Com público recorde no presencial e online de 1.200 e 180 pessoas, respectivamente, a 20ª edição do Interleite foi realizada em Goiânia (GO), no início de agosto, após ter sido adiada por três anos seguidos devido à pandemia.
“O setor está em mudança, com produtores investindo e buscando tecnificação e outros enfrentando dificuldades, assim decidimos mostrar o que os produtores que dão certo estão fazendo, tanto os grandes como os pequenos”, explica Marcelo Pereira de Carvalho, CEO do MilkPoint, promotor do evento. Numa avaliação ampla, ele afirma que o setor apresenta grande dinamismo e que existe muita coisa boa acontecendo.
Na versão deste ano, o evento também trouxe uma tônica voltada à agenda ambiental, que representa uma grande oportunidade em função do que ainda é possível se fazer, ganhar eficiência e aumentar rendimentos, como destaca o CEO. “Vimos propriedades integrando o leite a diferentes atividades na fazenda, a produção de adubos orgânicos, de biogás e laticínios também investindo nisso”, salienta.
O prêmio Vidal Pedroso de Faria de 2022 coube a Paulo Fernando Machado, da Clínica do Leite, que igualmente mereceu um bloco de palestras dedicado ao sistema que adaptou de gerenciamento de pessoal, o Agro+Lean, com exemplos práticos de fazendas que o adotaram.
Inteligência artificial no dia a dia da fazenda – Para aproximar pequenos e médios produtores de leite das tecnologias 4.0, a cooperativa gaúcha Cotrijal desenvolve projeto piloto que conta com 10 propriedades e 1.500 vacas monitoradas em tempo real por coleiras eletrônicas, conforme explica Renne Granato, superintendente Novos Negócios & Produção Animal da Cotrijal, em sua palestra “Desmistificando o uso da tecnologia em produtores familiares: o caso da Cotrijal”.
A ideia inicial era facilitar o atribulado cotidiano do produtor, que realiza mais de uma centena de ações diárias, dentro da fazenda ou com sua família, como se estima, fornecendo para ele alertas relacionados à saúde do rebanho ou como auxiliar na identificação do cio. Esse trabalho já trouxe um impacto positivo, pela identificação elevada de cios noturnos que poderiam passar despercebidos.
Como o volume de dados disponíveis era muito grande, perto de 10 milhões de horas monitoradas em um ano, assim é que se passou a trabalhar no cruzamento dos dados por meio da criação de algoritmos (sequência de instruções) e o uso da inteligência artificial, auxiliando nos alertas do sistema e na rotina de procedimentos a serem realizados. Um exemplo foi utilizar os dados acumulados de ruminação, ofegação, ócio e outros de cada vaca e associá-los às taxas de concepção, identificando-se animais com fertilidade e outros parâmetros abaixo da média do rebanho.
O leite em Goiás – A situação da cadeia do leite em Goiás foi apresentada, durante o Interleite, na palestra “O diagnóstico do leite em Goiás: como voltar a crescer com rentabilidade?”, pelo consultor Antônio Carlos de Souza Lima Jr., com dados do diagnóstico realizado em todos os segmentos da atividade no Estado (insumos, propriedades, transporte, cooperativas, varejo, etc.). O estudo traz números de 2019, mas ainda é considerado atual e também sugere onde melhorar e voltar a crescer. Na comparação com 2009, ano do diagnóstico anterior, a produção de leite no Estado caiu 26% em dez anos.
Na pesquisa mais atual, 50% dos produtores ainda não realizavam planejamento da atividade e 79% não calculavam custos de produção. Com esse mesmo porcentual, aparecem aqueles sem assistência técnica continuada, sendo que 38% utilizavam como touro de repasse animais Nelore e 19% Holandês.
Avanços foram obtidos com mais investimentos nas fazendas, crescimento no uso da ordenha mecânica e da realização da segunda ordenha. Igualmente, houve melhora na escrituração zootécnica, maior participação das mulheres na atividade, entre outros aspectos.
Dentre as sugestões para a volta do crescimento da produção no Estado, a primeira é sobre a necessidade de toda cadeia se fortalecer e se articular com instituições como Senar, Sebrae, Emater e outras, de maneira mais efetiva. Também foi indicada a importância do incremento de cooperativas com foco no desenvolvimento do produtor e a criação da Câmara de Conciliação do Leite. Esta foi estabelecida em agosto de 2019 adotando um modelo próprio, diferente dos Conseleites de outros Estados, o que tem dado resultado.
