Nos últimos anos o Brasil tem registrado repetidos eventos climáticos adversos que interferem na produtividade do milho, principalmente na cultura da safrinha. Em 2019 foram as chuvas irregulares e, em 2020 e 2021, a seca interferiu na produtividade de grãos. Esses eventos climáticos, que estão se tornando cada vez mais recorrentes – também em outros países – fazem com que a oferta do milho sofra variações acentuadas.
“Nesse cenário é muito importante que sejam encontradas alternativas para a redução dos custos, principalmente quando o milho apresenta valoração acima da média histórica para o período”, afirma o zootecnista e médico veterinário Vanderlei Bett, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) na unidade de Paranavaí.
Bett aponta diversas alternativas para serem utilizadas na substituição total ou parcial do milho na alimentação animal, cada uma com suas vantagens e desvantagens, mas todas suficientes para fornecer ao animal a quantia de energia necessária para que apresente o desempenho esperado. Ele aponta, neste caso, a própria silagem de grãos de milho reidratado, além de sorgo, trigo, polpa cítrica, farelo de arroz, centeio e aveia em grão.
“Sabemos que a alimentação animal é um dos principais componentes do custo de produção do leite, representando de 40% a 70% do total. É claro que esta porcentagem varia com o modelo do sistema de produção, escala e localização, entre outros fatores. Também sabemos que, na alimentação de vacas em lactação, o alimento concentrado que participa em maior quantidade é o energético, representado principalmente pelo milho”, explica o técnico.
Variáveis para o uso – Bett afirma que os alimentos considerados padrão na nutrição de ruminantes são o milho, como energético, e o farelo de soja, como alimento proteico, e, por isso, alimentos alternativos podem ser utilizados em substituição completamente ou como complementação, desde que apresentem algumas características importantes, como serem bons sucedâneos e avaliados tecnicamente para decidir qual é o melhor para o sistema produtivo da propriedade.
“A principal característica de um bom alimento sucedâneo é o preço do nutriente a ser substituído. Este deve, preferencialmente, custar menos do que o alimento padrão”, diz ele, apontando outras características essenciais para que o mesmo possa ser considerado um bom sucedâneo ao milho: ser livre de patógenos ou princípios ativos tóxicos, ser bem aceito pelo animal, ter disponibilidade no mercado próximo e por período longo e ser de fácil manejo e utilização.
O técnico lembra que a alimentação dos ruminantes utiliza basicamente volumosos e concentrados. Os volumosos são os mais baratos entre os utilizados no arraçoamento dos animais e os que participam com a maior quantidade na dieta. Por isso, contribuem com uma quantidade considerável de nutrientes exigidos pelo animal. “É por esse motivo que, em todos os modelos de sistemas de produção de leite, o produtor deve primar pela produção deste grupo de alimento em alta qualidade para tornar a dieta o mais econômica possível.”
A ração concentrada, por sua vez, deve ser utilizada para complementar a exigência nutricional do animal, com a quantidade de nutrientes certa para que ele consiga expressar todo o seu potencial genético. Seguindo esse raciocínio, Betti explica que se deve elaborar as dietas com base numa composição que atenda a essa exigência de nutrientes e, com isso, a substituição total ou parcial do milho torna-se possível.
Ele alerta para o fato de que questões fisiológicas podem levar ao animal a apresentar algumas variações características no comportamento ingestivo e produtivo durante o período da lactação e, se isso não for observado e respeitado em suas particularidades, pode interferir nas questões fisiológicas e transformá-las em patológicas, interferindo diretamente no desempenho e na expressão da aptidão genética do animal.
“Quando nos referimos à nutrição de ruminantes, devemos analisar todos os alimentos que serão fornecidos durante o dia para atender às exigências de nutrientes que o animal apresenta na fase fisiológica em que se encontra. A este ramo da nutrição chamamos de nutrição de precisão”, diz Bett.
Isso significa que, quando as regras da nutrição de precisão para ruminantes são respeitadas e as exigências de nutrientes são atendidas plenamente, todas as funções orgânicas do animal estarão ativas e todo o seu potencial genético estará sendo expresso.
Limites – “Mas cada um dos alimentos referenciados possui seus limites de uso”, acrescenta o técnico, destacando que a silagem de grãos de milho reidratado, por exemplo, tem os mesmos limites de uso do milho em grão seco, ligado ao teor de amido da dieta total oferecida.
