balde branco

Depois de muitas tentativas e testes, o queijeiro chega ao produto de qualidade que buscava 

EMPREENDEDORISMO

A arte de produzir
QUEIJOS DIFERENCIADOS

Arte e paixão estão na base do trabalho de um jovem mineiro em sua busca para produzir queijos artesanais de qualidade, com sabor, textura e aroma especiais João Antônio dos Santos, texto e fotos

 

João Antônio dos Santos, texto e fotos

João, Joãozinho, João Laura, como ele prefere, que tem por nome de batismo João Antônio Nogueira Filho, é um empreendedor muito bom de prosa. Bastou o repórter chegar à Fazenda Velha, no município de Passa Quatro, no sul de Minas Gerais, e já foi fisgado por seu sorriso franco e cortês de boas-vindas à Queijaria Santo Antônio. Em pouco tempo, entre uma degustação e outra, somos envolvidos por sua narrativa ao explicar a história e a paixão na raiz de seus apreciados queijos de massa dura curada e massa mole cremosa, com uma casca de fungos. Desfiando seu contar, João Laura busca lá nos fundões da memória da família o início de tudo, que data de 1703, quando seus ancestrais, oriundos de Portugal, chegaram a Pouso Alto (MG) trazendo junto umas reses de gado vacum, linhagem comum no Norte lusitano. Está aí o início da história familiar ligada ao leite, que João Laura enfatiza continuar, com seus queijos que conquistam paladares dos mais requintados apreciadores dessa iguaria gastronômica.

Trazendo a história para mais perto, ele conta como começou a nova fase de produção de queijos. Em 1964, seu avô adquiriu a Fazenda Velha, onde a família Nogueira está até hoje. “Meu avô produzia leite e fabricava queijos, comercializando-os na região. Tempos depois, sem condição de continuar sozinho, desistiu, e passou a se dedicar à lavoura e à produção de leite”, conta.

Bem mais tarde, com a fazenda já estabelecida, a família retomou a fabricação de queijos (parmesão, muçarela, provolone) apenas no período das águas, vendendo-os no mercado atacadista. Seu filho, João Antônio Nogueira, deu continuidade à prática por um bom tempo. Depois, acabou desistindo para focar no incremento de um sistema de alta produtividade leiteira, chegando, em 2006, a um volume diário de mais de 3 mil litros de leite. (Ops!, caro leitor, não se confunda com tantos Joões Antônios: o repórter; o João Antônio, pai de nosso entrevistado, João Antônio, o queijeiro). 

Na época de grande produção, o rebanho da Fazenda Velha era constituído por animais Girolandos 3/8, com alguns Holandeses puros. “Certos problemas na propriedade foram se acumulando até se transformarem em déficit, o que tornou inviável o sistema de alta produção. Então, meu pai decidiu desativar tudo e começou a cruzar as vacas com touros zebus, focando na recria para corte”, conta João Laura.  Desde então, em regime de pasto, vem mantendo uma produção bem menor, com vacas mestiças ordenhadas uma vez ao dia. 

A produção leiteira e de queijos vinha nessa toada até que, em 2012, o pai comunicou que pretendia encerrar a atividade. Como estava envolvido com a fabricação dos queijos e havia tomado gosto pelo trabalho, João Laura pediu ao pai uma chance para continuar com o rebanho e a linha do laticínio. Acreditava que poderia torná-la um negócio interessante.

Com sinal verde, partiu para diversificar os produtos. Além do parmesão, começou a produzir outros tipos, como trancinha, temperado e nozinho defumado, ou seja, os queijos “da moda”, apresentados numa embalagem mais moderna.  Essa linha de queijos de atacado, com valor agregado, melhorou a renda da fazenda na época. “Porém, continuava desinteressante para mim, apesar de ter elevado a renda. Era uma produção artesanal, mas utilizávamos o leite pasteurizado, fermentos e conservantes industriais, para ter maior tempo de validade no mercado. Teimei um ano e meio nesse negócio”, conta, lembrando que já vinha pensando em nova estratégia.

 

 

A única possibilidade de elevar o lucro, avaliou, seria aumentar o volume de leite para produzir mais queijos, pois a margem de comercialização era muito pequena. “Desisti logo nas primeiras avaliações, pois não seria viável. Além de tudo, não era o que eu desejava. Precisava agregar valor aos produtos, já que dispúnhamos de uma matéria-prima de qualidade e muito rica nutricionalmente, proveniente das vacas rústicas a pasto”, lembra o produtor. 

