Antes de destacar os excelentes resultados obtidos pelos proprietários das Fazendas Três Meninas e Santa Vitória, localizadas nos municípios de Monte Alegre e Uberlândia (MG), convém destacar que, antes da decisão de implementação desse projeto, tudo foi detalhadamente planejado, contando com a orientação do professor, pesquisador e consultor Adilson de Paula Almeida Aguiar, especializado na área de produção animal a pasto.
Aguiar conta detalhadamente como a família Soave transformou a fazenda, em pouco tempo de atividade, em um exemplo de produção de leite a pasto, com base no sistema neozelandês: “Comecei a orientar o projeto da família Soave no fim de 2011, quando as fazendas ainda não tinham sido compradas. Estão envolvidos e comprometidos com o projeto o proprietário das fazendas, Carlos Soave, e seus dois filhos, Marcelo e Ricardo Soave, graduados em Agronomia pela Esalq/USP, de Piracicaba (SP), com experiência nas atividades de pecuária de corte, suinocultura e indústria de nutrição animal. Em março de 2012 ficou decidido que o projeto seria de produção de leite em pasto.”
Segundo ele, entretanto, essa decisão não foi tomada por uma preferência pessoal, mas sim com base em uma avaliação de viabilidade técnica e econômica comparativa entre um sistema de produção de leite em pasto e um sistema de produção de leite em confinamento. Essa avaliação foi feita com base em parâmetros de mercado de cinco Estados.
“Uma vez decidido pelo sistema a pasto, foi escolhido o modelo neozelandês, dado o meu conhecimento desse sistema desde 1994 (estudo à distância), 1998 (idas à Nova Zelândia em 1998, 2000, 2007 e 2013) e consultoria no projeto da Fazenda Leite Verde, da marca Leitíssimo, localizada no município de Jaborandi, sudoeste da Bahia, desde 2002. Além de ser um sistema a pasto, teria que ser em pastagens irrigadas, para que as vacas em lactação fossem alimentadas por todo o ano com forragem colhida pelos próprios animais sob pastejo”, explica o consultor.
A partir de tal decisão, os produtores e o professor começaram a procurar áreas que reunissem as características necessárias para compra e instalação do projeto. Em 2013 foram compradas as Fazendas Três Meninas, localizada no município de Monte Alegre de Minas, e a Santa Vitória, localizada no município de Uberlândia.
ESTRUTURAÇÃO DAS PASTAGENS: ESCOLHA DA FORRAGEIRA E PREPARO CORRETO DO SOLO
Como o sistema da família Soave é a pasto, o primeiro passo foi escolher a espécie forrageira para o estabelecimento das pastagens na Fazenda Santa Vitória. A decisão recaiu sobre o capim tifton 85 porque, em trabalhos de campo, em fazendas comerciais (desde 1994) e de pesquisa (desde 1998), que o professor Aguiar conduziu e acompanhou, essa forrageira foi a menos estacional, ou seja, a que distribui mais uniformemente a produção de forragem ao longo das estações do ano, principalmente em sistemas de pastagens irrigadas.
As pastagens são irrigadas por três pivôs centrais e, no projeto final, serão seis. O manejo de irrigação é orientado pelas medidas diárias do balanço hídrico com uso de software específico. O manejo do pastoreio é conduzido com o método de lotação rotacionada com pastoreio em faixas, e uso de cercas elétricas móveis. Para o ajuste da taxa de lotação à capacidade de suporte da pastagem, da suplementação concentrada (ração), e das doses de adubação, principalmente a nitrogenada, adotam-se as técnicas indireta (medida da altura do pasto com o uso do prato medidor ascendente) e direta (corte, pesagem e secagem de amostras de forragem). Esse monitoramento é diário.
Já o manejo e controle de plantas invasoras e de insetos e pragas (principalmente cigarrinhas que atacam pastagens e as lagartas) é sistemático, por meio de monitoramento diário. O controle de plantas invasoras se dá principalmente pelo correto manejo da pastagem, dando a esta condições de competir, e, no controle, adotam-se os métodos mecânico e químico (com uso de herbicidas registrados para pastagens). O manejo de insetos pragas se dá pelo manejo integrado de pragas (MIP), associando os manejos preventivo e cultural, e os métodos de controle mecânico, biológico (com uso de fungos) e químico (com uso de inseticidas).
“O programa de correção (calcário, gesso) e adubação (fosfatada, nitrogenada, potássica, sulfatada, com micronutrientes) é baseado em análises de solo das camadas de 0 a 20 e de 20 a 40 cm de profundidade, feitas anualmente, e a meta de taxa de lotação é calculada de acordo com a evolução anual do rebanho. A correção com calcário e gesso, quando necessária, é feita uma vez por ano. Já as adubações fosfatada e sulfatada são feitas uma vez por ano, no fim do verão/início do outono; a adubação potássica é parcelada após os pastejos nas estações de outono/inverno, e a adubação nitrogenada é feita mensalmente ao longo do ano, após os pastejos, variando a dose de acordo com a taxa de lotação e a resposta da pastagem ao nitrogênio, a qual varia ao longo das estações do ano”, explica Aguiar.