Câmara de Conciliação – Em vários momentos das palestras e debates, surgiram questões envolvendo a previsilidade de preços ao pecuarista e a importância de se saber já na venda quanto se receberá pela matéria-prima.
Paulo Scalco, assessor da Secretaria de Economia do Estado de Goiás, realizou sua palestra explicando como foi criada e funciona a Câmara de Conciliação.
Diferentemente de outros locais, a Câmara de Goiás surgiu por iniciativa da Secretaria da Agricultura do Estado, para que o produtor e a indústria se reunissem em torno de uma mesa para conversar. Ela é presidida pelo secretário da Agricultura e mensalmente divulga boletim com índices que situam o que ocorre no mercado estadual de lácteos em termos de preços.
A adoção de sistema similar aos Conseleites não aconteceu, segundo Scalco, pelos custos envolvidos, demora para sua instalação, além do que, na ocasião, não agradou a forma como estava ocorrendo em alguns deles a prestação das informações e a representação dos custos de produção do pecuarista para obtenção dos valores de referência do leite.
A proposta adotada pressupõe um cálculo mais simples, com o estabelecimento de um índice que reflita a dinâmica do mercado atacadista. Para isso, foi estabelecida uma cesta ponderada com os principais produtos que refletem seu peso na destinação final da matéria-prima: muçarela (37%), leite em pó integral (23%), leite UHT integral (20%), leite condensado (14%) e creme a granel (6%).
Não são fornecidos valores e nem diferentes preços em função da qualidade do leite, mas um índice que reflete a variação dos valores de um mês para outro. “A ideia inicial era de que o porcentual servisse de referência para o reajuste ao produtor no mês seguinte, mas vimos que não funcionava”, comenta. Isso ocorreu por alguns motivos, dentre eles, um descasamento natural de tempo entre o índice e o que estava ocorrendo no campo no mês seguinte.
Assim, desde 2021, o uso sugerido é como um indicador do que ocorreu no mercado atacadista do Estado para auxiliá-lo nas negociações. O índice de julho deste ano, por exemplo, ficou em 21,04% e Scalco destaca que, em relação a valores fornecidos pelos Conseleites, o índice de Goiás chega a variações bem similares.
O assessor acrescenta que a Câmara se transformou num espaço para discussão de temas importantes para a cadeia e, pelo fato de o governo estadual também ter assento nas reuniões, isso agiliza o andamento de alguns processos.
Controlar desperdícios – Pela dificuldade de, muitas vezes, não se obter uma previsibilidade adequada de preços, no debate que se seguiu à palestra foi sugerido que os produtores ficassem mais atentos onde é possível se ter maior controle, como nos custos.
Nesse sentido, a apresentação do produtor Danilo Resende, da Fazenda Céu Azul, em Silvânia (GO), trouxe um exemplo prático de como isso pode ser realizado, no caso, para identificação dos desperdícios.
Os dados, que faz questão de que sejam da melhor qualidade, são do seu sistema de free stall, com volume diário perto de 32 mil litros de leite, um dos maiores do Estado, com mil vacas em lactação. Resende chama a atenção, antes de mais nada, para a necessidade de as fazendas possuírem seu “plano de voo”, um planejamento dos trabalhos e metas a serem perseguidas.
Séries históricas de dados também são importantes para quantificar o desempenho da atividade, como no caso que mostrou sobre seu rebanho, que em 2016 tinha uma média por vaca de 26 litros/dia e, neste ano, estava em 32,7 litros/dia. O índice de mastite, com menos da metade das vacas, que era de 4,5% e em julho passado, ficou em 3%.
Nos acasalamentos, elaborado em conjunto com a central de inseminação, ele conta que busca um índice ponderado com 30% para produção de leite, 15% para gordura, 15% para proteína e 40% para fertilidade (DPR). Por meio da genotipagem, que hoje é realizada em todos os animais, Resende diz que, ao analisar os 210 nascimentos deste ano em relação à sua base geral, eles já se revelaram 19,7% acima do plano.
