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HISTÓRIA NO LEITE

A trajetória de 50 anos

da família Knoop na pecuária de leite

Localizada em Pindamonhangaba (SP), a Fazenda Vale Sereno destaca-se pelo rebanho Gir Leiteiro de alto padrão genético, com animais selecionados a partir da década de 1990

João Carlos de Faria

Entre as primeiras vacas de leite que vieram junto com a aquisição da Fazenda de Santa Delia, em Catanduva, em 1971, passando depois pela mudança para Tremembé, no fim de 1972, onde iniciou a seleção e criação de gado Jersey, até se firmar nos dias de hoje como referência nacional das raças Gir Leiteiro e Girolando, a família Knoop completa neste ano uma história de meio século, sem interrupção, na pecuária de leite do Vale do Paraíba paulista.

Essa trajetória começou com o casal Reiner e Marta Knoop, passou depois pelos filhos Luana e Reiner e hoje já é contada pela terceira geração, representada por Bruno Knoop, à frente da Fazenda Vale Sereno, localizada em Pindamonhangaba, comandada com a mesma garra, entusiasmo e paixão de seus antecessores.

Luana Knoop conta que as lembranças que tem de sua mãe a remetem à fazenda em Catanduva, antes da mudança para o Vale do Paraíba. “Na infância, nas minhas férias escolares sempre visitava a fazenda, mas o envolvimento com o leite propriamente dito se deu já na Fazenda Marta, em Tremembé, quando meu desejo de viver numa propriedade rural e produzir leite se transformou em um negócio”, afirma ela.

Marta Knoop (à esquerda) e Reiner Knoop (à direita), pioneiros da família na história do leite, juntamente com a criadora Dalila Galdeano Lopes, da Essência Agropecuária

Mudança de vida – Na verdade, assumir a fazenda na década de 1980 foi uma decisão ousada e corajosa, numa época em que a pecuária leiteira tinha um caráter acentuadamente machista. Mesmo assim, Luana, então recém-formada em enfermagem, não hesitou em deixar a profissão e o emprego para se dedicar totalmente à atividade, fato que representou uma grande transformação na sua vida.

Enquanto a Fazenda Marta ficou sob o comando do pai, o rebanho era apenas de vacas mestiças, mas em 1980, quando Luana e o irmão, o engenheiro agrônomo Reinner Knoop (mesmo nome do pai) assumiram os negócios, o primeiro passo foi liquidar o antigo plantel, dando início então à criação de gado Jersey, com animais PO registrados e alguns importados.

A meta era ter volume e qualidade do leite, com animais de boa conversão alimentar, dóceis e de fácil manejo, fatores que deveriam ser combinados com a rusticidade exigida pela topografia da região. Nessa época, a maioria das propriedades adotava o sistema de leite a pasto e o manejo extensivo e o rebanho da raça Holandesa predominava na região.

“Também foi um desafio porque as mulheres não tinham praticamente nenhuma representatividade no setor e tive que enfrentar e peitar muita coisa para conquistar respeito. Mas isso fazia parte da minha decisão de mudar de vida, pois meu sonho era viver na fazenda e criar os filhos nesse ambiente.”

Luana Knoop: “O envolvimento com o leite se deu já na Fazenda Marta, em Tremembé, quando meu desejo de viver numa propriedade rural e de produzir leite se transformou em negócio”

Bruno Knoop: Conseguimos também um gado Girolando de alta qualidade genética, com boa caracterização morfológica para o leite e bezerras que atendem tanto ao cliente que foca em pista de julgamento, como o pequeno produtor

A transformação – Bruno Knoop, que nasceu em 1989, conta que o avô era um médico veterinário conhecido, especializado na formulação de rações para empresas de nutrição. A fazenda, no entanto, representava para ele apenas um projeto futuro, para quando estivesse aposentado. Por isso, não fez grandes mudanças ou investimentos quando adquiriu a propriedade, mantendo o mesmo gado, em parceria com o funcionário, que virou “meeiro”, visando lucrar apenas com a venda de bezerros e novilhas. Com Luana e o irmão à frente, no entanto, o quadro se transformou e, após alguns anos de seleção e criação de Jersey, a dedicação à fazenda já era de 100%, incluindo as viagens, exposições e premiações. O uso de inseminação artificial, recurso mais acessível para a reprodução na época, tornou-se uma prática e todo o rebanho passou a ser inseminado.

