Antes de destacar os benefícios que a prática do afago traz tanto para o produtor de leite como para os animais, a pesquisadora Lenira El Faro Zadra, do Instituto de Zootecnia (IZ/Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, observa que a produção de leite decorre de vários fatores genéticos, nutricionais, de manejo, de clima. E ela faz questão de esclarecer que o afago, por si só, não aumenta a produção de leite, mas diminui o estresse.
“Com o estresse causado ao animal, seja durante o trajeto até a sala da ordenha, pelo barulho excessivo, pela presença de estranhos no local, seja mesmo por maus-tratos durante o manejo, ocorre a liberação de hormônios que vão causar a contração da musculatura lisa e a vasoconstrição na região dos dutos mamários. Isso impede que a ocitocina chegue até as células mioepiteliais da glândula, o que diminui liberação de leite”, observa Lenira, assinalando que o estresse faz com que o animal produza menos ocitocina e a ejeção do leite seja prejudicada. “Ou seja, se diminuirmos o estresse, indiretamente aumentaremos a produção de leite. E no nosso estudo isso foi comprovado com a diminuição do leite residual”, diz.
A origem da pesquisa – Lenira conta que a ideia da pesquisa surgiu de uma visita à Fazenda Santa Luzia, localizada em Passos (MG), do produtor Maurício Silveira Coelho. Essa fazenda havia adotado o manejo do “afago” ou estimulação tátil em bezerros e em novilhas antes do parto. Animais Girolandos são reativos e de difícil adaptação na sala de ordenha. Aquelas F1 (composição 50% Gir Leiteiro), além de um comportamento mais reativo se mal manejadas, necessitam de bezerro ao pé na sala de ordenha. Chamou a atenção da pesquisadora o excelente trabalho de bem-estar realizado naquela propriedade, fruto dos resultados do grupo de pesquisa do prof. Mateus Paranhos.
“Até então (2017/2018), eu realizara pesquisas puramente na área de genética e melhoramento animal, tanto de taurinos quanto de zebuínos leiteiros. Mas sempre me interessou aprofundar conhecimentos para algumas particularidades no comportamento dos zebuínos e seus cruzados, por exemplo, a necessidade que os zebuínos têm da presença do bezerro na sala de ordenha para a ejeção do leite. Talvez a origem dos zebuínos, de regiões mais inóspitas e desafiadoras, tenha direcionado a vaca para produzir só em situações de necessidade”, comenta a especialista do IZ-Apta.
Segundo ela, uma das principais motivações para a realização dessa pesquisa surgiu desse questionamento da ejeção do leite e do leite residual. “O leite residual é aquele leite que fica retido no úbere após a ordenha, sendo um fator predisponente para a ocorrência de mastite. A questão é que precisamos conhecer melhor a fisiologia da lactação e o comportamento das vacas zebuínas na sala de ordenha e durante a lactação”, nota, levantando algumas questões como: será que todas as vacas zebuínas secam a lactação se o bezerro for retirado da sala de ordenha? Por quê? Existe alguma diferença entre os animais na população zebuína quanto à ejeção do leite? Quais pesquisas ainda ser feitas para responder a tais questionamentos?
De acordo com a pesquisadora, sabe-se que hoje muitos sistemas de produção com rebanhos zebuínos têm adotado a aplicação de ocitocina exógena para facilitar a descida do leite na ordenha sem o bezerro. “E aí também caímos na questão do bem-estar, pois em cada ordenha a vaca vai receber uma injeção e há ainda o risco da disseminação de doenças se for usada a mesma agulha.”
Os resultados para a produção leiteira – Parceira da pesquisadora do IZ nesta empreitada, a consultora técnica de bovinos e equinos da Zoetis, Aska Ujita, informa que os resultados que elas encontraram foi que no grupo afagado houve um aumento indireto na produção de leite, em função da diminuição do leite residual. A média da produção de leite diária até os 60 dias de lactação foi de 10,33 kg de leite no grupo controle, contra 12,76 kg de leite no grupo afagado. O leite residual foi de 16% no grupo controle e de 8,5% no grupo afagado.
Aska nota que ocorreram outros resultados muito importantes em relação às dosagens de cortisol e de ocitocina no leite das vacas. A dosagem de cortisol foi significativamente maior (24,10 ng/ml) nas vacas controle do que nas vacas afagadas (6,23 ng/ml). “O cortisol é o principal indicador biológico do estresse, sendo conhecido como hormônio do estresse. Em grandes concentrações circulantes, pode prejudicar o desempenho do animal de várias maneiras”, alerta.
Animais em estresse podem apresentar menor desempenho, redução no consumo de ração, menor crescimento e deposição de gordura, quando comparados aos animais calmos, conforme aponta Llonch et al., 2016. Aska diz ainda existirem estudos que relataram que o temperamento negativo associado a altas concentrações de cortisol, além de atrasar a puberdade, afeta negativamente o desempenho reprodutivo em vacas, reduzindo a eficiência reprodutiva e taxa de desmame (Cooke et al., 2016).
“No nosso estudo, a concentração de ocitocina foi significativamente maior no grupo que recebeu o afago (27,54 pg/ml) do que no grupo que não recebeu (19,39 pg/ml). Isso pode explicar a menor quantidade de leite residual no grupo das vacas que foram afagadas. A ocitocina é conhecida como o hormônio responsável pela ejeção do leite”, diz Aska Ujita.
