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Depois de muito tempo com desempenho insatisfatório, graças a mudanças no sistema de produção, a Fazenda Jardim Gamela entrou no caminho do bom desempenho

GESTÃO

Propriedade encara desafios com

melhor gestão e compost barn

Após tentar trazer conforto aos animais e estabilizar a produção de leite sem obter o resultado esperado, fazenda muda sistema de trabalho e vira o jogo

Luiz H. Pitombo

As condições de produção não são das mais favoráveis na Fazenda Jardim Gamela, localizada no município de Capelinha, nordeste de Minas Gerais. O terreno é acidentado e o solo bastante pedregoso. Além disso, chove pouco na região, média de 900 mm/ano, e as temperaturas são elevadas, atingindo até 40 graus no verão. Contudo, isto não impediu que, há 20 anos, a atividade leiteira começasse na propriedade.

Com envolvimento da família e de colaboradores, assistência técnica e investimento, paulatinamente conseguiram superar as dificuldades e confirmar sua vocação. Atualmente, produzem entre 2.800 e 3.000 litros de leite por dia, com vacas rendendo de 32 a 34 litros/dia na média do ano. Mas a perspectiva e a determinação existentes mostram que ainda é possível evoluir mais.

 

Guilherme, Antônio e Olimar seguem à risca a orientação da consultoria para melhorar a atividade leiteira na propriedade

O volume de leite nos primeiros tempos sempre mostrou forte oscilação entre as águas, período em que as vacas rendiam de 300 a 400 litros/dia em pastos extensivos de braquiarão, com suplementação na ordenha, quando sentiam muito pelas longas caminhadas e problemas de casco. Já na seca a produção subia até 1.000 litros/dia, com os animais fechados recebendo basicamente cana-de-açúcar picada mais concentrado. O canavial tinha um baixo rendimento e dava muito trabalho.

A propriedade ordenhava animais da raça Jersey e muitos Jersolandos com produção média de 15 litros de leite/dia. A qualidade do volumoso não era boa, o conhecimento da parte agrícola pouco e o volume pequeno de leite e seu sobe e desce não traziam redução nos custos.

Foi nessa época que os proprietários Olimar Alves Cordeiro, o irmão Antônio e seu filho Guilherme, sentiram a necessidade de melhorar a atividade e perceberam que a partir daquele momento seria importante contar com assistência técnica. Assim, entraram em contato com a ViaVerde, consultoria mineira especializada na produção agropecuária, que passou a contribuir com os projetos da fazenda sob a orientação do engenheiro agrônomo Gabriel Lara, um dos sócios da empresa, e mais recentemente com o auxílio da técnica agrícola Sirlane Ferreira.

As medidas iniciais foram a instalação de piquetes e corredores alternativos para o deslocamento dos animais. Foi introduzida uma área da gramínea tifton, melhorado o canavial e a capineira, que atualmente é de capiaçu, cultivar do capim-elefante. Também se passou ao plantio de algumas áreas de milho irrigado. Por decisão dos proprietários, o rebanho foi direcionado para animais da raça Holandesa. Porém, logo eles constataram que esses animais exigiam melhores condições de conforto, não suportando as caminhadas e o calor.

Lara e Guilherme, que hoje está à frente da fazenda, auxiliado pelo pai e o tio, reconhecem que os piquetes e outras medidas trouxeram benefícios, mas que não conseguiam solucionar questões fundamentais, como o conforto dos animais e a oscilação na produção de leite.

 

Decisão pelo compost – A possível adoção do confinamento por meio do compost barn começou a ser discutida, embora certas questões precisassem ser superadas para dar confiança e segurança à propriedade, de modo a viabilizar essa mudança significativa. Dentre esses aspectos, como destaca Lara, ali se trabalha muito a questão do volumoso, aumentando o potencial de produção da silagem de milho. “Além disso, entramos com mais irrigação para garantir o alimento necessário.”