Sobre a identificação de perdas, ele observa que um dos focos onde mais gasta é com a alimentação dos animais, cujos valores totalizaram, em julho, R$ 1,4 milhão, onde 1,4% sofreu com algum tipo de dano. Esse porcentual já foi maior, mas se reduziu com a adoção de sistemas mais confiáveis de pesagem, distribuição e controle. “Esse valor de 1,4% pode até parecer pequeno, mas significa quase R$ 20 mil por mês, valor suficiente para tentar minimizar isso, por exemplo, com um sistema mais preciso de carregamento com rosca-sem-fim”, avalia.
Outro aspecto que o pecuarista destaca nas perdas é o cuidado com a questão sanitária, evitando gastos com medicamentos, antibióticos, descarte de leite, queda na reprodução e na produção. Considerando problemas do pós-parto, ele indica que podem ocorrer quedas de 2 litros/dia de leite em se tratando de retenção de placenta, mastite, metrite e de 3 litros/dia com a cetose.
Resende conta que busca cada vez mais se tornar autossuficiente e sustentável: “Assim vamos nos perpetuar e continuar a crescer”, diz. No contexto, aponta os resultados excelentes que tem obtido com a adubação orgânica, reduzindo gastos com adubos químicos, melhorando as condições do solo e a produtividade. “Todo dejeto da fazenda é tratado e se torna adubo para plantio da alimentação dos animais”, explica.
Para esse trabalho com dejetos, conta com equipe terceirizada, pois, como gosta de falar, “cada macaco no seu galho”, numa alusão à divisão e especialização de tarefas.
Composto enriquecido e adubação orgânica – O que antes era um problema acabou virando um novo negócio para a Fazenda Três Barras, em Orizona (GO), que tem produção diária de 8 mil litros de leite, com 220 vacas em lactação em sistema de compost barn.
“A propriedade gera 10,8 toneladas/dia de dejetos, já separados da parte líquida, que direciono para a fertirrigação, e não sabia o que fazer com isso”, lembra Vinícius Correia, que desde 2016 passou a gerir a atividade leiteira da família ao lado dos irmãos, que também se dedicam ao cultivo de grãos.
Em sua apresentação, admitiu que, no começo, não se sentiu atraído pela ideia da adubação orgânica com composto, mas isso mudou depois que começou a trabalhar em 2019 com a técnica e a ver seus resultados. “Chamo de agricultura regenerativa, pois pegamos os dejetos e usamos na agricultura que alimentará os animais que defecarão e que retornará ao solo, fechando um ciclo”, explica. Mas o regenerativo também significa, como enfatiza, devolver matéria orgânica e vida ao solo.
Ele confirma que a cama do compost barn é um excelente material para a adubação, ao qual adiciona alguns minerais e bactérias que o enriquecem bastante, permitindo aplicar, por exemplo, 1 tonelada/hectare em vez de 3.
A cama é trocada a cada dois anos, quando tem esse material disponível, enquanto os dejetos sólidos, retirados da sala de ordenha, curral de espera e outros, se acumulam todos os dias. No entanto, diz que é um material mais pobre, que foi lavado e tem muita unidade.
Além desse material orgânico, ele explica que utiliza, para montar as leiras de composto, todo tipo de resto de cultura que tenha disponível, como capim, cama de frango, serragem, silagem velha, etc. A depender da necessidade do solo, o composto é personalizado com a adição de pó de rocha, fosfato, potássio e outros. Também diz que é fundamental adicionar bactérias que irão ajudar na degradação do material e na disponibilização dos nutrientes para as plantas.
De tempos em tempos, as leiras são revolvidas controlando-se a umidade, que deve estar entre 20% e 30%, enquanto a temperatura não pode exceder 65oC.
O produtor estima que esteja ganhando a mais por litro de leite entre R$ 0,10 e R$ 0,15, considerando economia de adubo químico e maior produtividade da lavoura.
Acreditando no potencial da técnica, Correia criou em 2020 uma empresa de fertilizantes orgânicos, em parceria com uma empresa que presta consultoria na área. Assim, além de produzir adubo orgânico mineral para sua fazenda e para terceiros, aluga e presta serviços com seu maquinário para produtores que desejam iniciar o trabalho, ainda mais hoje com os preços elevados da adubação convencional.
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