Segundo ele, tais fundamentos também são adotados no manejo das pastagens da Fazenda Três Meninas, sendo que, lá, a espécie forrageira é o capim marandu, que já estava estabelecido quando da compra da fazenda. O sistema é de sequeiro e a adubação é feita com dejeto líquido de suínos. E a categoria animal é a de fêmeas nas fases de cria e recria, que são alimentadas com forragem da pastagem colhida pelos próprios animais e suplementadas com suplementos múltiplos proteico/energético nos níveis de até 0,5% do peso corporal, e com concentrados em níveis acima de 0,5% do peso corporal (categorias mais jovens, após o desaleitamento). Esses animais são inseminados nessa propriedade e depois levados para a Fazenda Santa Vitória, quando estiverem próximos do parto.
Em 2014, antes de iniciar o projeto, foi refeita a avaliação de viabilidade técnica e econômica comparativa entre sistemas em pasto e em confinamento, e, mais uma vez, o sistema em pasto seria o mais rentável. Na Fazenda Três Meninas, as pastagens já estavam estabelecidas com o capim marandu (ou braquiarão) e havia também engorda de frangos e suínos em sistema de integração. Atualmente só tem a engorda de suínos, com 7.700 animais alojados. Ficou decidido, lá em 2014, que nessa fazenda seria conduzida a cria e a recria das fêmeas da raça Jersey para a expansão do rebanho.
Na Fazenda Santa Vitória, de acordo com Aguiar, não havia nada do que tem lá atualmente. Tudo foi construído do zero. Desde o início ficou decidido que, na Santa Vitória, a atividade seria de produção de leite. Adotou-se como base do projeto a produção de sólidos do leite com a máxima eficiência técnica e econômica.
SISTEMA DE PRODUÇÃO ADEQUADO À LÓGICA DE MERCADO
“A indústria de laticínios bonifica pelo teor de sólidos do leite porque mundialmente mais de 80% do leite comprado é destinado para a produção de derivados. No Brasil passa de 70% do leite comprado pela indústria. Quanto maior é o teor de sólido, maior é o rendimento industrial. Por exemplo, um aumento de 0,5% no teor de proteína aumenta em 16% o rendimento industrial de queijo, enquanto um aumento de 0,5% no teor de gordura aumenta em 14% o rendimento industrial de manteiga. Maior teor de sólidos do leite ainda significa menores custos para transportar, estocar e industrializar o leite, e menor impacto ambiental”, destaca o consultor.
O bem-estar animal é prioridade, sendo o conforto térmico outra preocupação constante no projeto da família Soave. Animais em conforto térmico produzem leite com maior teor de sólido, além de apresentarem maior fertilidade e adoecerem menos, e, portanto, têm maior longevidade. No caso do teor de sólidos, este é mais alto nas estações de outono/inverno do que nas de primavera/verão, demonstrando o efeito do estresse calórico sobre os animais. Na Fazenda Santa Vitória, as vacas são resfriadas diariamente antes das ordenhas da manhã e da tarde, e pela manhã, quando param de pastejar.
Conforme Aguiar, a cadeia do leite da Nova Zelândia calcula todos os indicadores em sólidos do leite, sólidos/vaca/dia, sólidos/vaca/lactação, sólidos/vaca/ano, sólidos/hectare/ano, custos de transporte e industrialização de sólidos, mérito genético de vacas e touros para sólidos do leite. “No Brasil, apesar da crescente adoção de bonificação por sólidos pela indústria brasileira, já há mais de duas décadas a cadeia do leite nacional ainda não usa o indicador sólidos do leite como parâmetro de referência.”
A formação do rebanho Jersey – Com base na escolha do sistema neozelandês, os produtores decidiram pela exploração da raça Jersey para maximizar a produção e a produtividade de sólidos do leite. Na avaliação do consultor do projeto, geneticamente o indivíduo, por exemplo, uma vaca, é um conjunto de características qualitativas e quantitativas. As qualitativas são determinadas por um par ou poucos pares de genes, e sofrem pouquíssima influência do meio ambiente. Por exemplo, as características raciais. Já as características quantitativas são determinadas por vários pares de genes e são muito influenciadas pelo meio ambiente. Por exemplo, as características de produção.