Gabriel Lara: “Depois do compost barn, focamos noutros aspectos, como a produção de alimentos de qualidade, com melhoria da fertilidade do solo e irrigação (milho e pastagem)”

Guilherme conta que a decisão pelo compost barn foi tomada após concluírem que se não fizessem nada de novo precisariam parar com a atividade leiteira. “Já tínhamos um gado melhor e fomos visitar propriedades que estavam no compost e gostamos. Vimos que não era difícil para nós e que esse seria o melhor sistema.” Ele comenta que aquilo que o gado mais precisava estaria garantido, que era o bem-estar, além do que na região tinham fácil acesso à serragem para as camas.

Um engenheiro especializado no sistema foi contratado para ser o responsável pela obra que abrigaria 85 vacas em produção, na qual foi investido um valor acima de R$ 1 milhão. Em setembro de 2018, o galpão começou a funcionar com 60 vacas em lactação, o que garantia muito espaço livre para os animais, que se adaptaram muito bem desde o primeiro dia. “Quem sai de um lugar ruim para um bom não sente dificuldade para se acostumar”, comenta Guilherme.

A produção apresentou um incremento considerável por vaca, passando da média de 19 litros de leite/dia para 27,5 litros, conquistando-se a tão almejada estabilidade de produção ao longo das estações. Problemas de casco como a dermatite, que eram tão frequentes, praticamente sumiram, como também os casos de mastite que hoje se restringem a situações pontuais.

Outro aspecto que o produtor faz questão de assinalar é quanto à reprodução. Antes havia muita repetição de cio e a taxa de prenhez, que estava em 11,4%, passou para 20%, enquanto o intervalo entre partos se reduziu de 15 meses para 13,7 meses. Os colaboradores também aprovaram o novo sistema, que se mostrou mais fácil de trabalhar do que o anterior e com melhores condições, por se tratar de local coberto.

O cultivo do milho foi ampliado graças à aquisição de uma nova área próxima da fazenda e outra arrendada, com os investimentos em irrigação obtendo um forte impulso, fazendo com que a alimentação das vacas seja hoje basicamente composta de silagem e concentrado.

Para garantir mais conforto para as vacas, foi instalado o sistema de resfriamento por aspersão na linha do cocho

A propriedade possui um total de 172 ha entre reserva, pastos para gado de corte e 40 ha dedicados à atividade leiteira. Com o milho são cultivados o total de 26,09 hectares, dos quais 11,81 ha são irrigados por aspersão na área adquirida, e parte dentro da fazenda, onde predominam lavouras de sequeiro, que são as únicas existentes na terra arrendada.

O piquete de tifton é utilizado para as casinhas individuais das bezerras e também para a produção de feno, que serve as vacas em lactação. Cerca de 1,5 ha de capim capiaçu serve para a produção de silagem para as fêmeas em recria a pasto, que também recebem concentrado e têm seu primeiro parto entre 23 e 24 meses de idade.

Todo o rebanho, que soma perto de 180 cabeças com predominância de 7/8 de sangue holandês, é inseminado artificialmente pela observação do cio natural, mas parte das vacas é trabalhada com IATF (inseminação artificial em tempo fixo). Em 2021, a Fazenda Jardim Gamela adotou o resfriamento das vacas por microaspersão na linha de cocho do galpão, por três vezes ao dia, o que pode trazer a taxa de prenhez no corrente ano para perto de 22%.

GESTÃO EFICIENTE, COM O FOCO NAS PESSOAS, PARA CONSOLIDAR AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS

A nova etapa da fazenda, após a instalação do compost barn e as outras mudanças, não estaria completa sem a adoção do modelo de gerenciamento Agro+Lean em novembro de 2018. Ele foi desenvolvido pelo professor Paulo Machado, da Clínica do Leite, em Piracicaba (SP).

