O Laticínio Pérola da Serra, especializado em lácteos de leite de búfalas, localizado em Itanhandu, no sul de Minas, é um negócio familiar que desafiou a lógica e a tradição de uma das mais importantes bacias leiteiras e berço do gado Holandês no Estado. Ele faz parte das atividades produtivas do Sítio São Francisco, a única propriedade num raio de 100 km à sua volta, a se “aventurar” na criação de búfalas para a produção de leite e fabricação de muçarela e, hoje, diversos tipos de queijos.
Sua trajetória é marcada pela surpresa de muitos e a descrença de alguns, que não acreditavam na sua viabilidade, mas a persistência e a determinação da equipe encabeçada pelo médico veterinário Carlos Alberto Pinto Cunha, proprietário do sítio, fizeram o negócio prosperar e ter ótimas perspectivas no mercado de lácteos com a sua marca.
O time completo inclui também sua esposa, Adriana Carvalho Pinto Cunha, os filhos Pedro e Rafael (ambos médicos veterinários) e uma equipe de 12 dedicados funcionários. A união da família é, segundo ele, um dos pontos mais fortes, que alavanca o negócio.
A primeira surpresa foi a decisão pela criação de búfalas, após várias gerações da família dedicadas às vacas da raça Holandesa, gozando de grande prestígio entre os criadores, pois o bisavô de Carlos Alberto Cunha, Batista Scarpa, foi um dos pioneiros no Brasil na importação das primeiras matrizes da raça, num tempo em que a fazenda era tão grande, que chegou a ter mais de 50 famílias trabalhando em suas terras.
“Cresci nesse meio, me formei em medicina veterinária e sempre mexi com vacas de leite, tanto de produção própria como na assistência a outros produtores”, afirma o produtor, que já teve clínica veterinária e prestou serviços de assistência técnica por anos a cooperativas e laticínios.
A mudança começou em 2014, quando do retorno à atividade, depois de ter liquidado o rebanho e ido morar por um tempo no Rio Grande do Sul.
Na volta, Carlos Alberto Cunha propôs à família “algo diferente” e, juntos, foram conhecer a criação de búfalas de um amigo. Voltaram encantados e decididos a iniciar um novo negócio. “Foi paixão à primeira vista, mas quando vieram as primeiras búfalas fomos chamados de loucos e começamos nossa peregrinação”, conta.
Ele lembra que uma das características ancestrais das búfalas originalmente é a parição de todas numa só época, que era uma forma de melhor proteger as crias dos ataques dos animais selvagens. “Isso na natureza é lindo, mas quem precisa do seu produto o ano todo não quer saber dessas coisas.”
Como no Brasil, segundo Carlos Alberto Cunha, 90% das búfalas ficam secas no fim do ano, foi preciso fazer um trabalho para quebrar esse ciclo e programar os partos de forma escalonada, para garantir produção de leite o ano todo.
Dificuldades – Quando as búfalas deram as primeiras crias, a família, que se achava preparada para produzir o queijo, deparou-se com uma situação muito diferente do que imaginava quanto às semelhanças com a receita tradicional com leite de vaca.
Uma das primeiras dificuldades foi conseguir o ponto certo para “esticar” e moldar a massa. Várias tentativas foram feitas, inclusive com a ajuda de amigos queijeiros, mas pelo menos quatro meses de produção foram perdidos. “Ficamos desesperados e eu costumo sempre contar que tinha um cachorro aqui que ficou pesando uns 100 quilos de tanto comer queijo que não dava certo”, brinca Carlos Alberto Cunha.
A solução veio no início de 2015, por meio de um curso ministrado pelo mestre queijeiro italiano Ângelo Citro, criador de búfalas na província de Salerno e autor do livro “Mozzarella de Búfala (e outros queijos)”, numa de suas vindas ao Brasil, a convite da Associação Brasileira de Criadores de Búfalo (ABCB). Depois de uma imersão no universo e segredos de um bom “queijo mozzarella”, o filho, Pedro Carvalho Cunha, hoje o responsável pela gestão do laticínio, voltou afinado. Em uma semana ele conseguiu fazer todas as receitas que aprendeu.
