De acordo com artigo técnico publicado em junho de 2020, pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), intitulado “Melhoria produtiva de caívas com a introdução da grama missioneira-gigante”, as caívas são sistemas agroflorestais nos quais ocorre o extrativismo da erva-mate nativa, integrado à produção animal. Elas existem há mais de 100 anos no Brasil, contribuindo para a conservação significativa das áreas de remanescentes da floresta de araucárias.
“Uma das principais motivações veio da demanda das famílias proprietárias de caívas. Apesar de elas utilizarem esse sistema há mais de um século, estavam sofrendo muita pressão para substituição, uma vez que a lucratividade era muito baixa. A segunda motivação foi, sem dúvida, o tamanho da área que temos de caívas no Planalto Norte de Santa Catarina, que ultrapassa 100 mil hectares, e o potencial que isso significa em matéria de adoção de tecnologia”, explica a engenheira agrônoma e pesquisadora da Epagri Ana Lúcia Hanisch, uma das autoras do artigo citado acima.
Segundo ela, o terceiro aspecto é ver a pesquisa proporcionando sistemas mais sustentáveis para a pecuária, especialmente a leiteira, até para mitigar um pouco essa impressão errada e negativa que a sociedade, às vezes, tem da produção animal. Quanto mais conseguirmos aliar produção animal e conservação ambiental, melhor para os produtores e para os consumidores.
“Talvez aqui caiba um parêntese: qual a diferença entre preservação e conservação? As palavras parecem ter o mesmo significado, mas o sentido delas é bem diferente. Conservação se refere ao uso racional de um recurso natural, ou seja, em adotar um manejo que garanta a autossustentação do recurso explorado para as futuras gerações. Já preservação apresenta um sentido mais restrito, significando proteção integral com intocabilidade para evitar perda de biodiversidade, ou seja, não o utilizar, mesmo que racionalmente. Ou seja, a proposta de melhoria de caívas busca conservar a vegetação nativa, mas por meio do uso dessas áreas”, destaca a pesquisadora.
Segundo Ana Lúcia, os trabalhos de pesquisa em caívas se iniciaram em 2006 e continuam até hoje. São pesquisas de longa duração, porque envolvem árvores, pastagens perenes e animais. “Somente na pesquisa foram envolvidas diretamente 11 famílias de 7 municípios, com as quais desenvolvemos várias etapas dos experimentos. Como a Epagri é uma empresa pública de pesquisa e extensão rural, então só a partir dos resultados positivos da pesquisa há a adoção das tecnologias por parte dos extensionistas que as adotam em diferentes propriedades rurais”, observa ela.
Plantas de erva-mate – Indagada a respeito de como o manejo do rebanho leiteiro deve ser feito para não prejudicar a produção de erva-mate nas áreas de caíva, Ana Lúcia diz que esse era o ponto mais conflitante no início das pesquisas. Segundo ela, há muita informação subjetiva sobre o impacto do gado na produção de erva-mate e também sobre o efeito da correção de solo e da adubação sobre a erva-mate nativa.
“Com a adoção da tecnologia da Epagri não há nenhum impacto negativo do gado nas plantas de erva-mate, porque recomendamos o pastejo rotativo de acordo com a altura da pastagem. Ou seja, o gado entra em um piquete de tamanho já pré-definido (em média 100 m2/UA/dia), no momento em que a pastagem está com a altura ideal para pastejo, e permanece no piquete apenas o tempo para consumir o suficiente, o que leva no máximo 24 horas. Dessa forma, enquanto os animais estão no piquete eles não têm interesse em consumir nada além do pasto e por isso não danificam a erva-mate ou a regeneração florestal”, diz.
Na avaliação da especialista da Estação Experimental de Canoinhas (SC), a tecnologia promove aumento da produtividade de leite por área nas caívas e na propriedade em geral, aumento da geração de renda; bem-estar animal e felicidade para o produtor, por ver sua área de caíva muito mais produtiva. “O aumento na produtividade é reflexo do aumento da lotação animal, que passou de menos de 0,5 unidade animal (UA)/hectare para 2 UA/ha. Além disso, com a melhoria da qualidade da pastagem, o consumo é maior, com reflexo na produtividade de leite, ressalta Ana Lúcia.
SAF e pesquisas: transformando a vida de famílias produtoras de leite – “No ano de 1986, meus pais, João e Odália Neves, deram início à produção leiteira no Sítio São Francisco de Assis, em Major Vieira (SC), com poucos animais, sendo todos de raças de corte. As vacas eram ordenhadas manualmente em um pequeno estábulo, que se mantém em pé até hoje, para que possamos olhar o passado e lembrar de onde viemos. A ordenha manual era realizada todas as manhãs, com bezerros ao pé. Tudo era muito trabalhoso, porém minha mãe realizava todo trabalho com muito entusiasmo e carinho”, recorda a filha do casal de produtores, Dyanndra Neves.