“O animal (a vaca, por exemplo) e o que ele produz (leite, bezerros, etc.) dependem basicamente de três fatores: o genótipo do animal (a sua herança genética), mais o meio ambiente (onde ele foi criado e onde está sendo explorado), mais uma interação entre o seu genótipo e o meio ambiente. No estudo de melhoramento genético tem um parâmetro denominado herdabilidade, o qual mede o quanto das diferenças entre os animais avaliados são devidas ao genótipo. A herdabilidade é classificada como baixa, quando abaixo de 25%, média, quando entre 25% e 50% e alta, acima de 50%”, explica Aguiar.
Segundo ele, a diferença é devida ao meio ambiente (nutrição e alimentação, conforto térmico, doenças e parasitos). Diga-se de passagem que a maioria das características produtivas em rebanhos leiteiros é de baixa (menos de 10% para as características reprodutivas e a longevidade), a média herdabilidade (30% a 35% para a resistência à mastite, 20% a 40% para volume de leite). Entretanto, a característica “sólido do leite” tem herdabilidade média a alta, variando entre 40% e 70%, o que significa que o progresso genético para essa característica pode ser alto e rápido por meio da seleção.
“A raça Jersey, entre as raças leiteiras europeias, é reconhecida mundialmente como a raça produtora de leite com mais altos teores de sólidos, e já foi conhecida como ‘raça manteigueira’. Então, a sua escolha para o projeto da família Soave já foi um primeiro passo para a produção de leite com altos teores de sólidos”, destaca o especialista.
Mas conforme destaca o professor, o genótipo não é explicado apenas pela raça, tem influência da linhagem (as famílias, o touro) e principalmente do indivíduo. Então, assinala ele, é preciso selecionar as vacas e as linhagens por meio de escolha de touros e vacas com alto mérito genético para a característica sólidos do leite e selecionar por meio de controle leiteiro e análises de leite, entre outros. Tais procedimentos são adotados no projeto da família Soave com medições sistemáticas mensais. A escolha de touros conta com o suporte do médico veterinário Marco Antônio Pádua Carvalho, da MCA Gestão Pecuária, que também acompanha o projeto desde o início.
“Além da seleção para os sólidos do leite no projeto da família Soave, são selecionadas características fundamentais para qualquer sistema de produção de leite: animais com peso corporal médio (menor demanda de mantença é importante principalmente para um sistema em pasto), fertilidade, facilidade de parto, longevidade, CCS, velocidade de ordenha e temperamento, por exemplo. Em um programa de melhoramento genético para sistemas em pasto devem-se selecionar vacas que tenham facilidade em pastar (ela deve ser capaz de caminhar e pastar) para converter eficientemente o pasto em grandes quantidades de leite com alto teor de sólidos”, esclarece Aguiar.
Os resultados – Carlos Soave é o responsável pela gestão de indicadores e resultado econômico, com suporte da consultoria de Júlio Meirelles, da Mana Consultoria. Todos os envolvidos com a atividade (gerente, filhos, consultores) contribuem na elaboração do orçamento anual, da avaliação dos indicadores, das tomadas de decisão.
Apesar de ser um projeto relativamente recente, pois a primeira ordenha foi feita no dia 17/11/2015, quando a produção de leite diária foi de 676 litros, no quesito produção, o crescimento em cinco e seis anos foi de 12,1 vezes ou 1.107% (8.181 litros/dia), e 11 vezes ou 1.000% (7.361 litros/dia), considerando 2020 e 2021, respectivamente.
“Em 2021, os indicadores médios de qualidade do leite foram os seguintes: 4,36% de gordura, 3,76% de proteína, 13,65% de sólidos totais, 233 mil de CCS, 10 mil de CBT e NUL de 13 mg/dL. No dia da minha última visita, em junho, os valores atuais dos indicadores de qualidade do leite estavam em 4,55% de gordura, 3,79% de proteína, 13,7% de sólidos totais, 207 mil de CCS, 13 mil de CBT e NUL de 11,1 mg/dL”, calcula o mentor do projeto. Ele diz ainda que, há anos, a família Soave recebe bonificações máximas, tanto pelos altos teores de sólidos, como pelos baixos níveis de CCS e CBT e por não usar hormônios. Os produtores fornecem a matéria-prima para Nestlé, fábrica de Ituiutaba (MG).
Ainda com relação ao último ano, conforme o levantamento do professor Aguiar, os indicadores de produtividade foram os seguintes: 12,6 litros de leite produzidos/vaca/dia, vacas pesando em média 335 kg de peso corporal; produtividade de leite por funcionário de 2.430 litros de leite/dia. “A produtividade da terra explorada com vacas em lactação em sistema de pastagem irrigada foi de 25.336 litros de leite/ha/ano e a produtividade média da terra, considerando todas as categorias do rebanho e todos os sistemas de produção, foi de 7.321 litros de leite/ha/ano”, finaliza.
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