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Reunião no Ministério Público do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, sobre problemas com a RGE

ENERGIA ELÉTRICA

Além de prejuízos, produtor enfrenta problemas com as

concessionárias de energia

Uma grande parcela de produtores de leite, em todas as regiões do País, sofre frequentemente com a falta de energia na propriedade, fato que lhe traz grandes prejuízos

João Carlos de Faria

Plec! Caiu a energia na fazenda, parando de funcionar a ordenhadeira, o tanque de refrigeração, os ventiladores do galpão de confinamento, as lâmpadas… E tasca dor de cabeça no produtor, que já antevê os prejuízos. Essa é uma situação muito frequente em fazendas leiteiras em todas as regiões do Brasil, e isso há muitos anos. Na maioria dos casos, os responsáveis pela transmissão da energia elétrica, assim como o poder público, não sinalizam solução, ou esta se arrasta anos a fio, causando indignação e revolta na classe produtora.

Para sanar esse gargalo resta aos produtores buscarem alternativas tecnológicas para manter em funcionamento sua atividade. Já vêm sendo utilizadas algumas que têm dado conta do recado em muitas fazendas, como energia solar com placas fotovoltaicas, gerador de eletricidade e biodigestor (biogás).

A realidade comum de muitos produtores de leite em todas as regiões do País é que pagam caro pela energia e sofrem com os cortes inesperados no fornecimento e a falta de atenção das empresas concessionárias na solução rápida de seus problemas, causados na maioria das vezes pela falta de manutenção das redes de transmissão.

Protesto de produtores de leite da comunidade Linha Leopoldina, no município de Colina, no Vale do Taquari (RS), em frente ao escritório da concessionária RGE

A indignação chegou ao extremo recentemente, quando moradores da comunidade Linha Leopoldina, no município de Colinas, no Vale do Taquari, segunda maior bacia leiteira gaúcha, se dirigiram ao escritório da empresa responsável pelo fornecimento para protestar, jogando leite azedo na entrada do prédio, após mais de 50 horas sem energia, com perdas de leite e de outros produtos.

“A agricultura do Vale do Taquari é de subsistência e de minifúndios, porém são propriedades de alta produtividade e todas equipadas com tecnologia para produzir com qualidade. Mas para isso necessitamos de energia elétrica diariamente”, afirma Aline Tais Meyring Lohmann, que liderou o protesto. Na comunidade são 30 famílias, a maioria produz leite e depende da eletricidade para a ordenha das vacas e conservação do leite até que siga para os laticínios da região.

Ela e o marido, Gustavo Lohmann, são proprietários do Rancho Lohmann, onde produzem 2 mil litros de leite/dia. Para suprir as falhas no fornecimento, usam um trator para mover o gerador, mas este gasta cerca de 15 litros de diesel por hora. “O custo sobe, a qualidade do leite fica comprometida e a gente perde dinheiro”, afirma. Mesmo assim, a conta de luz da propriedade varia em torno de R$ 3 mil por mês.

Diferença – Por causa dos lotes de concessão, a comunidade é abastecida em parte pela RGE-CPFL e em parte pela Copel, mas um levantamento feito no início deste ano constatou que, em 2021, enquanto a RGE-CPFL teve mais de 500 horas de interrupção de energia, a parte da Copel não passou de duas horas. Aline diz que já foram feitas várias tentativas de solução envolvendo o Procon, algumas ações foram movidas no Juizado de Pequenas Causas, além de contatos com a própria empresa, mas sem resultado.

Depois da repercussão do ato, o Ministério Público do Rio Grande do Sul realizou uma reunião em Porto Alegre, em janeiro, convocada pelo procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles. Na audiência, a empresa – que já havia sido multada em mais de R$ 30 milhões pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) – alegou que os problemas são causados, na maioria das vezes, pela vegetação que atinge os fios da linha de transmissão.

Para o presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Luciano Moresco, o problema da má qualidade da energia é antigo. A maioria das propriedades da região é de produção familiar e trabalha integrada com grandes empresas e cooperativas. De acordo com o Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul (2021), a região tem cerca de 10 mil produtores e produz 410 milhões de litros de leite/ano.

