balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Chefe-geral da Embrapa Gado de Leite

 O fato é que, em 12 meses, o preço ao produtor acumulou crescimento de cerca 40% e os custos com ração, de 57%, de acordo, respectivamente, com o Cepea/USP e a Embrapa Gado de Leite”

Prêmio Nobel para o Pelé do agro

Sete horas da manhã de 12 de março de 2020. Estou com o presidente da Embrapa, Celso Moretti, e com o presidente da Abraleite, Geraldo Borges, a caminho do Campo Experimental da Embrapa Gado de Leite, no município de Coronel Pacheco (MG). O dia promete ser longo e rico. Faremos importantes entregas tecnológicas à sociedade e mais de 600 convidados nos aguardam: produtores, técnicos, professores, pesquisadores, lideranças do setor.

Todavia, o que aqueles minutos do deslocamento nos revela são sinais de tensão trazidos pelas primeiras mensagens de whatsapp. A sensação é de que o Brasil acordou com o sentimento que está vindo algo diferente e grave. Um tsunami terrestre. Os noticiários informam que a Organização Mundial de Saúde afirma que estamos diante de uma pandemia mundial. Como assim?

Corta a cena! Todos temos histórias pessoais para contar sobre esses 12 meses vividos, que nos separam daquela manhã. Os primeiros, de uma trajetória ainda incerta, longe do fim. Afinal, nenhuma certeza há de que teremos normalidade quando a vacina chegar, dado o robusto risco de novas cepas. Então, levemos a prosa para outro lado. Vamos falar da crise do leite de agora.

Quem vive o mundo do leite, sendo produtor, industrial, técnico ou pesquisador, sabe que cada ano é único em termos de trajetória do setor, o que torna impossível fazer previsões de longo prazo. E nestes 12 meses havia mais elementos para confirmar esta máxima. Vejamos o comportamento da demanda. Nos primeiros dois meses, os consumidores, apreensivos, aumentaram a demanda por leite fluido, e os preços dispararam. Já os produtos com maior valor agregado e os que eram consumidos em restaurantes e hotéis tiveram queda abrupta na demanda, com inevitável consequência nos preços. Mas, a partir de maio, a demanda por lácteos entrou num oceano azul e isso se refletiu nos preços pagos aos produtores, que cresceram. Para melhorar, o dólar com cotação elevada criou uma proteção natural contra as importações.

Mas esse quadro não se manteve durante todo o período. A demanda veio caindo na medida em que reduziu o isolamento da população, porque caiu o consumo indulgente, ou seja, o consumo de guloseimas do leite, como queijos, doce de leite, manteiga e leite condensado, itens que haviam registrado crescimento de demanda durante a pandemia, e que foram consumidos em parte como mecanismo compensatório pela angústia da reclusão do “fique em casa”. Pelo lado da oferta, a produção cresceu, mas não a ponto de compensar o crescimento da demanda. O resultado? Preços elevados do varejo ao produtor, beneficiando todos os elos da cadeia produtiva.

Mas a virada do ano trouxe dois fenômenos conjugados e previsíveis. Por um lado, a demanda caiu, com a queda do isolamento e do consumo indulgente, e pela redução da renda das famílias, com o fim da ajuda emergencial, que injetou R$ 300 bilhões na economia em 2020. Já a oferta cresceu, pelo início das chuvas, e pelas importações, já que o preço ao produtor passou de US$ 0,35 o litro, tornando as importações muito competitivas.

Com a demanda em queda e a oferta em crescimento, os preços apresentaram viés de baixa. E, para complicar, os custos cresceram muito e continuamente, mês a mês, motivados principalmente pela alimentação dos animais, o item de maior peso na produção. Isso afetou sobremaneira e de modo desfavorável as margens dos produtores. O fato é que, em 12 meses, o preço ao produtor acumulou crescimento de cerca de 40% e os custos com ração, de 57%, de acordo, respectivamente, com o Cepea/USP e a Embrapa Gado de Leite.

Nessas horas de crise, vozes sempre pedem intervenção do governo. Muitos gostariam que o governo tabelasse o preço. Mas a história do setor mostra que o tabelamento adotado até abril de 1990 foi contra os interesses dos produtores, retirando renda do setor e repassando para os consumidores. E não houve redução de volatilidade. Por que voltar ao passado inglório?

Em situações de escassez de demanda ou excesso de oferta, os instrumentos clássicos são facilitar a exportação e/ou fazer aquisição governamental para programas sociais. Mas é impossível exportar grandes quantidades, pois os mercados de leite exigem continuidade de atuação. Já quanto à aquisição governamental, não há orçamento previsto para este fim, o que torna inviável a opção no curto prazo.

O caminho, então, é cortar custos. Mas isso não é fácil, pois os sistemas de produção têm pouca margem de manobra. Então, resta a opção de vender vacas e preparar para sair da atividade, ou aumentar a produção, via produtividade, e usar tecnologias digitais, que reduzem custos e melhoram a qualidade da gestão. Há outras soluções de longo prazo, mas exigiria a inexistente maturidade da cadeia, como o preço-alvo.

A boa notícia é que esta crise vai ser minorada daqui para o meio do ano. Está chegando a ajuda emergencial para as famílias, o dólar continuará caro e milho e soja estão com tendência de queda no mercado futuro. As margens do produtor vão melhorar.

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