balde branco

A cadeia como um todo (produtores, técnicos, entidades de classe, indústrias de insumos e laticínios/cooperativas) precisa olhar para as demandas que emergem da sociedade. A pressão para produzirmos mais alimentos, e de forma mais sustentável, vem aumentando, especialmente na pecuária

ENTREVISTA

LAERTE DAGHER CASSOLI

A combinação de pessoas e tecnologia é muito poderosa para

transformar a cadeia do leite

Nesta entrevista, Laerte Dagher Cassoli relata o avanço de algumas tecnologias, que lastreiam o conceito Leite 4.0. O profissional também conta a trajetória da OnFarm, vencedora, em 2018, do Ideas For Milk. Em contínuo processo de inovação para a cadeia do leite, a startup hoje faz parte do ecossistema Rúmina que une Ideagri, RúmiCash, RumiTank e Bovitech para oferecer ao mercado soluções tecnológicas diversas para otimizar a rotina do produtor de leite.

João Antônio dos Santos

Balde Branco – Laerte, antes de falarmos em tecnologia, conte um pouco de sua trajetória profissional no segmento do leite.

Laerte Dagher Cassoli – Desde os meus sete anos, vivo a pecuária de leite de forma intensa. Minha mãe, a “dona” Muntaha Dagher, foi uma grande produtora de leite, sendo referência no Brasil. Em uma propriedade de pouco mais de 10 hectares, ela mostrou que era possível produzir leite com alta produtividade (média por vaca acima de 40 kg/dia) e eficiência. Essa proximidade com a atividade influenciou minha trajetória profissional. Formei-me em Agronomia pela Esalq/USP em 2000, onde atuei por 16 anos junto à Clínica do Leite (RBQL) desde os seus primórdios, e, mais recentemente, na estruturação e criação da EsalqLab (laboratório de nutrição animal). Fiz ainda mestrado e doutorado na área de gestão e qualidade do leite, entre outros cursos de especialização. Em 2018, fui cofundador da OnFarm, e hoje sou CEO da Rúmina.

BB – Situe o contexto do surgimento da startup OnFarm, que foi uma das vencedoras do Ideias For Milk, e sua trajetória até hoje.

LDC – A primeira reunião entre os cofundadores para discutir a eventual possibilidade de levarmos ao mercado uma solução para o controle da mastite foi em abril de 2018. Em agosto do mesmo ano, fizemos o lançamento oficial da OnFarm para o mercado, durante o Interleite Brasil. Em dezembro, venceu o desafio de startups do Ideas For Milk, iniciativa encabeçada pela Embrapa para promover a inovação na cadeia do leite. Foram meses intensos de muito trabalho, mas com a convicção de que por meio da tecnologia poderíamos ajudar os produtores a resolverem problemas e dores relevantes do seu dia a dia. Começamos pela mastite e qualidade do leite. Criamos um sistema único e inovador que torna possível a identificação do agente causador da mastite em 24 horas na própria fazenda. Isso mudou totalmente a forma de enfrentar a mastite.

BB – O que esta tecnologia vem alcançado nesse curto espaço de tempo, sendo adotada em um grande número fazendas leiteiras, podemos dizer, é uma comprovação da importância de se estimularem projetos de inovação para o segmento do leite?

LDC – Sem dúvida. Hoje já são mais de 2 mil laboratórios instalados no Brasil (e iniciando operações na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e na Colômbia), que atendem a mais de 2.500 fazendas. Somente em 2021, evitamos o descarte de mais de 7 milhões de litros de leite, reduzindo o uso de antibióticos em 50% (mais de 200 mil doses de antibióticos intramamários deixaram de ser utilizados). A tecnologia de “cultura na fazenda” não é algo novo. Já vinha sendo utilizada em alguns países e no Brasil, mas ainda de forma pouco estruturada e por isso pouco escalável. O que fizemos foi adicionar uma camada de tecnologia para que de fato a ferramenta pudesse ser utilizada de forma massiva, de um jeito simples e prático. O produtor recebe o SmartLab (minilaboratório), o SmartKit (materiais para realização do teste, como frascos de coleta e luvas), a SmartColor (placa com meio de cultura para diagnóstico) e o OnFarmAPP (aplicativo para a gestão das informações), a partir da contratação do serviço por meio de uma mensalidade. O aplicativo é um dos diferenciais da ferramenta e que conta com o apoio da Rumi, a nossa inteligência artificial. A Rumi ajuda o produtor na realização do teste e diagnóstico do agente causador