“A empresa sempre apresenta dados técnicos e uma média favorável de atendimento, mas nunca considera o meio rural.” A reunião com o Ministério Público foi agendada pelo Codevat, em mais uma tentativa a favor dos produtores. A proposta acordada com o MP é construir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para estabelecer os compromissos da RGE-CPFL, sob pena de perder a concessão caso não os cumpra.

Luciano Moresco: “O problema da má qualidade da energia é antigo. A maioria das propriedades da região é de produção familiar e trabalha integrada com grandes empresas e cooperativas”

Perdas em Minas Gerais – No fim de 2020, a Fazenda Santa Helena, localizada em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, teve que jogar fora 5.000 litros de leite, após queda na tensão da energia fornecida pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), conforme noticiário da época.

Segundo a proprietária, Carla Lara, mesmo tendo cumprido todas as exigências da empresa para a instalação de um sistema trifásico na propriedade, as quedas de energia são constantes. “Isso causa insegurança e muitos prejuízos”, diz. Mas o problema não está restrito ao fornecimento trifásico, atingindo também consumidores com baixa tensão (monofásico), afetando toda a cadeia de produção do queijo no município.

Um dos produtores que se sentem prejudicados é Miguel dos Santos, fornecedor da Fazenda Santa Helena. Ele adquiriu um gerador, mas como sua capacidade é limitada a um dia, quando falta energia e o leite não é escoado, o prejuízo é certo. Em outra situação, Arnaldo José Lara já chegou a ficar 14 horas sem energia, sem que nenhuma providência fosse tomada pela Cemig, o que o obrigou a descartar 2.000 litros de leite de sua produção, que é vendida a outro laticínio, em Pará de Minas.

O presidente da Cooperativa de Laticínios de Esmeraldas, André Luiz Costa, afirma que os casos de falta de energia são recorrentes, pois acontecem quase que semanalmente sem que a empresa tome providências. O problema, segundo ele, é que, além da perda de leite, há o risco de aumento de mastite e do custo de manutenção de um gerador, pois, além da ordenha, é preciso mantê-lo ligado para manter a temperatura do tanque. “Alguns produtores buscam fontes alternativas, mas instalar um sistema de energia fotovoltaica ainda é muito caro.”

Reunião entre representantes de sindicatos do Vale do Paraíba e da EDP Bandeirantes

Vale do Paraíba – Na maior bacia leiteira do Estado de São Paulo, com produção anual de 205 milhões de litros em 2020, os produtores também enfrentam problemas de fornecimento de energia. Em Guaratinguetá, o presidente do Sindicato Rural, Eduardo Cavalca, explica que a demora na restauração da energia por parte da EDP Bandeirantes, responsável pelo fornecimento, é a reclamação mais ouvida.

“Os produtores acabam sendo afetados, principalmente os que estão a distâncias maiores da cidade, que sempre relatam perdas da produção”, afirma. A solução está sendo buscada conjuntamente, por intermédio da Associação dos Sindicatos Rurais do Vale do Paraíba (Asservap), que tem realizado diversas reuniões com a concessionária.

Mesmo assim, o produtor José Luiz Cavalca Marques, da Fazenda Santa Cruz, localizada no município, que da última vez perdeu 560 litros de leite, tem muito a reclamar da empresa, que normalmente demora a atender os pedidos de socorro. “Às vezes até volta rápido, mas há dias em que o restabelecimento demora 24 horas e até três dias. Esse é o problema”, diz. As causas, em sua opinião, são os muitos postes podres e a falta de poda das árvores que acabam atingindo a rede, que por sua vez também é antiga e precisa ser trocada. A empresa, segundo ele, apesar de sempre alegar que está fazendo investimentos na região, não convence. “Não adianta ouvir isso e não ter a energia que eu preciso”, reclama.

Eduardo Cavalca, do Sindicato Rural de Guaratinguetá: “Os produtores acabam sendo afetados, principalmente os que estão a distâncias maiores da cidade, que sempre relatam perdas da produção”

Em meio a protestos e conflitos entre produtores e empresas fornecedoras de energia, no Vale do Paraíba a exceção foge à regra. A participação ativa do setor produtivo rural no conselho de consumidores da empresa EDP Bandeirantes e a aproximação articulada pela Associação dos Sindicatos Rurais do Vale do Paraíba (Asservap) dão sinais de que em breve poderá haver um entendimento.