Posteriormente, voltou a fazer outros cursos com o mesmo mestre queijeiro, mas também levou alguns consultores para a fazenda a fim de conhecer e opinar sobre o que vinha sendo feito e contribuir para o aperfeiçoamento do processo. “A gente vem evoluindo, mas ainda assim apanhamos muito”, resume Pedro. As búfalas, diz ele, têm muitas especificidades e trabalhar com elas é sempre um desafio.
Mas o padrão alcançado com o tempo é inquestionável e isso, segundo Pedro, consumidor contumaz do seu próprio produto, pode ser aferido a partir de quatro critérios simples: pelo seu próprio paladar, pela ótima aceitação, pelo retorno positivo dos clientes e pelas premiações conseguidas em várias competições. “Isso demonstra que estamos no caminho certo e significa o reconhecimento do trabalho do dia a dia de toda a equipe”, afirma.
Aliás, é essa sincronia que garante qualidade ao fim do fluxo de produção, que começa pela boa saúde dos animais e por uma boa alimentação – que exige bons pastos –, passa pela ordenha em ambiente tranquilo e limpo para não causar estresse ou contaminação e finaliza com a fabricação do queijo.
O pai, por sua vez, completa o raciocínio ressaltando que o trabalho conjunto e a qualidade do leite são fatores primordiais para se obter um bom queijo. “Ninguém no mundo ainda conseguiu fazer um queijo bom com um leite ruim e nenhum laticínio consegue melhorar o leite, só preservar ou piorar.”
Os cuidados incluem também análises periódicas do leite, sempre em busca dessa qualidade, pois o lucro, segundo ele, é apenas uma consequência das coisas bem feitas. “Costumo dizer que a gente não vende queijo, mas vende felicidade. Por isso, temos de ter uma cadeia de felicidade, na qual todos estejam felizes. A venda só termina quando o cliente come o queijo e se sente bem e feliz com ele”, afirma Carlos Alberto Cunha.
Construção do laticínio – Ter o próprio laticínio era uma das etapas previstas no negócio, até porque, caso contrário, não haveria para quem vender a produção na região. “A gente precisava agregar valor ao produto final, pois caso fosse só para vender o leite teríamos ficado com as vacas. Daí que decidimos fazer nosso próprio queijo”, afirma Pedro.
O início foi improvisado, mas com o aumento da produção e do consumo e com as búfalas se multiplicando e obtendo bons índices de produção, a construção de uma estrutura adequada tornou-se inadiável.
Segundo Pedro, o laticínio foi construído com capacidade para processar 1.500 litros/dia, mas por enquanto são processados praticamente a metade disso, o que resulta numa produção de cerca de 100 quilos/dia de muçarela e outros queijos.
Como já foi mencionado, cada etapa do sítio e do laticínio foi se tornando um novo aprendizado, fato que se repetiu na hora da comercialização e prospecção de clientes e mercado. “Havia na região um preconceito em relação ao queijo de búfala. Não era da nossa cultura consumi-lo e os que chegavam aqui vinham de longe e nem sempre eram confiáveis, pois eram feitos com leite de vaca misturado.”
Pedro explica que, por enquanto, o mercado é restrito à região que integra o Consórcio Intermunicipal da Microrregião do Circuito das Águas (Cimag), que reúne os Serviços Municipais de Inspeção Municipal (SIM) de 24 municípios, incluindo as cidades turísticas. A meta, no entanto, é ter o Selo Arte para chegar a mercados maiores como Rio de Janeiro e São Paulo.
Os consumidores, segundo ele, procuram por um queijo artesanal, que “tenha uma história” e não apenas por um queijo industrializado, como os produzidos em grandes laticínios. Por isso, a propriedade incentiva as visitas do público e acolhe quem quer conhecer a história do produto que consome ou que vai consumir. “Isso tem dado muito certo, quebrado muito o preconceito e hoje já temos um bom consumo dos nossos produtos aqui na região”, relata.