BB – Detalhe um pouco mais como funciona essa tecnologia de “cultura na fazenda”

LDC – A partir da foto da SmartColor, a Rumi já indica se existe ou não um agente e, em caso positivo, qual. O algoritmo de diagnóstico automático de imagens foi treinado e validado por um time de especialistas, e leva em consideração as características de forma e cor das colônias bacterianas. Ele tem como objetivo auxiliar, padronizar e acelerar o processo de leitura de resultados com o OnFarmApp. Com isso, reduzimos o erro humano na leitura do resultado. Além disso, a Rumi, a partir de um banco de dados de mais de 400 mil diagnósticos de mastite, fornece informações para o apoio na tomada de decisão do tratamento. Ela exibe o “escore de chance de cura” do animal (baixo, médio e alto), e quais protocolos de tratamento teriam maior eficiência a partir dos dados reais da comunidade de produtores que utilizam OnFarm. Esse trabalho é um exemplo claro de como podemos aplicar tecnologia (biotecnologia, inteligência artificial e softwares) para de fato gerar valor para o dia a dia do produtor, para a indústria e para os consumidores finais. E essa tecnologia é utilizada por pequenos, médios e grandes produtores.

BB – Em sua visão, quais os principais gargalos que afetam o desenvolvimento da pecuária leiteira em seu potencial de produtividade, qualidade do leite e rentabilidade ao produtor?

LDC – Um negócio só prospera a partir do momento em que ele atende às necessidades dos seus clientes. Na pecuária leiteira isso não é diferente. A cadeia como um todo (produtores, técnicos, entidades de classe, indústrias de insumos e laticínios/cooperativas) precisa olhar para as demandas que emergem da sociedade. A pressão para produzirmos mais alimentos, e de forma mais sustentável, vem aumentando, especialmente na pecuária. Seremos cobrados, ainda mais, para aumentarmos a produtividade a partir dos mesmos recursos, garantindo a redução do impacto ambiental. Quando olhamos para dentro da porteira, fica evidente a necessidade de o produtor melhorar a gestão do seu negócio, para produzir de forma mais eficiente (quantidade, qualidade, custo). O discurso é fácil, mas o desafio é difícil, e antigo. Não podemos deixar de reconhecer que avançamos nessa jornada, mas precisamos acelerar ainda mais esse processo. Acreditamos que a tecnologia seja o grande catalisador e elemento de transformação da cadeia do leite capaz de promover a mudança em escala, que possa atender aos anseios dos consumidores e da sociedade. A combinação de pessoas e tecnologia é muito poderosa.

BB – Mirando nesses aspectos que você levantou, eles mostram que a OnFarm vem continuamente focando suas inovações e serviços para os produtores?

LDC – Exato. Usando o exemplo da mastite, até pouco tempo atrás, prevalecia a recomendação de tratar todos os casos de mastite clínica com antibióticos. Essa era a regra dentro da porteira. Fora, alguns estudos mostravam claramente a necessidade de usarmos os antibióticos de forma racional na produção animal, para mitigarmos o risco de resistência microbiana a antibióticos, não somente nos animais, mas principalmente na saúde humana. Acredita-se que em 2050 a resistência será uma das principais causas de mortalidade no mundo. É aqui que a tecnologia e inovação entram em ação para que o produtor possa enfrentar um dos principais desafios de qualquer fazenda (mastite), mas, ao mesmo tempo, atender às necessidades da sociedade por uma produção mais sustentável.

A tecnologia é o grande catalisador e elemento de transformação da cadeia do leite, capaz de promover a mudança, em escala, que possa atender aos anseios dos consumidores e da sociedade”

BB – Vocês acabam de lançar a Plataforma Rúmina, que ampliou expressivamente o leque de inovações para a fazenda leiteira. Quais os objetivos?

LDC – A Rúmina foi criada com o propósito de contribuir com a evolução das fazendas brasileiras. Nosso ecossistema engloba soluções tecnológicas de peso, como Ideagri, OnFarm, RúmiCash, RumiTank e Bovitech, e isso permite fornecer diferentes soluções para o campo, unindo diferentes setores da fazenda com um objetivo comum: uma pecuária mais competitiva, sustentável e lucrativa para o produtor. E essas soluções contribuem para a melhoria da eficiência produtiva de milhares de propriedades, acompanhando os principais indicadores financeiros e zootécnicos para produzir mais, com o mesmo rebanho e tamanho de propriedade.