A virada no negócio se iniciou com a chegada de um novo funcionário, que trabalhara numa fazenda que produzia queijo tipo parmesão de ótima qualidade e muito apreciado pelos consumidores. “Ele me propôs produzir nosso queijo parmesão com leite cru e fermento-soro. Isso me abriu perspectivas na direção do daquilo que estava procurando. Começamos e pouco tempo depois encerrei a fabricação dos demais tipos de queijos”, relata, contando que passou a vender o parmesão artesanal fresco, na cidade mesmo, a um preço bem melhor do que conseguia anteriormente. 

A ideia de inovar com a produção de queijos artesanais se acentuou e, com os primeiros resultados, se expandiu para novas possibilidades à medida que João Laura aprofundava seus conhecimentos. Sua curiosidade aumentava, mais e mais queria aprender, o que se tornou uma paixão. “Acreditando no produto, resolvi pesquisar e escolhi algumas peças para curar por mais tempo e avaliar a qualidade. Era só para nosso consumo. Depois de seis meses, ao experimentá-lo, fiquei surpreso com a qualidade, a textura e o sabor do queijo”, destaca. Aí, teve a certeza de que estava no caminho certo para se aprofundar naquilo de que gostava e, ao mesmo tempo, teria um laticínio de alto valor agregado. Era só o começo de sua jornada de curiosidade, pesquisas, experimentos e inovação na arte de produzir queijos maturados.

Para degustação, os orgulhos do produtor: Grana dos Laura, Filão, Capoeira Grande, Afrodite, Serra Fina e Varjão Azul

O passo seguinte foi participar de um curso técnico sobre a produção de queijos em geral, em Juiz de Fora (MG). Aproveitou a chance e apresentou uma amostra de seu parmesão para o professor avaliar. Recebeu uma resposta tão positiva que lhe valeu um curso particular de queijo grana. 

Mãos à obra para criar – De volta à Fazenda Velha, pôs os ensinamentos em prática para fabricar o queijo grana. “Comecei a brincar de maturação, testando o processo de diversas maneiras, observando e avaliando cada resultado, durante cerca de dois anos e meio”, relata. 

Nesse meio tempo, construiu uma câmara climatizada para a maturação dos queijos (com placa de PVC, sanduíche de isopor de 10 cm num cômodo adaptado, com aparelho de ar condicionado). O piso é de brita, como um meio de retornar a umidade no ambiente, enquanto a temperatura se mantém entre 13 e 14oC. Todas as prateleiras são de madeira de sucupira e de jacarandá. A instalação propiciou melhores condições para a maturação, durante a qual, de tempo em tempo, ele ia testando a evolução da cura dos queijos. 

 

FOCO NA CRIAÇÃO DE QUEIJOS INOVADORES COMEÇA A DAR OUTRO RUMO AO EMPREENDIMENTO

incentivador de seu trabalho, Fernando Oliveira, define seu trabalho como a “revolução da queijeira artesanal”: “É a produção de queijos artesanais que respeita o ambiente e o bioma, a fauna nativa de bactérias, fungos, leveduras, de dentro e fora da sua casa, pois é um meio de ressuscitar nossa atividade”. Depois do grana, com maturação superior a seis meses, ele começou a elaborar um queijo meia cura especial. O primeiro teste, no qual utilizou fermento industrial, não lhe agradou em nada. Partiu para nova experiência, na qual deixou o material curar de fato, ou seja, estendendo a meia cura para uma cura completa. O resultado, lembra, agradou. Estava no caminho para chegar a algo especial. Mas ainda faltava “o pulo do gato”. 

Câmara climatizada, com prateleiras de sucupira e jacarandá e  piso de brita, ambiente natural para maturação

Então, passou a pesquisar um fermento que deixasse a massa com uma cremosidade diferenciada. Sua meta era chegar a um tipo de fermento-soro – uma cultura de lactobacilos nativos da flora do leite. “Os primeiros testes foram um fracasso. Mas não desisti, continuei pesquisando até que achei literatura sobre essa fermentação para produzir um iogurte cremoso. Finalmente, consegui produzir o meu fermento cremoso. Hoje, na queijaria utilizo leite cru, o fermento-soro para queijos de massa cozida, massa dura e o fermento cremoso nos queijos de massas não cozidas, não prensadas, na linha do brie.”