O carro-chefe do mix de produtos que leva a marca “Pérola da Serra” é a burrata que já conquistou o gosto dos consumidores brasileiros, como uma opção de entrada nos cardápios dos melhores restaurantes do País, orgulha-se Pedro. “O bolinha – que já ganhou vários prêmios – e a barrinha de meio quilo também são queijos que vendemos muito”, afirma.
Além da muçarela, o laticínio tem opções como o meia-cura e o parmesão de búfala maturado por um período de seis meses a um ano, vencedor de vários concursos nacionais, os mais recentes em Araxá, São Paulo e Ilha do Marajó. “Esse é um jeito também da gente estocar a produção e agregar valor à linha de queijos”, afirma o produtor, que batizou o parmesão com o nome de “Pedra da Mina”, inspirado pela sua boa aceitação e volume de vendas.
Qualidade do leite – É fato que a búfala produz menos leite que a vaca, registrando médias que chegam a 10 litros por dia – caso do rebanho do Sítio São Francisco, hoje com 60 búfalas em lactação –, mas leva a vantagem de ter uma composição mais rica, que supera os índices do leite de vaca.
São 58% a mais de cálcio, 47% fósforo, 13% de proteína e 33% a menos de colesterol. “Para os portadores de doenças como a osteoporose, esse indicador de cálcio é muito importante. Já tem muitos médicos e nutricionistas aqui da região indicando o nosso produto”, diz.
Pedro ressalta que são excelentes os índices de qualidade do leite da fazenda, explicando que isso se deve muito ao conjunto de práticas e ao esforço da equipe em cumprir os protocolos definidos para esse fim, inclusive para manter controladas doenças como a mastite, por exemplo.
“Um erro no Brasil é tratar a búfala simplesmente como um animal rústico, porque ela sempre responde bem a um bom manejo. Não é porque é um animal rústico que ela come qualquer coisa e pode ser deixada em um ambiente ruim. Quando recebe boa alimentação e fica num ambiente com boa pastagem, área de sombra, bebedouro com água fresca e limpa e comida à vontade, ela corresponde com a redução da incidência de mastite e qualidade do leite, entre outras vantagens”, resume.
A preocupação e adoção de práticas de sustentabilidade e bem-estar animal visam à certificação do sítio, como mais um fator valorização dos seus produtos, mas também passa ser uma informação a ser levada aos consumidores para que conheçam os procedimentos e a forma sustentável como o leite é produzido, conforme ressalta Carlos Alberto Cunha.
“A gente mexe com uma espécie de animal que dá muito prazer, porque interage com a gente e tudo que fizermos por eles nessa questão do bem-estar vai trazer resultados extraordinários na produção. Temos búfalas com mais de 20 litros/dia, o que a gente nunca imaginou ser possível”, diz ele.
Isso também é resultado de cuidados como a correção de solo, boa alimentação, boas condições de sombra e manejo correto, com bom tratamento aos animais, sem agressões e num ambiente tranquilo na hora da ordenha para que possam exteriorizar todo o seu potencial genético e produtivo. Por isso, o laticínio só utiliza leite da sua própria produção e não de terceiros para garantir a procedência e qualidade do produto.
Turismo rural – Um segmento que vem se fortalecendo no sítio é o turismo rural, que já representa cerca de 20% na composição da receita da propriedade. Além da venda direta, isso também ajuda a divulgar a marca e os produtos. “Tudo começou com a curiosidade das pessoas aqui da própria região, que queriam vir conhecer as búfalas. Resolvemos então abrir o sítio para visitação pensando mais uma vez em agregar valor na venda do queijo.”
Nos fins de semana e feriados, os visitantes, muitas vezes em grupos que vêm de ônibus, são recebidos com degustação dos produtos e podem fazer um tour pela fazenda para tomar contato com os animais, tirar fotos e até montar e andar num deles, comprovando assim a sua docilidade e quebrando o tabu de que o búfalo é um animal selvagem e arredio.
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