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GESTÃO

Alinhando os ponteiros

do planejamento na pecuária leiteira

Fazer isso com precisão é um dos pontos-chave para o sucesso da atividade, sendo o caminho seguro para projetar e vislumbrar o futuro com os pés no presente

Bruno Marinho M. Guimarães*

Resultados recentes dos indicadores econômicos e financeiros da pecuária leiteira mostram que o leite é, sim, um bom negócio. No entanto, a complexidade e o número infindável de variáveis que envolvem a atividade exigem que o planejamento seja a altura para que ganhos e lucros apareçam. Em se tratando de planejamento, não adianta que os esforços sejam direcionados apenas para o ano vigente ou para o próximo ano, por exemplo. A visão do planejamento estratégico deve abranger horizontes maiores, na casa de 5 a 10 anos, no mínimo.

Algumas ferramentas nos permitem aumentar a precisão desta visão. Quanto mais conhecemos as características do rebanho, as particularidades da fazenda e o objetivo da propriedade, maior é a acurácia do planejamento da atividade leiteira. O raciocínio é o mesmo independentemente do tamanho do negócio.

Como estará o rebanho da sua fazenda no futuro? – Conhecer o comportamento anual do rebanho nas diversas categorias animais é de grande importância. Essa dinâmica está intimamente atrelada, principalmente, aos indicadores reprodutivos e sanitários do rebanho. Resultados de taxa de prenhez, perda de prenhez, intervalo entre partos, mortalidade das vacas e da recria e descarte involuntário, por exemplo, interferem diretamente no crescimento (ou não) do rebanho ao longo dos anos.

A fazenda terá estrutura para abrigar gado jovem e gado adulto daqui cinco anos? E em dez anos, a área disponível para plantio atenderá à demanda alimentar do rebanho? Será necessário ampliar ou adaptar as instalações? O contingente atual de colaboradores da fazenda atenderá à demanda operacional do rebanho ao longo do tempo ou será preciso aumentar? A fazenda terá excedente de animais para incorporar ao caixa com vendas no futuro? Todas essas e várias outras perguntas são respondidas pela ferramenta de evolução de rebanho. Ela é um dos principais guias de planejamento da propriedade e consiste em uma forma de estimar o comportamento do rebanho tendo como referência a realidade atual da fazenda, os seus indicadores e as metas.

Para que as análises e estimativas da evolução de rebanho sejam coerentes e o mais próximas da realidade, alguns pontos devem ser bem conduzidos. O primeiro deles consiste em conhecer bem o rebanho. Como é a distribuição dos animais nas categorias de vacas em lactação, vacas secas, bezerras até 1 ano, novilhas de 1 a 2 anos e novilhas acima de 2 anos, por exemplo? Ter certeza do inventariado do gado garante precisão das informações que alimentam a evolução do rebanho. Afinal, um montante incorreto de animais entrega projeções que não se realizarão.

Outro ponto de grande importância para a evolução do rebanho são os indicadores zootécnicos. Como já dito, eles possuem total relação com o comportamento do rebanho ao longo dos anos. No entanto, há de se concordar que uma parcela considerável das fazendas não possui a rotina de anotar informações zootécnicas dos animais e, logo, não conhecem com clareza os indicadores do rebanho. Nesses cenários em que não há o hábito de se calcular e analisar indicadores, alguns artifícios e raciocínios podem contribuir para a estimativa dos números. Cabe ao técnico responsável a habilidade de avaliar o contexto da propriedade e estruturar os dados, criando a cultura de anotação na fazenda.

É importante que as metas para todos os indicadores estejam alinhadas com o objetivo da propriedade e que sejam atingíveis

Falando ainda sobre os indicadores, pensar em metas palpáveis a serem inseridas ano a ano na evolução do rebanho é o próximo passo. O planejamento será trabalhar com taxa de serviço de quanto? Como será o comportamento esperado da concepção de vacas e novilhas ao longo dos anos? Quanto de descarte involuntário será trabalhado como alvo? Qual o porcentual de perda de prenhez será aceitável na fazenda? E a mortalidade de recria e das vacas? A média de produção de leite diária por vaca tenderá a manter os valores atuais ou a fazenda buscará aumentá-la?

São perguntas desse tipo que devem ser feitas ao pensar e elaborar uma evolução de rebanho. Criticá-las é um exercício constante que faz parte do planejamento da fazenda. O correto é que as metas para todos os indicadores estejam alinhadas com o objetivo da propriedade e que sejam atingíveis. Em outras palavras, de nada adianta considerarmos metas estratosféricas e elas não serem atingidas na realidade da fazenda. Um exemplo que podemos pensar é para a média de leite. Imagine que no presente ano a sua fazenda possui média de 28 kg de leite/vaca/dia e na evolução de rebanho você considere uma média de 35 kg de leite/vaca/dia já para o ano seguinte. Tirando as eventualidades, qual a possibilidade de acontecer esse aumento de 7 kg de leite por vaca por dia na média do rebanho em uma situação normal e rotineira de fazenda? É mínima, ou quase nula.