A criação de Jersey foi até 1992, quando decidiram liquidar o plantel, pois, por ser uma raça europeia, enfrentava problemas com a topografia da região, além de o mercado não reconhecer a qualidade do seu leite, rico em sólidos. “Havia ainda um preconceito pelo pequeno porte dos animais, que não tinham valor na hora do descarte”, completa Knoop.

Ele conta que o mesmo caminhão que levou as vacas – arrematadas em leilão por um criador mineiro – trouxe de Pouso Alegre (MG) as primeiras novilhas zebuínas, com o objetivo de produzir leite a pasto, com animais que se adaptassem aos desafios da topografia e do clima da região.

Trabalho de seleção de animais da raça Gir Leiteiro teve início efetivo em 2003, com a aquisição de vacas PO registradas e o registro dos animais de criação da fazenda, com uso de FIV

A TERCEIRA GERAÇÃO ASSUME E TRANSFORMA OS NEGÓCIOS


Foi em 2003, quando Knoop tinha apenas 14 anos, que ele assumiu a fazenda juntamente com a mãe, após o tio desistir do gado de leite. “Iniciamos uma seleção de animais da raça Gir Leiteiro, adquirimos alguns POs registrados e passamos a registrar os nossos e a utilizar os protocolos da FIV a partir de 2009”, diz o criador.

“Foi quando efetivamente começamos a seleção e, com o recurso da FIV, chegamos ao plantel que temos hoje”, arremata Knoop. Em 2011, definitivamente foram separadas as fazendas de leite e corte, passando o leite a ser produzido na Fazenda Vale Sereno, em Pindamonhangaba, onde permanece até hoje, com as marcas “Gir das Colinas” e “Girolando da Invernada”.

Segundo Knoop, o foco da propriedade passou a ser a produtividade dos animais, que deveriam conjugar características como a consistência e conformação do sistema mamário e o temperamento, que passaram a ser fundamentais como referência para a seleção de vacas puras e o registro dos animais. “No rebanho ficaram apenas vacas com o mínimo de 3.000 kg por lactação a campo, que pariam anualmente, com sistema mamário de boa qualidade e temperamento de vaca leiteira.” A criação de Gir Leiteiro e do Girolando de alta performance se tornaram então a principal referência da fazenda.

A disposição em aperfeiçoar cada vez mais o trabalho de seleção, segundo Knoop, sempre foi inspirada na história de vida da mãe. “A paixão que ela tinha pelo gado é um espelho para mim”, afirma. Ele conta que Luana sofreu muito preconceito pelo fato de ser mulher e pela dificuldade que os criadores tinham em aceitar a raça Jersey, à qual muitas vezes, nas exposições, se referiam como as “vaquinhas da Luana”.

“Desde 2019 conseguimos um gado Girolando de alta qualidade genética, com boa caracterização morfológica para o leite e bezerras de pista”, diz o criador. Atualmente, o mercado para o gado Gir Leiteiro é composto especificamente por quem busca futuras doadoras ou por aqueles que simplesmente são apaixonados pela raça. “Mas quem produz leite vem atrás do Girolando, em geral de novilhas prenhas, em fase de pré-parto ou recém-paridas para reposição rápida”, resume.

Reforço importante – Em 2020 a produção de leite na fazenda ganhou um reforço com a chegada de Ellielton Grandchamp, que já atuava eventualmente na propriedade desde 2016, mas que resolveu deixar o antigo emprego para se dedicar “de corpo e alma”, ao dia a dia da propriedade.

Com isso, Knoop ficou mais livre para outras tarefas, entre elas a implementação do projeto de caprinocultura de leite, introduzido na fazenda desde 2001, visando futuramente à produção de queijos artesanais e outros derivados (vide box).

Vindo de uma família acostumada à lida com gado de leite e com formação de técnico agropecuário, Grandchamp encontrou inicialmente um plantel formado por vacas Gir com bezerro ao pé e uma ordenha por dia; hoje 60% do rebanho já é de Girolando meio- sangue (100% FIV) e as ordenhas passaram a ser duas por dia.

Também mudou a dieta dos animais, que antes era a pasto, complementada no cocho com uma mistura de capim picado e concentrado batido na própria fazenda (soja, fubá e polpa), passando então para silagem de milho e concentrado.