Além disso, João Neves, naquela época, era instrutor fumageiro de uma empresa de tabaco da região. “Quando eu nasci, em 1990, a minha mãe, com duas filhas pequenas, acabou sendo obrigada a vender as vacas por não ter quem fizesse a ordenha manual, pois ela não dava conta de ordenhar os animais e fazer os tratos sozinha. No ano seguinte, meu pai deixou aquele emprego, e passou a se dedicar ao plantio de tabaco no sítio, nossa atividade principal, que durou cerca de 21 anos”, diz a jovem produtora.
Porém, Odália, sempre empenhada e sonhadora, nunca desistiu da atividade da produção de leite. Manteve algumas vaquinhas e, aos poucos, foi convencendo seu esposo de que essa poderia ser a atividade principal do sítio de 27 hectares. Segundo a filha dos produtores, a cultura do tabaco, além de trabalhosa, dependia de muita mão de obra, o que, com o passar dos anos, foi ficando mais difícil. “Meu pai sempre tentou outras culturas, como milho, feijão e soja. Mas, como nossa propriedade é pequena, ainda era o tabaco que mantinha a propriedade.”
Com as duas filhas, Dyanndra e Andera, estudando em faculdade particular, o casal de produtores trabalhava de sol a sol para que elas tivessem um futuro melhor. “Em 2006, tínhamos 12 vacas na ordenha, as instalações já haviam melhorado, com ordenha mecanizada, um estábulo com piso, e os animais de melhor aptidão das raças Holandesa (predominante) e Jersey. E meu pai vinha focando na melhoria da propriedade, além de utilizar a técnica da inseminação artificial para aprimorar a genética dos animais”, diz Dyanndra Neves.
Entretanto, a jovem produtora diz que a maior produção leiteira ocorria apenas nos meses de inverno, entre maio e setembro. Depois, a área era destinada à produção de tabaco no verão, com azevém e aveia. Nos demais meses do ano, as vacas não tinham muito pasto disponível, ficando mais em gramas comuns e pequenas áreas com milheto. Nessas condições, não havia opção para aumentar o rebanho, nem a produtividade.
Foi no ano de 2006, em uma palestra sobre a criação de gado leiteiro a pasto, que a dona Odália conheceu a pesquisadora Ana Lúcia, da Epagri, e, a partir desse dia, nasceu uma nova história para a propriedade. “A palestra foi muito motivadora e abriu nossa visão para novos caminhos para melhorar no leite, sobretudo na colocação de pastagens em áreas de caívas”, assinala a produtora.
Dyanndra relata que, pouco tempo depois da adoção do Sistema Agroflorestal (SAF), já foi possível constatar algumas melhorias. “Desde que começamos com o SAF, fomos conseguindo novos resultados: aumentamos o número de animais, saindo de 12 vacas com uma média de 12 litros de leite/vaca/dia, em 2006, para 31 animais em lactação com uma média de 22 litros de leite por animal, atualmente”, conta.
“Nossa meta para os próximos anos é ter 40 animais em lactação, com uma média mínima de 25 litros/vaca/dia. Isso era sonho muito distante antes do uso do SAF em nossa propriedade. Agora já vemos cada área de terra da propriedade como produtiva e conseguimos manter o equilíbrio com a natureza”, ressalta Dyanndra Neves.
Realizando um sonho – É o que significa para a família Modeski, do Sítio Fortaleza, participar do programa da Epagri, também em Major Vieira. “Nossa história na atividade se iniciou há 27 anos. Logo após casarmos, projetamos o aumento da rentabilidade e o início do recebimento de renda mensal, tendo em vista que nossa renda era anual. O SAF sempre foi um sonho, no entanto não passava disso”, informa o produtor Márcio Modeski.
Antes de adotar essa tecnologia, ele e sua esposa, Rosane, sem dispor de área de pastagem, colocavam o gado na área de caívas para apenas repousar durante a noite. “Visávamos a área como reflorestamento, realizamos algumas tentativas de plantio na área de sombra, contudo sem sucesso, pois o manejo não era adequado”, conta o produtor.
A motivação para a adoção do SAF no Sítio Fortaleza se deu durante a visita de técnicos da Epagri à propriedade. Eles encorajaram o casal a desenvolver um plantio adequado e apostar no resultado. Os dois até mesmo tinham em mente que poderia dar certo o projeto, mas com um ponta de receio, uma vez que já haviam tentado anteriormente. Em vista disso, entrou em cena todo o auxílio, incentivo, aprendizado e o acompanhamento da Epagri, que é, hoje, o norte da família Modeski para alcançar melhores resultados da propriedade no planalto norte-catarinense.