Sendo assim, trabalhar com metas conservadoras e “pé no chão” nos permite sermos mais assertivos na evolução do rebanho e evitar que menos “furos” aconteçam na realidade da fazenda. É muito melhor, no caso do exemplo citado, pensarmos em um aumento mais modesto de leite de um ano para o outro e termos uma surpresa positiva em que a produção real foi maior que a estimada na meta do que termos a frustração de as vacas produzirem menos leite do que foi pensado na evolução. Entretanto, mais do que evitar esses “furos”, o grande objetivo talvez seja de que aquilo que foi estimado na evolução de rebanho seja o mais próximo possível do que acontecerá na fazenda. Trazendo para uma analogia popular, queremos não somente acertar a mosca, mas acertar no olho da mosca.

E a comida? Será suficiente? – Há uma conhecida frase que diz que um bom produtor de leite deve ser, antes, um bom agricultor. Grande verdade. Afinal, o leite entra pela boca e uma fração considerável e expressiva do custo de produção das vacas é devido ao custo alimentar. Dessa forma, produzir comida de qualidade e em quantidade adequada representa uma excelente alternativa para abrandar o custo de produção por litro de leite. Ser eficiente na produção de comida é uma premissa inexorável (ou pelo menos deveria ser) para todo produtor de leite, independentemente se estamos falando de pasto ou de lavoura.

Trabalhar com metas conservadoras e “pé no chão” permite maior assertividade na evolução do rebanho e evitar que menos “furos” aconteçam na realidade da fazenda

É fundamental que todo esse trabalho, entre outras variáveis, garanta comida de alta qualidade e o conforto necessário para os animais

Nessa linha, planejar a produção de comida para os animais torna-se essencial, sendo que as informações da evolução do rebanho são extremamente apoiadoras nisso. Quantas vacas em lactação a fazenda terá ano que vem? Com a área atual de lavoura da propriedade será possível produzir comida para todas as vacas ou teremos que aumentar a produtividade por hectare ou, quem sabe, até mesmo aumentar o tamanho da área plantada? Será necessário aumentar o número de piquetes para as novilhas? Note que o sentido das perguntas que devem ser feitas durante o planejamento alimentar permeiam os mesmos caminhos das perguntas feitas para a evolução do rebanho. Ambos os planejamentos estão atrelados e são indissociáveis para alcançar a lucratividade da fazenda.

O planejamento alimentar do rebanho não é tarefa simples. Além de calcular a demanda de comida dos animais, a condução agronômica das áreas de lavoura e pastagem deve ser muito bem- feita. Corrigir e preparar o solo na medida certa, escolher a variedade de semente mais adequada, acertar a época de plantio, refinar os tratos culturais e cuidar com muita atenção dos processos de colheita e pós-colheita do alimento.

Sendo assim, trabalhar com metas conservadoras e “pé no chão” nos permite sermos mais assertivos na evolução do rebanho e evitar que menos “furos” aconteçam na realidade da fazenda.

Um dos alimentos mais consumidos pelas vacas leiteiras é a silagem de milho. Sua utilização ocorre em praticamente 100% dos confinamentos na pecuária leiteira e compõe entre 40% e 50% da dieta. Essa representatividade já aponta o impacto que a qualidade da silagem produzida é capaz de ocasionar no resultado da fazenda. Imagine a repercussão de longo prazo que uma silagem ruim, com pouco amido e baixa degradabilidade, por exemplo, pode causar no rebanho.

Os prejuízos envolvem não somente a necessidade de recorrer mais a alimentos externos para complementar a baixa qualidade da silagem, o que aumenta o custo alimentar, mas também na provável queda de desempenho dos animais em produção de leite, reprodução e saúde. O mesmo raciocínio é válido para rebanhos em pastagens de baixa qualidade. Ou então ocorre de até a pastagem estar em boas condições, mas se o manejo dos animais em pastejo não estiver alinhado, de nada adianta. Quanta responsabilidade e quanto dinheiro estão contidos num planejamento alimentar!

Considerações – Garantir a precisão durante o planejamento da fazenda leiteira é um dos pontos- chave para o sucesso da atividade. Definir de forma clara e criteriosa o objetivo da propriedade e utilizar ferramentas confiáveis para assegurar o percurso é uma ótima estratégia. Com a evolução do rebanho e o planejamento alimentar dos animais é possível projetar e vislumbrar o futuro com os pés no presente. Produzir leite de qualidade com eficiência é uma arte.

*Médico veterinário e técnico da Equipe Leite Grupo Rehagro

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