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Ao decidir pela produção de leite, a família Soave adotou como base do projeto a produção de sólidos com a máxima eficiência técnica e econômica

SÓLIDOS DO LEITE

Com animais em pastejo,

produtor obtém melhor resultado

Consultoria técnica orienta fazenda do Triângulo Mineiro na produção de leite com mais sólidos, em sistema neozelandês de produção em pastagem

Erick Henrique

Antes de destacar os excelentes resultados obtidos pelos proprietários das Fazendas Três Meninas e Santa Vitória, localizadas nos municípios de Monte Alegre e Uberlândia (MG), convém destacar que, antes da decisão de implementação desse projeto, tudo foi detalhadamente planejado, contando com a orientação do professor, pesquisador e consultor Adilson de Paula Almeida Aguiar, especializado na área de produção animal a pasto.

Aguiar conta detalhadamente como a família Soave transformou a fazenda, em pouco tempo de atividade, em um exemplo de produção de leite a pasto, com base no sistema neozelandês: “Comecei a orientar o projeto da família Soave no fim de 2011, quando as fazendas ainda não tinham sido compradas. Estão envolvidos e comprometidos com o projeto o proprietário das fazendas, Carlos Soave, e seus dois filhos, Marcelo e Ricardo Soave, graduados em Agronomia pela Esalq/USP, de Piracicaba (SP), com experiência nas atividades de pecuária de corte, suinocultura e indústria de nutrição animal. Em março de 2012 ficou decidido que o projeto seria de produção de leite em pasto.”

Segundo ele, entretanto, essa decisão não foi tomada por uma preferência pessoal, mas sim com base em uma avaliação de viabilidade técnica e econômica comparativa entre um sistema de produção de leite em pasto e um sistema de produção de leite em confinamento. Essa avaliação foi feita com base em parâmetros de mercado de cinco Estados.

Adilson P. A. Aguiar: “Com a escolha do modelo neozelandês, o sistema a pasto teria que ser em pastagens irrigadas, para que as vacas em lactação fossem alimentadas por todo o ano com forragem colhida pelos próprios animais”

“Uma vez decidido pelo sistema a pasto, foi escolhido o modelo neozelandês, dado o meu conhecimento desse sistema desde 1994 (estudo à distância), 1998 (idas à Nova Zelândia em 1998, 2000, 2007 e 2013) e consultoria no projeto da Fazenda Leite Verde, da marca Leitíssimo, localizada no município de Jaborandi, sudoeste da Bahia, desde 2002. Além de ser um sistema a pasto, teria que ser em pastagens irrigadas, para que as vacas em lactação fossem alimentadas por todo o ano com forragem colhida pelos próprios animais sob pastejo”, explica o consultor.

A partir de tal decisão, os produtores e o professor começaram a procurar áreas que reunissem as características necessárias para compra e instalação do projeto. Em 2013 foram compradas as Fazendas Três Meninas, localizada no município de Monte Alegre de Minas, e a Santa Vitória, localizada no município de Uberlândia.

 

ESTRUTURAÇÃO DAS PASTAGENS: ESCOLHA DA FORRAGEIRA E PREPARO CORRETO DO SOLO

Como o sistema da família Soave é a pasto, o primeiro passo foi escolher a espécie forrageira para o estabelecimento das pastagens na Fazenda Santa Vitória. A decisão recaiu sobre o capim tifton 85 porque, em trabalhos de campo, em fazendas comerciais (desde 1994) e de pesquisa (desde 1998), que o professor Aguiar conduziu e acompanhou, essa forrageira foi a menos estacional, ou seja, a que distribui mais uniformemente a produção de forragem ao longo das estações do ano, principalmente em sistemas de pastagens irrigadas.