“O resultado foi animador, em menos de quatro meses pós-plantio da missioneira-gigante. Constatamos melhoria da sanidade animal, aumento da produção leiteira e melhora do escore corporal dos animais. Cito ainda, dentre tantos progressos, o acréscimo na renda financeira e a possibilidade de ampliar o rebanho”, comemora o produtor.
A família Modeski projeta para os próximos anos aumentar a produção leiteira, a área plantada e também investir na ampliação da sala de ordenha. O plano é elevar o crescimento, com a plantação perene em 100% da área de caíva. “Ainda temos desafios com a plantação, que vamos solucionar com a irrigação. Mantemos os pés no chão, mas sonhamos alto como no início de tudo, pois agora temos um diferencial, que é a consolidação dos resultados, por meio da prática que nos foi proporcionada pela Epagri”, finaliza o proprietário do Sítio Fortaleza, que ainda não contabilizou, com precisão, o aumento da produtividade, uma vez que o primeiro ano de adoção do SAF ocorrerá em junho.
• Só é possível melhorar a pastagem em SAFs onde, naturalmente, haja no máximo 40% de sombra. Se a área for mais sombreada que isso, nem as pastagens sobressemeadas no inverno, nem a missioneira-gigante ou outras pastagens perenes de alta produtividade conseguirão sobreviver. Ou seja, o primeiro passo é caminhar na área do SAF e selecionar as áreas com menos árvores ou com copas menores, onde haja uma penetração adequada de luz solar. Aqui nas caívas, como são SAFs manejados há mais de um século, temos uma mistura de caívas “muito abertas” com poucas árvores e com 20% a 30% de sombra, até caívas com o dossel arbóreo completamente fechado (mais de 80% de sombreamento). A tecnologia da Epagri só pode ser adotada nas caívas abertas e muito abertas;
• Definindo-se as áreas com menos sombra, temos duas tecnologias de melhoria da pastagem, que podem ser adotadas em diferentes SAFs: a primeira é a sobressemeadura de inverno sobre as pastagens naturalizadas que já existem nas caívas e a segunda é a implantação da missioneira-gigante cv SCS 315 catarina-gigante substituindo a pastagem naturalizada;
• A grama missioneira-gigante não possui sementes viáveis, então seu plantio é realizado apenas por mudas vegetativas a partir do mês de novembro. Para seu plantio é necessário abrir covas, espaçadas a cada 50 cm;
• O que percebemos desde o início é que, quando preparávamos o solo de forma convencional, tínhamos três grandes problemas: as raízes das árvores; o aumento da compactação após a aração e uma explosão do número de plantas invasoras. Além disso, um agravante é que, com o revolvimento, perdíamos algo muito importante, que é a matéria orgânica do solo;
• Para resolver esses problemas, passamos a não mais revolver o solo, mas dessecar a pastagem naturalizada e, na sequência, plantar a missioneira abrindo apenas as covas a cada 50 cm. Mas a grama que já estava lá é muito resistente e percebemos que apenas uma dessecação não era o suficiente para vencê-la. Foi assim que desenvolvemos a estratégia de dupla dessecação + sobressemeadura antes do plantio da missioneira-gigante. E deu supercerto;
• Então, se o produtor decidir pelo uso da missioneira-gigante, que só pode ser plantada a partir de novembro, ele deve começar a preparar a área em março, dessecando pela primeira vez a grama. Para dessecar deve utilizar um herbicida dessecante recomendado para pastagem perene. E, antes disso, deve fazer uma análise de solo da área para o técnico fazer a recomendação de correção e adubação do solo;
• Após dessecar, aplica-se 1/3 da calagem recomendada, em cobertura, sem incorporar ao solo e se faz a sobressemeadura de azevém e ervilhaca na área. Essas pastagens crescem durante o inverno e início da primavera e podem ser pastejadas pelo gado. Em outubro, com o fim do azevém e da ervilhaca, a área deve ser dessecada novamente e somente então pode-se começar a plantar as mudas de missioneira-gigante a cada 50 x 50 cm. Antes do plantio, aplicar mais 1/3 da recomendação de calagem e adubação. E, quando a missioneira-gigante estiver fechando a área, por volta de março a abril, aplicar o 1/3 restante;
• Com a missioneira-gigante já estabelecida, pode-se começar a utilizá-la normalmente, com os animais entrando nos piquetes quando o pasto atingir 25 a 30 cm e saindo com a altura de 12 a 15 cm. Importante: a adubação passa a ser uma rotina de manejo. Recomendamos parcelar a adubação anual em até quatro vezes, tanto adubos quanto corretivos e sempre utilizar algum tipo de adubo orgânico em uma das aplicações. A análise de solo também deve ser parte da rotina, para que, ao longo dos primeiros anos, seja possível elevar todos os nutrientes ao nível alto, no solo.
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