Com relação à silagem de grão de sorgo reidratado, ele explica que o teor de nutrientes digestíveis totais (NDT), em sua composição, é menor, diminuindo assim o aporte deste nutriente na dieta. Também possui mais fibra em detergente neutro (FDN) do que o milho, o que pode limitar o consumo de matéria seca da dieta. “Por isso, recomenda-se a inclusão de, no máximo 30%, da matéria seca total da dieta das vacas leiteiras.”
O triguilho, por sua vez, possui bons teores de PB, FDN, carboidratos não estruturais (CNE) e em digestibilidade da matéria seca (DMS), porém o teor de nutrientes digestíveis totais é inferior ao encontrado no milho e, por este motivo, o limite de uso desse alimento é de 40% da matéria seca total da dieta.
O farelo de trigo, quando disponível, é uma opção considerável para nutrição animal, tendo fibras de ótima qualidade e DMS. Uma das suas restrições é o volume, que aumenta o tempo necessário para as vacas fazerem sua ingestão. Por isso, recomenda-se não ultrapassar o limite de 25% da matéria seca.
A polpa cítrica peletizada é outro exemplo de alimento limitado pelo seu teor de fibra em detergente neutro e, por isso, recomenda-se que seu uso seja limitado em 15%. No caso do farelo de arroz, o limite varia de acordo com a idade, peso e estado fisiológico do animal.
O teor de gordura é um grande limitante para seu uso, uma vez que o extrato etéreo (EE) das dietas não podem ultrapassar 7%. Por este motivo, recomenda-se a inclusão do máximo de 30% da matéria seca da ração. Esta quantidade pode ser maior quando se usa o farelo de arroz desengordurado.
Centeio e cevada em grão também formam boas opções para substituir o milho, pois são uma cultura tolerante à geada, tornando-se uma fonte de alimento confiável para as regiões de clima frio. A recomendação é de 40% da matéria seca da ração.
“Talvez a aveia seja o alimento mais conhecido dos produtores de leite das regiões com clima ameno, porém seu uso mais frequente é na forma de forragem. Como alimento concentrado energético é menos comum de ser utilizado, mas totalmente viável. Recomenda-se utilizar os grãos de 10% a 40% da massa seca, independente do teor de amido da dieta total”, complementa Bett.
Uso e padrão dos animais – O pesquisador esclarece ainda que, para utilizar esses alimentos alternativos nas dietas, será necessário avaliar o rebanho, determinar seu potencial produtivo e os objetivos do sistema de produção adotado.
Para os rebanhos de média ou baixa produção, a substituição pode ser menos problemática, uma vez que a proporção de concentrado é inferior a 50% da matéria seca total diária, desde que respeitados os conceitos da nutrição de ruminantes e as fases fisiológicas dos animais.
Os rebanhos de alta produção, porém, formados por animais especializados, são mais sensíveis às mudanças de manejo nutricional. Para esses animais, o trabalho do nutricionista deve ser mais minucioso, seguindo os conceitos de limites dos nutrientes para evitar a ocorrência de doenças metabólicas e distúrbios fisiológicos sistêmicos. Mesmo assim, é possível utilizar alimentos alternativos ao milho, mantendo o desempenho esperado.
“Por isso o mais prudente é fazer a substituição parcial do alimento padrão em categorias mais produtivas – cuja exigência nutricional é maior – e aumentar o uso dos alternativos naquelas categorias menos produtivas e/ou aquelas que não estão em produção”, conclui Bett.
PESQUISADORA APONTA OPÇÕES PARA OS CAMPOS GERAIS (PR)
Na região paranaense dos Campos Gerais, algumas forrageiras têm se destacado como alternativas ao milho para a alimentação do rebanho leiteiro, conforme conta a pesquisadora Josiane Cristina de Assis Aliança, melhorista de plantas forrageiras do IDR Paraná, no Polo de Pesquisa e Inovação de Ponta Grossa.
Uma delas, quando se pensa no clima frio da região, é a aveia preta, que suporta baixas temperaturas e o pisoteio. Como exemplo, tem-se a cultivar Iapar 61, lançada em 1993 e que, mesmo após 30 anos, ainda é a campeã de produtividade na região, em termos de matéria seca.
“Ela também atende à demanda por uma pastagem de ciclo longo, com boa capacidade de rebrota e concentração de proteína, proporcionando uma boa conversão de leite”, explica.