Antônio aprovou o novo sistema de produção e afirma que “quem quiser fazer o compost barn precisa de boa assistência técnica e gestão, caso contrário vai andar para trás, pois mesmo sendo simples necessita de eficiência”. Ele acrescenta que o gado mais especializado exige um acompanhamento adequado em seu dia a dia, com protocolos e procedimentos estabelecidos. Guilherme concorda com seu pai, avaliando que as coisas não estariam dando certo caso mantivessem a forma anterior de administração.

Sirlane Ferreira, da ViaVerde, atua na propriedade como consultora das áreas de gestão e integração, com o programa de gerenciamento de informações utilizado, como também na cria das bezerras. Embora o modelo de gestão introduzido tenha seu foco nas pessoas, a parte financeira passou a merecer atenção.

Sirlane Ferreira: “Quando investimos nas pessoas, temos um resultado mais garantido, porque elas se sentem parte do negócio"

De maneira resumida, ela afirma que o método visa simplificar as tarefas na fazenda de forma a se usar o mínimo possível dos mais variados recursos, eliminar desperdícios e agregar valor às atividades. Nessa corrente de trabalho na fazenda, todos terão consciência de que são, ao mesmo tempo, “cliente” de um colega que lhe passará algo que precisa para sua tarefa, por exemplo, uma silagem de qualidade para dar às vacas, como também “fornecedor” para outro colega, sendo necessário conhecer e atender bem aos objetivos e necessidades de cada um. Essa relação de “cliente” ou “fornecedor” acontece da mesma forma dentro da fazenda como fora dela, considerando, por exemplo, a empresa que entrega concentrado na propriedade e o laticínio que compra o leite, respectivamente.

Foram utilizadas diferentes “ferramentas” para adotar o método, como explica Sirlane, citando o caso das chamadas “anomalias”. “Isso significa tudo o que atrapalha o fluxo de trabalho, que passou a ser anotado e colocado numa caixinha”, como diz. Aos sábados, todos, de funcionários a proprietários, participam de uma reunião quando essas dificuldades são levantadas, discutidas e apresentadas soluções, sendo importante que todos se manifestem.

Os encaminhamentos ficam registrados num quadro e em novo encontro na segunda-feira pela manhã o gerente faz o direcionamento das tarefas entre os colaboradores. Também existe um quadro onde ficam expostos vários indicadores da fazenda como casos de mastite, contagem bacteriana total (CBT) e contagem de células somáticas (CCS).

Um dos quadros (indicadores), que fazem parte do sistema de gestão

Redução de perdas – Outro procedimento importante foi a avaliação de todos os processos de trabalho, quando foram identificados desperdícios, possíveis melhorias e geradas padronizações de como se fazer a tarefa. A técnica cita o aspecto dos cuidados com as bezerras, quando se criou um protocolo para a retirada do animal da vaca, fornecimento do colostro, verificação após 48 horas, por meio de exame de sangue, se a colostragem atingiu seu resultado, para, se necessário, administrar um reforço com colostro em pó.

Uma situação de eliminação de desperdício, no caso de tempo e maquinário, foi percebida pelos funcionários quanto ao transporte da ração até o compost barn. Antes o depósito ficava distante 1,5 km do galpão, quando se perdia tempo, energia no deslocamento e se gerava desgaste do vagão. Como havia espaço sobrando no compost, o armazenamento começou a ser aí realizado, dando maior racionalidade ao fornecimento diário da alimentação.

Na questão financeira, se conseguiu economizar e ganhar qualidade ao se produzir toda silagem de milho na fazenda. Antes, sem um controle de custos apurado, a impressão era de que ficava mais em conta comprar de terceiros, o que não estava certo.

Um ponto que Sirlane destaca se refere ao necessário envolvimento dos proprietários com as novas ideias e o estímulo que realizam junto aos colaboradores na adoção do modelo. Neste sentido, diz que foi positiva a relação próxima de comunicação e respeito entre os proprietários e os funcionários na fazenda, embora reconheça que logo no início algum estranhamento tenha ocorrido pelo desejável maior engajamento dos funcionários com suas opiniões e sugestões.