Grandchamp explica que os animais em lactação comem duas vezes ao dia, durante as ordenhas, divididos em dois lotes: vacas de alta produção e recém-paridas e vacas em fim de lactação, que recebem quantidades proporcionais de alimentação composta de silagem de milho, ração concentrada e capiaçu fresco.

Ellielton Grandchamp: Hoje, num lote de 20 vacas em lactação, apenas uma está com mastite. Além do mais, usamos o mínimo possível de antibióticos e temos zero por cento de problemas de casco

Quanto ao manejo das bezerras, somente as vacas Gir ficam com a cria ao pé durante a ordenha, enquanto as Girolandas são criadas em bezerreiro coletivo, com ingestão de 6 litros de leite por dia.

As vacas prenhas, por sua vez, têm seu próprio piquete e ficam separadas das novilhas, mas a 21 dias do parto elas vão para o “piquete-maternidade”, onde recebem uma dieta aniônica, para reduzir a possibilidade de incidência de distúrbios metabólicos e para elevar a eficiência produtiva e reprodutiva de seus sistemas de produção leiteira. Num piquete próximo ao curral ficam as vacas em produção, de modo a evitar que tenham que enfrentar a topografia acidentada da Serra da Mantiqueira, onde a fazenda está localizada.

Para controlar a mastite são realizados testes CMT semanalmente e três vezes ao mês a Clínica do Leite analisa e envia os resultados referentes a CCS e CPP. “Hoje, num lote de 20 vacas em lactação, apenas uma está com mastite. Além disso, usamos o mínimo possível de antibióticos e temos zero por cento de problemas de casco.”

Gado Girolando de alta produtividade é marca da Fazenda Vale Sereno no mercado, atendendo principalmente a produtores de leite interessados na reposição rápida de animais

Comemoração – A trajetória de 50 anos da família Knoop foi comemorada no fim de agosto, com um dia de campo promovido pelo Núcleo GiroVale da Raça Girolando, na Fazenda Vale Sereno. O encontro, apesar da programação técnica, também teve clima de confraternização e contou com a presença de mais de 200 participantes, sendo a maioria de pequenos produtores, criadores e muitos amigos da família.

As palestras, ministradas por representantes das empresas Zoetis, Ourofino e Elanco, abordaram temas relacionados às ferramentas de genotipagem para a melhoraria da reprodução do Girolando com maior previsibilidade e velocidade; estratégias de IATF para melhorar a eficiência reprodutiva do rebanho e sobre os 90 dias vitais, entre o pré e o pós-parto, respectivamente.

“Decidimos convidar os produtores da região para comemorar esse marco, com essa programação que incluiu, além das palestras, um shopping de animais e um momento de juntar os amigos para confraternizar e demonstrar a força do setor leiteiro”, explicou o criador. Durante a confraternização ele homenageou sua mãe, Luana Knoop, pela sua importância e história de vida.

COM A CAPRINOCULTURA, PRODUTOR FOCA NOS QUEIJOS ARTESANAIS

 
A mesma preocupação e cuidados que Knoop demonstra com o padrão genético e o manejo das vacas também se repete quando se trata do plantel de cabras leiteiras, cuja criação foi iniciada como hobby em 2001, constituindo depois os primeiros passos do Capril das Colinas, outra marca da família.

Hoje o rebanho tem 150 animais criados em sistema intensivo, sendo mais da metade jovens, com 30 fêmeas em lactação e uma meta a ser alcançada de lotes parindo a cada 60 dias. A produção média é de 3 litros/dia por animal, num período de 305 dias, podendo alguns animais chegar a picos de 5 litros/dia.

Metade da produção atual é utilizada na fabricação artesanal de dois tipos de queijo – frescal e boursin – e de doce de leite, por enquanto ainda informalmente, apenas para consumo restrito. A venda de cabritos para corte, de bodinhos reprodutores, cabras, cabritas e de esterco também compõe a receita do capril. A meta agora é instalar uma queijaria artesanal e conseguir o Selo Arte para agregar valor e comercializar regularmente os produtos.

Visando cada vez mais as melhorias genéticas do rebanho, no ano passado, foram adquiridos dois bodes da raça murciana, de origem espanhola, com o objetivo de promover acasalamentos e se chegar a animais com alta porcentagem de sangue dessa raça leiteira que, pelo teor de sólidos do seu leite, é considerada uma raça “queijeira”. A meta é estabilizar o plantel em torno de 200 animais, com 100 cabras em lactação e produção de 300 litros/dia”, explica o criador.

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