Mas, ao contrário, quando se trata de fazer silagem, a opção indicada por ela é uma forrageira que tenha um período curto de cultivo e possa ser colhida rápido, que, no caso, seria a IPR Esmeralda, cultivar lançada em 2012, uma das preferidas dos produtores dos Campos Gerais.
Ela é indicada para a cobertura da janela entre o fim de fevereiro e o início dos cultivos de inverno, quando ocorre o chamado “vazio forrageiro” e quando é preciso ter uma forrageira de ciclo rápido, que suporte o calor do início do ano. “Com ela, o produtor pode fazer silagem pré-secada e desocupar a área mais ou menos em abril, deixando-a disponível para o cultivo de inverno”, afirma.
O triticale forrageiro é a terceira opção indicada por ela, que a classifica como “excelente opção”, por ser muito rústica e adequar-se facilmente a regiões onde haja preocupação com o déficit hídrico. “É uma planta muito tolerante às principais doenças e muito rústica”, diz.
Ela conta que o IDR-Paraná está em fase de pré-lançamento da IPR Prata, uma cultivar de triticale que tem trazido boas respostas aos pesquisadores. “Fizemos uma seleção e ela apresentou tolerância à ferrugem e um bom ciclo de produção, com vários cortes. Esta é também uma boa opção para ser utilizada para produção leiteira.”
QUE PRODUTOS SÃO ESSES?
Silagem de milho reidratado – Embora não se trate de um produto alternativo, a silagem de milho reidratado é uma opção para o período da entressafra, quando a oferta de milho cresce e, consequentemente, os preços caem e os grãos podem ser adquiridos diretamente e armazenados como silagem.
Sorgo – Seja seco ou como ensilagem de grãos reidratados, é outro alimento que pode ser utilizado, pois desperta pouco interesse para consumo humano, estando totalmente disponível para a alimentação animal. “A vantagem no seu cultivo é a adaptabilidade aos diversos tipos de solo e clima, conseguindo se desenvolver bem em solos com baixa disponibilidade de água, sem grandes perdas de produtividade sob pequenas secas”, diz Bett.
Trigo – É um dos principais cereais produzidos no mundo e também pode ser um bom substituto do milho, apesar de ter seu uso prioritário para alimentação humana. No entanto, no beneficiamento dos grãos na indústria são gerados coprodutos e aproximadamente 28% deles podem ser destinados à alimentação animal. O triguilho é um desses coprodutos, que pode substituir o milho, pois a degradação de seus constituintes não produz grandes diferenças no pH do rúmen quando comparado ao milho. Bett explica, no entanto, que o principal coproduto da indústria do trigo é o farelo, que corresponde a 28% do grão e é considerado uma boa fonte de energia. “É rico em fibra de boa qualidade, o que ajuda a manter o pH ruminal durante sua degradação.”
Polpa cítrica – Peletizada ou úmida, é uma boa fonte de fibras que pode ajudar a manter a saúde do trato gastrointestinal. Possui altos teores de carboidratos não estruturais, como açúcares e pectina, que pode gerar quantidades significativas de energia durante a degradação, mas possui baixos teores de proteína bruta (PB), o que pode limitar o desempenho animal. Por esses motivos, podem substituir parcialmente os grãos na dieta. As restrições nutricionais são os altos teores de ácido cítrico, que podem reduzir o pH do rúmen e causar acidose ruminal, e o excesso de fibra em detergente neutro, que pode reduzir o consumo e afetar o desempenho.
Farelo de arroz – É um coproduto oriundo do beneficiamento do arroz e corresponde entre 5% e 13% do grão. O processamento provoca intensa atividade das lipases, aumentando os riscos de oxidação, tornando importante o uso de antioxidante para preservar a qualidade do alimento.
Centeio – É altamente palatável, os animais gostam de comer e aumenta a ingestão de alimentos. É rico em carboidratos solúveis e sua boa digestibilidade pode levar à maior absorção de nutrientes e, com isso, melhorar o desempenho dos animais.
Cevada – Assim como o centeio, a cevada também possui alta palatabilidade e pode favorecer o consumo. É uma boa fonte de energia, pois contém alto teor de amido, além de nutrientes importantes como vitaminas B e E e minerais como fósforo e potássio.
Aveia em grão – É uma boa fonte de energia, já que possui alto teor de amido. Também é fonte de fibra, o que confere importante papel para a saúde do rúmen, mantendo as condições para o bom aproveitamento das dietas e ajudando a prevenir a acidose ruminal. Uma das suas vantagens é que possui custo mais baixo que o milho.
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