compartilhada entre produtores e cooperativa acabou se transformando numa gestão 100% da cooperativa, passando a ser denominado de Programa de Parceria Integrada de Produção de Leite”, relata o coordenador.
Ele explica que esse conceito de parceria integrada vem da própria integração de avicultores e suinocultores da cooperativa. Hoje, funciona na produção de leite da seguinte maneira: toda a administração é da cooperativa e os funcionários que trabalham nas granjas fazem parte de seu quadro de recursos humanos. Por sua vez, os produtores de leite, que antes tinham responsabilidades técnicas, nas tomadas de decisões e produção de alimentos, se tornaram acionistas da granja, cotistas conforme se diz.
Com o processo de cotização, o rendimento dos produtores não é mais atrelado à produção do rebanho, mas ao rendimento fixo mensal, correspondente ao número de cotas que cada um possui. Como funciona? Uma cota da granja vale hoje R$ 7 mil, o que dá direito a uma remuneração mensal equivalente a 30 litros de leite, no valor máximo/litro constante da tabela que a cooperativa paga, ajustado conforme as variações de preço no mercado.
Por exemplo, o produtor que possui dez cotas tem direito a 300 litros de leite por mês e emite uma nota fiscal para a associação. “Ou seja, se o preço subir, eles recebem mais, se baixar, recebem menos, como qualquer outro produtor cooperado que não faça parte do programa”, nota Araújo, observando que esse esquema foi montado com todo o cuidado para que o produtor cotista não perdesse sua forma jurídica de produtor rural, para não interferir em sua aposentadoria.
Segurança para os parceiros – “O modelo atual dá mais estabilidade e segurança tanto para os produtores como para a cooperativa. Hoje, todas as cotas estão esgotadas e há produtores interessados nos próximos projetos que virão. Há uma lista de espera”, diz ele.
Dessa forma, o grande objetivo do projeto está concretizado: deu a oportunidade para aquelas famílias, que estavam sem condições de continuar na produção de leite, permanecerem na atividade, mesmo que de forma indireta. “Por sua vez, a Cooperativa Dália manteve aquele volume de leite que poderia ter perdido se aquelas famílias tivessem saído da atividade. Além disso, conta com uma estrutura moderna de produção leiteira e sua indústria recebe uma matéria-prima de alta qualidade”, diz o coordenador.
Hoje, o produtor cotista, se tiver na propriedade animais e quiser vendê-los para a cooperativa, antes da transação faz uma seleção e avalia os animais. Com este valor, o produtor pode adquirir cotas. São duas operações diferentes. Outro ponto é que o produtor não tem mais a obrigação de produzir o alimento de acordo com o número de cotas que tem da granja. O alimento – silagem, feno e pré-secado – é produzido por sócios e não-sócios da granja de acordo com a demanda, o que é feito por meio de um contrato.
Nesse esquema, o produtor cotista da granja pode ter então mais de uma renda. Além do rendimento mensal proporcionado pelos litros de leite, de acordo com seu número de cotas, ele ainda pode produzir alimento (silagem, feno, pré-secado) e vender para a granja. E ainda, se quiser, pode fazer a recria e vender a novilha prenha para a granja. Há produtores que trabalham com avicultura e/ou suinocultura e ainda têm o rendimento provindo do leite, de acordo com seu número de cotas.
Hoje, têm-se dois modelos para a recria: o produtor compra as novilhinhas, por meio de um contrato de venda e outro de compromisso de compra futura pela cooperativa, mediante alguns critérios, como a sanidade do animal e confirmação de prenhez, por exemplo. No outro modelo, calculam-se os custos da recria, atualizados mensalmente, e a remuneração do recriador, mensalmente. O serviço de assistência técnica é estendido a essa propriedade de recria.
O número de produtores cotistas participantes do Programa de Parceria Integrada de Produção de Leite varia entre 10 e 12 por granja. Segundo informa Araújo, o número de cotas tem um limite de 25 por produtor, pois a remuneração mensal desses produtores entra como um custo de produção para a cooperativa. Isso porque cada produtor cotista, e esta é a sua grande segurança, recebe sua remuneração, independentemente se a granja deu lucro ou prejuízo no mês.
“A minha equipe responsável pela produção da granja é que tem de garantir que ela seja rentável. E um dos custos que temos é a remuneração dos cotistas, os donos da granja. Então, todos os méritos de produzir com lucro são da minha equipe, assim como todas as consequências de produzir com prejuízo.”
Equipe capacitada – A garantia de remuneração mensal dos cotistas é um dos fatores de segurança aos produtores que investiram no programa, já que a cooperativa chama para si a responsabilidade de produzir o leite, numa gestão altamente profissional. “Tenho uma equipe que não é só de assistência técnica, ela produz leite também. Além da eficiência no manejo dos animais, nossos técnicos monitoram as lavouras, por exemplo, desde o preparo da terra, o cultivo, até o fechamento do silo, como se fossem o produtor, para garantir um alimento de alta qualidade para o gado”, ressalta ele.
A primeira grande vantagem do programa é a melhoria da qualidade do leite: a média de CBT é abaixo dos 15 mil/UFC/ml e de CCS é de 350 mil/células somáticas por mililitro, nas quatro granjas. Os animais são todos da raça Holandesa, com produção média/ano de 36 litros de leite/vaca/dia, com uma produção média diária de 4.500 litros por dia por granja. Vale notar que as instalações funcionam com 75% de sua capacidade máxima, pois o número de animais cresce com a própria reposição de cada granja, conforme o andamento de suas recrias.
Ao atingir a capacidade total de lotação do free-stall, a média diária será entre 6 mil e 6,2 mil litros de leite. “Nosso projeto prevê a ampliação para instalar um quarto robô, por granja. Claro que depois de atingirmos a meta de lotação total do confinamento”, observa Araújo.
Cada granja conta com seis funcionários. Há um técnico responsável pelas quatro granjas, que faz todos os planejamentos de gestão da mão de obra e demais controles, apresentando relatórios mensais dos projetos. “Em todas as granjas há treinamento constante de mão de obra, pois para nós a qualificação e atualização de conhecimentos dos funcionários é fundamental. Precisamos de pessoal muito capacitado, pois esse projeto é altamente profissional, baseado em tecnologias de ponta para a produção de leite. Também temos uma experiência muito boa com estagiários que nos procuram e com isso nossa mão de obra é de pessoas que passaram por estágio na empresa.”
Satisfação dos participantes – Ele faz questão de frisar que o objetivo, sua missão social, do programa é atender às necessidades dos pequenos produtores que não têm mais condições de produzir e desejam migrar para esse programa, com duas, três ou quatro cotas. Fora disso, o programa perde seu sentido, pois se alguém que dispuser de mais recursos adquirir um grande número de cotas não sobrariam cotas para aqueles que realmente precisariam participar.
O perfil desses produtores cotistas é variado: há desde produtores que tinham alta eficiência produtiva e de qualidade do leite, mas sem condições de elevar a escala; produtores que produziam com baixa eficiência, não conseguindo produzir de forma sustentável, e produtores que desistiram da atividade, mas resolveram comprar cotas da granja. “Com certeza todos eles estão muito satisfeitos com esse arranjo de Parceria Integrada de Produção de Leite. O que mostra que esse modelo é bom para eles e também para a cooperativa”, enfatiza Araújo.
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