As pastagens são irrigadas por três pivôs centrais e, no projeto final, serão seis. O manejo de irrigação é orientado pelas medidas diárias do balanço hídrico com uso de software específico. O manejo do pastoreio é conduzido com o método de lotação rotacionada com pastoreio em faixas, e uso de cercas elétricas móveis. Para o ajuste da taxa de lotação à capacidade de suporte da pastagem, da suplementação concentrada (ração), e das doses de adubação, principalmente a nitrogenada, adotam-se as técnicas indireta (medida da altura do pasto com o uso do prato medidor ascendente) e direta (corte, pesagem e secagem de amostras de forragem). Esse monitoramento é diário.

Já o manejo e controle de plantas invasoras e de insetos e pragas (principalmente cigarrinhas que atacam pastagens e as lagartas) é sistemático, por meio de monitoramento diário. O controle de plantas invasoras se dá principalmente pelo correto manejo da pastagem, dando a esta condições de competir, e, no controle, adotam-se os métodos mecânico e químico (com uso de herbicidas registrados para pastagens). O manejo de insetos pragas se dá pelo manejo integrado de pragas (MIP), associando os manejos preventivo e cultural, e os métodos de controle mecânico, biológico (com uso de fungos) e químico (com uso de inseticidas).

“O programa de correção (calcário, gesso) e adubação (fosfatada, nitrogenada, potássica, sulfatada, com micronutrientes) é baseado em análises de solo das camadas de 0 a 20 e de 20 a 40 cm de profundidade, feitas anualmente, e a meta de taxa de lotação é calculada de acordo com a evolução anual do rebanho. A correção com calcário e gesso, quando necessária, é feita uma vez por ano. Já as adubações fosfatada e sulfatada são feitas uma vez por ano, no fim do verão/início do outono; a adubação potássica é parcelada após os pastejos nas estações de outono/inverno, e a adubação nitrogenada é feita mensalmente ao longo do ano, após os pastejos, variando a dose de acordo com a taxa de lotação e a resposta da pastagem ao nitrogênio, a qual varia ao longo das estações do ano”, explica Aguiar.

Por ora, são três pivôs centrais (o projeto prevê a instalação de mais três). O manejo de irrigação é orientado pelas medidas diárias do balanço hídrico com uso de software específico

Segundo ele, tais fundamentos também são adotados no manejo das pastagens da Fazenda Três Meninas, sendo que, lá, a espécie forrageira é o capim marandu, que já estava estabelecido quando da compra da fazenda. O sistema é de sequeiro e a adubação é feita com dejeto líquido de suínos. E a categoria animal é a de fêmeas nas fases de cria e recria, que são alimentadas com forragem da pastagem colhida pelos próprios animais e suplementadas com suplementos múltiplos proteico/energético nos níveis de até 0,5% do peso corporal, e com concentrados em níveis acima de 0,5% do peso corporal (categorias mais jovens, após o desaleitamento). Esses animais são inseminados nessa propriedade e depois levados para a Fazenda Santa Vitória, quando estiverem próximos do parto.

Em 2014, antes de iniciar o projeto, foi refeita a avaliação de viabilidade técnica e econômica comparativa entre sistemas em pasto e em confinamento, e, mais uma vez, o sistema em pasto seria o mais rentável. Na Fazenda Três Meninas, as pastagens já estavam estabelecidas com o capim marandu (ou braquiarão) e havia também engorda de frangos e suínos em sistema de integração. Atualmente só tem a engorda de suínos, com 7.700 animais alojados. Ficou decidido, lá em 2014, que nessa fazenda seria conduzida a cria e a recria das fêmeas da raça Jersey para a expansão do rebanho.

As fêmeas nas fases de cria e recria são alimentadas com forragem da pastagem colhida pelos próprios animais e suplementadas com suplementos múltiplos proteico/energético

Na Fazenda Santa Vitória, de acordo com Aguiar, não havia nada do que tem lá atualmente. Tudo foi construído do zero. Desde o início ficou decidido que, na Santa Vitória, a atividade seria de produção de leite. Adotou-se como base do projeto a produção de sólidos do leite com a máxima eficiência técnica e econômica.