Alimento seguro – Quando João Laura começou a produzir queijos com leite cru, ele se informou a respeito da segurança do alimento no processo de fabricação artesanal. “Acatei para minha produção duas máximas de um especialista canadense em produção desses queijos: ‘higiene não é higienismo’ (é necessário um ambiente limpo, roupa e mãos limpas; enquanto higienismo seria sanitizar o ambiente, o que significa precisar de mais defesas para o produto, já que foram eliminadas as defesas naturais no ambiente, que seriam as bactérias e o mofos benéficos).

 A segunda é a qualidade e segurança do leite, baseada na sanidade do rebanho. Há muito tempo já não são utilizados medicamentos alopáticos para tratamento das doenças nem produtos químicos no controle de parasitas no rebanho, a não ser em caso extremo de alguma infecção. O criador utiliza homeopatia há mais de dez anos, com ótimos resultados. É esse rigor na sanidade do rebanho, juntamente com a rusticidade dos animais e a forragem de qualidade, que resultam numa matéria-prima que permite a produção de queijos de alta qualidade, maturados ou com fungos, com textura e flavor (interação do aroma e paladar) diferenciados e muito apreciados por especialistas que os têm degustado. 

As pesquisas para novos queijos é uma constante na Queijaria Santo Antônio, faz questão de frisar João Laura. Na linha de produção, se destacam os mais rústicos, maturados (acima de seis de meses), marcados por um flavor intenso, como o Filão (provolone), Grana dos Lauras (massa cozida e prensada), Capoeira Grande (aquele meia cura, com fermento cremoso e com maior tempo de maturação) e Gomeiral (massa cozida, prensada e com olhaduras). Também os da linha duplo creme de capa mofada, com massa cremosa e flavor delicado, mas intenso, como o Afrodite, o Serra Fina e o Varjão Azul. 

Ele tem feito testes e já conta com alguns produtos maturados com madeiras específicas ou defumados, ou ainda com infusão de madeira. “Antes de apresentar um produto novo, realizo muitos testes e degustações, até chegar ao ponto ideal”, frisa ele, acrescentando que uma de suas mais recentes criações é um queijo especial servido com geleia de manga, e já está no cardápio de um restaurante de cozinha autoral em São Paulo. 

Relíquias da família que retratam a história de seu ofício como produtora de queijos

Valor agregado – “É muito difícil conquistar esse nicho, extremamente exigente e profundo conhecedor de queijos. Quando apresentamos os produtos, eles querem referências sobre a origem, sobretudo quanto à segurança do alimento e à sanidade do rebanho”, comenta, assinalando que, até o queijeiro artesanal se estabelecer no mercado, é um caminho árduo e longo. 

Ele observa ainda que seu negócio tem melhorado não só do ponto de vista de satisfação pessoal, como também em relação à renda. Comparativamente ao que era antes dos queijos especiais: elevou cerca em cerca de 300% o equivalente/preço do leite. Para exemplificar, diz que, quando entrou no mercado com o Grana dos Laura, o Capoeira e o Filão, vendia-os por R$ 60,00 o quilo. Com o aprimoramento da produção, a melhoria da qualidade e o acabamento, consegue preços que variam entre R$ 70,00 e R$ 100,00 o quilo. “Por exemplo, nos queijos cremosos, obtenho um rendimento maior da matéria-prima e ainda vendo por um bom preço. A expectativa é que, firmando esses produtos no mercado, esses 300% de aumento na renda vão ficar para trás.”

Satisfação – Nesse viés empreendedor, João Laura não computa apenas o retorno financeiro. “Pesa muito, para minha satisfação, fazer tudo com paixão, estar aberto a novos conhecimentos, pesquisas de novos produtos e constante aprimoramento.” Ele faz questão de ressaltar que produzir queijos especiais é uma extensão da produção de leite, um degrau a mais em satisfação e orgulho do que faz. “Vem de muito longe a tradição de minha família na atividade. Posso dizer que isso está no meu DNA. Sou a oitava geração da família Ribeiro de Carvalho, cujos ancestrais, vindos de Portugal, chegaram à região há mais de três séculos, trazendo umas cabeças gado vacum. E com muito orgulho continuo essa tradição.”

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