“Antes nossa gestão era isolada, amadora e tínhamos pouca coisa nessa área”, reconhece Guilherme. Ele também lembra que no princípio houve certa dificuldade de adaptação, pois o método representa uma mudança de cultura grande, mas com diálogo e exemplos sua importância fica clara. As conversas são importantes sempre, pois observou que com a rotina existe um relaxamento.

Foram obtidas melhorias em todos os setores da propriedade, segundo afirma, destacando a gestão mais participativa, a maior organização do trabalho, o estabelecimento dos vários protocolos, na união e satisfação da equipe, o que resulta em avanços na produção e na qualidade.

O casamento entre a nova gestão e o compost pode ser igualmente identificado por meio de dois indicadores, a CBT e a CCS. Se antes os valores respectivos eram de 14 mil e 700 mil, hoje ficam na média de 4 mil e 128 mil.

Numa avaliação ampla, Sirlane diz que a principal melhora que percebeu foi nas pessoas. “Quando investimos e zelamos por elas, temos um resultado mais garantido, já que cuidam bem do negócio que se torna parte delas também.”

Equipe da Fazenda Jardim Gamela, que se reúne toda semana para avaliar os trabalhos na busca do aprimoramento de todos em suas tarefas

De olho nos custos e novos planos – Nos três primeiros meses do ano, o custo operacional total de produção da Fazenda Jardim Gamela ficou na média em R$ 2,12/litro de leite, um valor que poderá se diluir com o projeto de aumento da produção. A atividade leiteira já esteve melhor, como admite Guilherme, mas a alta dos custos de produção tem tornado mais difícil o fechamento das contas. Porém, diz que estão no azul com sobra para saldar os investimentos.

Seu tio Olimar comenta que a família não depende da fazenda para sua sobrevivência, mas que ela se tornou autossustentável e se encontra numa fase boa após as mudanças. Ele considera que o principal problema que hoje enfrentam é na relação com os laticínios, quando procuram uma melhor remuneração ou a redução nos prazos de pagamento. Inconformado, afirma que foi negociar sua antecipação e obteve como resposta que precisaria para isso pagar juros. “Mas como pode ser, se demoram 30 dias para me pagar e não cobro nada?”

Já existem várias metas estabelecidas para o andamento dos trabalhos na fazenda, como continuar a aumentar a qualidade e a quantidade da forragem com a melhoria da fertilidade do solo, ampliação da irrigação e aprimoramento do seu manejo por meio de tensiômetros recém-adquiridos. A expectativa é de que a produção de milho para silagem, que deve atingir na atual safra perto das 50 t/ha nas áreas irrigadas, possa crescer e chegar a 55 t/ha, e nas áreas de sequeiro de 35 t/ha/ano para 40 t/ha.

Uma vez que o alimento esteja garantido, o compost bar deve ser ampliado para acomodar o total de 100 vacas em lactação com a perspectiva de se obter um volume diário de 3.500 litros de leite, o que será igualmente auxiliado por um aumento da produção individual dos animais por meio de genética, alimentação e conforto. Assim que o caixa permitir, será instalado um sistema de resfriamento na sala de espera da ordenha.

Na parte da gestão, na qual os processos de aprimoramento também não param, pode-se ganhar ainda mais ampliando a transparência dos custos junto aos colaboradores, o que gera estímulo com os resultados conquistados pelo trabalho. No aspecto de redução dos desperdícios, pode-se fazer a mistura do concentrado na propriedade a um custo menor, além da garantia de uma composição estável.

Um novo ramo de atividade começou este ano na fazenda e que deverá trazer um reforço na receita: a comercialização de bezerras e novilhas meio-sangue Gir, que têm boa demanda na região.

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