A importância do carinho no pré-parto – “Realizamos também dois experimentos, no pré-parto dos animais. Esse foi um projeto de pesquisa amplo, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em parceria entre pesquisadores do Instituto de Zootecnia, FZEA-USP e Epamig-Uberaba. Não envolvia apenas o manejo do afago, mas também empregamos técnicas de precisão para detecção do estro e do parto em vacas Gir Leiteiro”, ressalta Lenira.
Ela explica que o pré-parto é uma fase importante, pois antecede o período de lactação, quando o animal terá contato muito próximo e diário com os ordenhadores. É um momento da vida do animal em que está sujeito ao manejo diário na ordenha, com uma mudança muito grande de ambiente. Será desafiado quanto à sua capacidade de produção, quanto à sua resistência às doenças, como a mastite, por exemplo.
“No primeiro experimento, pesquisamos cerca de 40 fêmeas da raça Gir Leiteiro, entre primíparas e multíparas, divididas em dois tratamentos (as que receberam afago e as que não receberam). Apenas as vacas do tratamento afago foram submetidas à estimulação tátil por 5 minutos, sendo este iniciado aproximadamente 40 dias antes da data prevista do parto. O afago foi realizado por 20 dias consecutivos e, após esse período, os animais passaram a receber afago duas vezes por semana até estarem próximos ao parto”, relata.
No segundo experimento, até pensando em facilitar o manejo e a aceitação por parte dos produtores, as pesquisadoras realizaram o afago apenas na sala de ordenha. Foram usadas apenas novilhas prenhas, iniciando-se esse manejo 40 dias antes da data prevista de parto, durante 14 dias. Sua aplicação foi dividida em três fases, com duração de 5 dias, 5 dias e 4 dias, respectivamente, de acordo com o esquema do quadro abaixo.
• DIA 1 ao 5 (Fase 1): Passagem dos animais pela sala de ordenha (simulando o trajeto do manejo de ordenha). O portão de saída da sala de ordenha estará fechado para a entrada dos animais. Em seguida, o portão de entrada será fechado e, após um minuto de permanência, a saída dos animais será liberada.
• DIA 6 ao 10 (Fase 2): Na sala de ordenha, enquanto ocorrem os procedimentos descritos na fase 1 do treinamento (permanência dos animais na sala de ordenha), os animais serão escovados com vassoura de pêlo de náilon por 2 min/animal, priorizando principalmente os membros posteriores, por serem locais constantemente manipulados em uma ordenha.
• DIA 11 ao 14 (Fase 3): Na sala de ordenha, além dos procedimentos descritos na fase 2 do treinamento, os animais serão habituados ao manejo do prédipping (assepsia dos tetos por imersão em produto antisséptico e secagem) e da amarração das pernas traseiras com corda (peia).
“Os animais foram escovados com um escovão, por todo o corpo (cabeça, pescoço, tronco, úbere, membros anteriores e membros posteriores), mas principalmente na região do úbere e membros posteriores, pois são as regiões em que ocorre maior contato na ordenha”, explica Aska Ujita.
Segundo a consultora técnica, elas constataram, no primeiro experimento, que as primíparas responderam melhor ao manejo do afago do que as multíparas, pois estas já vinham de uma memória de manejos anteriores (às vezes truculentos) na sala de ordenha. Esse rebanho, em especial, tinha um histórico de vacas que eram muito reativas na ordenha, devido a uma relação homem-animal muito ruim.
“O aprendizado veio para todos da equipe, incluindo os ordenhadores, que tiveram de aprender muitas coisas sobre o comportamento dos zebuínos. Percebemos que, para aquele grupo que recebeu o afago, houve melhoria do comportamento dos animais na sala de ordenha, após o parto.”
Por sua vez, Lenira aponta também que os resultados do segundo experimento, cujo manejo foi realizado na sala de ordenha, foram mais perceptíveis, não apenas na evolução do comportamento dos animais, mas também em relação à facilidade de fazer o afago por parte dos ordenhadores e com a facilidade geral do manejo diário dos animais.
“A interação humano-animal é um fator de grande importância quando tratamos de animais de produção, pois uma interação negativa afeta o comportamento desejável, tornando o animal agitado e/ou arredio, intervindo principalmente no manejo, segurança e bem-estar, além de influenciar as características de produção e qualidade do produto”, aponta ela, observando uma questão primordial: a pressão para mudanças no trato com os animais vem quase sempre por parte do mercado consumidor, não só no leite, mas em todas as áreas. “Hoje, há consumidores que questionam os sistemas de criação de aves, suínos, bovinos (corte e leite) e outros animais.”
Lenira explica que cada propriedade poderia adequar essa prática de manejo de acordo com as suas condições. “Na Fazenda Santa Luzia, já citada, o manejo era feito em um galpão específico, onde as novilhas recebiam o manejo no pré-parto. Não era realizado na sala de ordenha ou no curral de manejo como em nosso estudo. A propriedade tinha um funcionário que aplicava esse manejo nas novilhas, pois o número de animais é grande.”
Numa ocasião, ela experimentou fazer esse manejo na linha de ordenha e não no fosso e constatou que as vacas aceitaram superbem o afago, melhor ainda do que no fosso.
“O que deve ficar claro é que cada produtor deve encontrar a melhor maneira de adequar esse manejo de acordo com suas condições e entender que pouco precisa ser feito para conseguir oferecer uma vida melhor aos animais: poucos dias, poucos minutos/dia e pouco investimento. Os produtores devem refletir também sobre a percepção da sociedade, quanto a consumir um produto que foi produzido em condições mais dignas para os animais.”
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