Equipe: Da esq. para a direita: Igor Ohara (veterinário); Marcelo Soave (proprietário); João Carlos (gerente); Tiago Vieira (manejador de pastagem); Mateus Vieira (veterinário) e Ricardo Soave (proprietário)

SISTEMA DE PRODUÇÃO ADEQUADO À LÓGICA DE MERCADO

“A indústria de laticínios bonifica pelo teor de sólidos do leite porque mundialmente mais de 80% do leite comprado é destinado para a produção de derivados. No Brasil passa de 70% do leite comprado pela indústria. Quanto maior é o teor de sólido, maior é o rendimento industrial. Por exemplo, um aumento de 0,5% no teor de proteína aumenta em 16% o rendimento industrial de queijo, enquanto um aumento de 0,5% no teor de gordura aumenta em 14% o rendimento industrial de manteiga. Maior teor de sólidos do leite ainda significa menores custos para transportar, estocar e industrializar o leite, e menor impacto ambiental”, destaca o consultor.

O bem-estar animal é prioridade, sendo o conforto térmico outra preocupação constante no projeto da família Soave. Animais em conforto térmico produzem leite com maior teor de sólido, além de apresentarem maior fertilidade e adoecerem menos, e, portanto, têm maior longevidade. No caso do teor de sólidos, este é mais alto nas estações de outono/inverno do que nas de primavera/verão, demonstrando o efeito do estresse calórico sobre os animais. Na Fazenda Santa Vitória, as vacas são resfriadas diariamente antes das ordenhas da manhã e da tarde, e pela manhã, quando param de pastejar.

Conforme Aguiar, a cadeia do leite da Nova Zelândia calcula todos os indicadores em sólidos do leite, sólidos/vaca/dia, sólidos/vaca/lactação, sólidos/vaca/ano, sólidos/hectare/ano, custos de transporte e industrialização de sólidos, mérito genético de vacas e touros para sólidos do leite. “No Brasil, apesar da crescente adoção de bonificação por sólidos pela indústria brasileira, já há mais de duas décadas a cadeia do leite nacional ainda não usa o indicador sólidos do leite como parâmetro de referência.”

Vacas resfriadas: A busca pelo conforto dos animais é uma constante para garantir a produtividade e a saúde dos animais

A formação do rebanho Jersey – Com base na escolha do sistema neozelandês, os produtores decidiram pela exploração da raça Jersey para maximizar a produção e a produtividade de sólidos do leite. Na avaliação do consultor do projeto, geneticamente o indivíduo, por exemplo, uma vaca, é um conjunto de características qualitativas e quantitativas. As qualitativas são determinadas por um par ou poucos pares de genes, e sofrem pouquíssima influência do meio ambiente. Por exemplo, as características raciais. Já as características quantitativas são determinadas por vários pares de genes e são muito influenciadas pelo meio ambiente. Por exemplo, as características de produção.

“O animal (a vaca, por exemplo) e o que ele produz (leite, bezerros, etc.) dependem basicamente de três fatores: o genótipo do animal (a sua herança genética), mais o meio ambiente (onde ele foi criado e onde está sendo explorado), mais uma interação entre o seu genótipo e o meio ambiente. No estudo de melhoramento genético tem um parâmetro denominado herdabilidade, o qual mede o quanto das diferenças entre os animais avaliados são devidas ao genótipo. A herdabilidade é classificada como baixa, quando abaixo de 25%, média, quando entre 25% e 50% e alta, acima de 50%”, explica Aguiar.

Segundo ele, a diferença é devida ao meio ambiente (nutrição e alimentação, conforto térmico, doenças e parasitos). Diga-se de passagem que a maioria das características produtivas em rebanhos leiteiros é de baixa (menos de 10% para as características reprodutivas e a longevidade), a média herdabilidade (30% a 35% para a resistência à mastite, 20% a 40% para volume de leite). Entretanto, a característica “sólido do leite” tem herdabilidade média a alta, variando entre 40% e 70%, o que significa que o progresso genético para essa característica pode ser alto e rápido por meio da seleção.