Quanto a isso, o representante da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) e de 28 municípios das regiões do Alto Tietê e Vale do Paraíba, no Conselho de Consumidores da EDP Bandeirantes, Ricardo Sato, que é presidente do Sindicato Rural de Suzano, tem uma posição pragmática.

“A regra estabelecida pela privatização determinou que as concessionárias e prestadoras de serviços que atenderem a pelo menos 80% da clientela com qualidade estarão cumprindo as normativas que regem o setor. É o que eles fazem, mas a zona rural nunca é considerada na avaliação. A briga deve ser pela mudança da regra e com urgência”, afirma.

Sato reconhece, porém, que tem havido um bom relacionamento com a empresa, se comparado a outras empresas e regiões do País. “Mas é preciso se aproximar ainda mais e isso tem ocorrido muito bem, com a intermediação da Asservap e com a nossa participação no Conselho”, afirma.

A Asservap, da qual participam sindicatos da região e que é dirigida pelo presidente do Sindicato Rural de Cruzeiro, Wander Bastos, tem se reunido com representantes da empresa e pretende estabelecer protocolos a serem cumpridos pelas duas partes.

NO PARANÁ PROGRAMA INCENTIVA USO DA ENERGIA SOLAR E DO BIOGÁS

A instalação do biodigestor proporcionou autossuficiência de energia à propriedade e a destinação correta do que até então era um passivo ambiental (Granja Comunello)

O produtor Maciel Comunello, proprietário da Granja Comunello, localizada em Francisco Beltrão (PR), encontrou na instalação de um biodigestor, em 2015, a solução mais adequada para a destinação dos dejetos gerados pelo seu sistema de compost-barn e para reduzir seus custos de produção, mas também resolveu seus problemas de interrupções frequentes no fornecimento e oscilações da energia, além de ganhar com o biofertilizante e o gás metano gerados pelo sistema.

Ele já está planejando dobrar sua capacidade de produção de energia ainda neste ano e, para isso, estuda a possibilidade de acessar o financiamento do RenovaPR, projeto inovador do governo do Estado, que incentiva o uso de energias sustentáveis para reduzir custos do produtor e ajudá-lo a enfrentar os problemas com fornecimento.

A propriedade sempre esteve voltada para a pecuária de leite e, em 2015, quando adotou o sistema compost barn, se deparou com o acúmulo de dejetos e com o aumento no valor da conta de luz e, consequentemente, do custo de produção.

Na época, um estudo apontou que o volume de dejetos viabilizaria a instalação de um biodigestor. O projeto, estimado inicialmente para 180 vacas de alta lactação, exigiu investimento de R$ 300 mil, com prazo de retorno de 4,8 anos. Hoje são 300 animais e o biodigestor já está no limite. O plano é dobrar a capacidade do grupo gerador, de 65 KWa para 130 KWa.

O produtor Idemar Dalberto, com sua esposa e filho, no Sítio Pedacinho do Céu (ao fundo, o galpão com teto de placas fotovoltaicas)

O biogás proporcionou autossuficiência à propriedade e a destinação correta do que até então era um passivo ambiental. Em termos de valores, a economia foi de cerca de R$ 80 mil por ano e os problemas com a energia convencional, que continuam ocorrendo praticamente toda semana, fazem parte do passado. “Nós nunca mais ficamos sem energia”, afirma Comunello.

Em Nova Prata do Iguaçu, no sudoeste do Estado, o produtor Idemar Dalberto, do Sítio Pedacinho do Céu, um dos primeiros a terem um sistema de energia solar financiado pelo RenovaPR, conta que, entre as primeiras tratativas e a instalação das placas, não se passaram mais de 70 dias.

O projeto custou R$ 105 mil, com prazo de dez anos e prestação mensal de R$ 900, valor bem menor do que a conta de luz, antes em torno de R$ 1.200,00/mês, que agora caiu para R$ 60. “Isso incentiva a gente, porque, além de ser uma energia renovável e de não pagar juros do financiamento, a prestação é fixa, enquanto o custo da energia vai sempre oscilar para cima.”

Um dos próximos investimentos de Dalberto é irrigar uma área de pastagem e instalar ventiladores mais potentes para proporcionar mais conforto aos animais, algo que antes seria impraticável, pelo custo a mais de energia. “Tudo isso traz um ganho com o aumento da média das vacas”, afirma. Hoje seu rebanho é de 50 animais, com 31 vacas em lactação e média anual de 25 mil litros/hectare.