BB – Explique mais como a expertise de cada parceiro traz, nesse pacote de tecnologias, benefícios para fazenda leiteira.

LDC – A tese de construção da Rúmina começou em 2019, quando o 10b Livestock (fundo de investimento da SK Tarpon) fez o seu primeiro investimento na OnFarm. Desde aquela época, já sabíamos da relevância de uma plataforma de soluções digitais que pudessem apoiar a cadeia produtiva em sua transformação. A partir de então identificamos as principais dores dos produtores e quais seriam as principais soluções existentes no mercado, ou que pudéssemos desenvolver. Na sequência, juntou-se a nós o Ideagri, software de gestão líder no mercado, com mais de 14 anos de história e que possui o maior benckmarking da pecuária leiteira, o IILB (Índice Ideagri do Leite Brasileiro). No índice, participam mais de 1.200 fazendas que recebem uma nota calculada a partir de 12 indicadores chaves. Os participantes podem se comparar entre fazendas com mesmo perfil racial e de região. Produtores que utilizam o Ideagri e participam do IILB são capazes de identificar as principais áreas de oportunidades na fazenda, que farão a diferença para melhorarem seu desempenho produtivo, financeiro e consequentemente se tornarem mais sustentáveis. Somente a OnFarm e o Ideagri atendem hoje a mais de 5.000 fazendas de leite.

BB – Fale sobre o acesso ao crédito e serviços financeiros.

LDC – Outra dor que predomina entre os produtores de leite é a falta de opções de acesso a crédito e serviços financeiros menos burocráticos. Pensando nisso, criamos a Rumicash, com o objetivo de oferecer serviços financeiros para os produtores de leite. Começamos com os produtos de crédito e de antecipação do pagamento do leite, em que os produtores fazem todo o processo de forma simples, pelo WhatsApp. Sem necessidade de garantias, o produtor pode ter o crédito liberado em até 24 horas, sem burocracias. Hoje, mais de 3.000 produtores fornecedores dos Laticínios Scala, Verde Campo, Vigor, UltraCheese e PJ já contam com essa importante ferramenta. O pagamento das parcelas do crédito é descontado diretamente na folha do leite para laticínios parceiros, e com taxas competitivas.

BB – Agora, comente sobre a importância do monitoramento em tempo real do tanque de expansão.

LDC – Outra empresa que passou a fazer parte da Rúmina foi a startup Volutech, de Viçosa (MG), vencedora do Ideas for Milk de 2019. Passamos a oferecer a RumiTank, que é uma solução para monitoramento em tempo real do tanque de expansão. A partir de um sensor instalado na tampa do tanque, os produtores e laticínios podem acompanhar, via celular, informações de volume, temperatura e identificar rapidamente possíveis falhas que possam comprometer a qualidade do leite armazenado na fazenda. Com esse tipo de monitoramento, deixamos de ter a visão de “retrovisor” e passamos a ter a visão de “para-brisa” e, assim, atuar antes que os problemas de fato aconteçam e comprometam o leite armazenado. A solução já está operando num grupo de 20 fazendas que participam do projeto piloto, mas já iniciamos a negociação com laticínios e cooperativas que estão em busca de um sistema mais robusto de rastreabilidade para todos os seus fornecedores.

BB – Como a grande maioria do setor leiteiro é formada por pequenos e médios produtores, estes têm acesso a essa tecnologia?

LDC – Excelente pergunta. Fazer tecnologia para os grandes produtores é relativamente fácil. A missão da Rúmina é apoiar qualquer produtor que queira ser o “produtor do futuro” (se profissionalizar) independentemente do tamanho. Atendemos hoje desde produtores com pouco mais de 20 vacas, até a maior fazenda da América Latina (Estancia del Lagos, no Uruguai) e a do Brasil (Fazenda Colorado).

BB – O caminho para ganhos em eficiência num sistema de produção leiteira é a profissionalização. Em que a Plataforma Rúmina contribui para isso?

LDC – O processo de profissionalização da pecuária de leite passa pela adoção de ferramentas que apoiem esse processo. Aqui entra a magia do encontro entre pessoas e tecnologia. Por exemplo, a melhoria da gestão de qualquer fazenda passa pela necessidade de se identificarem as áreas de oportunidades (por meio de indicadores/números) e, na sequência, qual ação de fato tomar (aqui, destaco a contribuição dos técnicos em apoiar essa jornada junto ao produtor).

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