“A raça Jersey, entre as raças leiteiras europeias, é reconhecida mundialmente como a raça produtora de leite com mais altos teores de sólidos, e já foi conhecida como ‘raça manteigueira’. Então, a sua escolha para o projeto da família Soave já foi um primeiro passo para a produção de leite com altos teores de sólidos”, destaca o especialista.

Mas conforme destaca o professor, o genótipo não é explicado apenas pela raça, tem influência da linhagem (as famílias, o touro) e principalmente do indivíduo. Então, assinala ele, é preciso selecionar as vacas e as linhagens por meio de escolha de touros e vacas com alto mérito genético para a característica sólidos do leite e selecionar por meio de controle leiteiro e análises de leite, entre outros. Tais procedimentos são adotados no projeto da família Soave com medições sistemáticas mensais. A escolha de touros conta com o suporte do médico veterinário Marco Antônio Pádua Carvalho, da MCA Gestão Pecuária, que também acompanha o projeto desde o início.

Na formação do rebanho Jersey, de alto padrão genético, os cuidados na criação das bezerras são rigorosos

“Além da seleção para os sólidos do leite no projeto da família Soave, são selecionadas características fundamentais para qualquer sistema de produção de leite: animais com peso corporal médio (menor demanda de mantença é importante principalmente para um sistema em pasto), fertilidade, facilidade de parto, longevidade, CCS, velocidade de ordenha e temperamento, por exemplo. Em um programa de melhoramento genético para sistemas em pasto devem-se selecionar vacas que tenham facilidade em pastar (ela deve ser capaz de caminhar e pastar) para converter eficientemente o pasto em grandes quantidades de leite com alto teor de sólidos”, esclarece Aguiar.


Os resultados –
Carlos Soave é o responsável pela gestão de indicadores e resultado econômico, com suporte da consultoria de Júlio Meirelles, da Mana Consultoria. Todos os envolvidos com a atividade (gerente, filhos, consultores) contribuem na elaboração do orçamento anual, da avaliação dos indicadores, das tomadas de decisão.

Apesar de ser um projeto relativamente recente, pois a primeira ordenha foi feita no dia 17/11/2015, quando a produção de leite diária foi de 676 litros, no quesito produção, o crescimento em cinco e seis anos foi de 12,1 vezes ou 1.107% (8.181 litros/dia), e 11 vezes ou 1.000% (7.361 litros/dia), considerando 2020 e 2021, respectivamente.

“Em 2021, os indicadores médios de qualidade do leite foram os seguintes: 4,36% de gordura, 3,76% de proteína, 13,65% de sólidos totais, 233 mil de CCS, 10 mil de CBT e NUL de 13 mg/dL. No dia da minha última visita, em junho, os valores atuais dos indicadores de qualidade do leite estavam em 4,55% de gordura, 3,79% de proteína, 13,7% de sólidos totais, 207 mil de CCS, 13 mil de CBT e NUL de 11,1 mg/dL”, calcula o mentor do projeto. Ele diz ainda que, há anos, a família Soave recebe bonificações máximas, tanto pelos altos teores de sólidos, como pelos baixos níveis de CCS e CBT e por não usar hormônios. Os produtores fornecem a matéria-prima para Nestlé, fábrica de Ituiutaba (MG).

Ainda com relação ao último ano, conforme o levantamento do professor Aguiar, os indicadores de produtividade foram os seguintes: 12,6 litros de leite produzidos/vaca/dia, vacas pesando em média 335 kg de peso corporal; produtividade de leite por funcionário de 2.430 litros de leite/dia. “A produtividade da terra explorada com vacas em lactação em sistema de pastagem irrigada foi de 25.336 litros de leite/ha/ano e a produtividade média da terra, considerando todas as categorias do rebanho e todos os sistemas de produção, foi de 7.321 litros de leite/ha/ano”, finaliza.

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