RenovaPR – O Programa Paraná Energia Renovável (RenovaPR), lançado em agosto de 2021, fechou o ano com 1.641 projetos inscritos, 432 empresas de energia solar e 32 de biogás cadastradas e cinco bancos conveniados para o financiamento, somando R$ 280 milhões de investimento. “O produtor precisa de energia para ter eficiência e não se melhora a produtividade sem se considerar o custo da energia”, afirma o coordenador do programa, Herlon Goelzer de Almeida, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (Iapar).

Foi com base nessa premissa que se formatou o RenovaPR, que é executado pelo Iapar, mas que agrega também prestadores de serviços de energia solar e biogás, que, no ato de adesão, assinam um termo de compromisso, que prevê advertência, suspensão temporária ou até exclusão do programa, caso não cumpram compromissos assumidos com o produtor.

Até dezembro deste ano, o Banco do Agricultor Paranaense vai subsidiar 100% das taxas de juros, no caso do Plano Safra, e 5% quando o financiamento for do próprio banco, independentemente do porte do produtor. A meta é fechar 2022 com 10 mil projetos cadastrados e chegar a 2030 com 100 mil unidades de produção com energia sustentável.

Herlon G. de Almeida: “O produtor precisa de energia para ter eficiência e não se melhora a produtividade sem considerar o custo da energia”

Por enquanto, os projetos de energia solar representam quase a totalidade (98%), pois o biogás, segundo Almeida, ainda “precisa ser melhor entendido pelo produtor, que não se deu conta de que a biodigestão transforma um passivo ambiental num ativo econômico, que é a energia gerada”, diz. “É uma questão de tempo e de informação, pois os benefícios e o retorno do biogás são incomparavelmente maiores”, diz.

Além de tudo, o biometano garante energia 24 horas por dia, por ser uma energia que pode ser armazenada e usada de acordo com a necessidade, sendo ainda um combustível equivalente ao Gás Natural Veicular (GNV), podendo ser utilizado como combustível veicular; já o biofertilizante que é gerado volta para a lavoura, o que reduz ainda mais os custos.

 

Microrredes – Desde o ano passado, uma granja localizada em São Miguel do Iguaçu tornou-se a primeira unidade de microrrede do Estado do Paraná, com seu sistema de biogás sendo conectado à rede de energia da Copel, abastecendo outras quatro propriedades vizinhas, na falta de energia na rede, sendo remunerada pelo serviço. “Com a sustentação do RenovaPR vamos viabilizar a geração de energia sustentável e instalar microrredes nas várias regiões do Estado”, finaliza Almeida.

Posionamento das concessionárias

 
EDP Bandeirantes –
Em nota, a EDP Bandeirantes disse que vai investir R$ 3 bilhões entre 2021 e 2025 em sua área de concessão em São Paulo, “reforçando a qualidade e segurança no serviço prestado pela concessionária”.
“A EDP também atua com a parceria contínua do Conselho de Consumidores e por meio de reunião com sindicatos e associações locais. Com esses órgãos estão sendo alinhados novos grupos de trabalho que possibilitarão análises de casos mais individualizados, visando à melhoria do fornecimento de energia elétrica”, afirma a nota.

Cemig – A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) afirma que vai investir R$ 22,5 bilhões na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no período de 2021 a 2025. Entre os programas inclusos no plano de investimentos está o “Minas Trifásico”, que vai transformar cerca de 30 mil quilômetros de redes monofásicas em trifásicas no interior do Estado, “levando assim um sistema elétrico de maior qualidade e capacidade, criando condições para o desenvolvimento do agronegócio mineiro, para atender aos produtores rurais”.

RGE – A RGE-CPFL não respondeu ao questionamento da reportagem da revista Balde Branco, até o fechamento desta edição. Na audiência realizada em Porto Alegre, no fim de janeiro, apontou como a grande causa das interrupções de energia na região a alta vegetação na rede elétrica e sugeriu ações conjuntas para auxiliar na limpeza e manutenção das redes nessa faixa da vegetação. Posteriormente, a empresa divulgou nota afirmando ter um “plano de manutenção e investimentos para todas as regiões de sua área de concessão, incluindo o Vale do Taquari”.

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