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Criação de gado Gir Leiteiro é uma “questão afetiva”, que remete às lembranças de infância de Resende

VISÃO DE MERCADO

Aposta na verticalização para

valorizar produção de leite A2

Tradicional na seleção e criação de gado Gir Leiteiro na região centro-oeste de Minas, a Fazenda Grotadas A2A2 optou por processar sua própria produção

João Carlos de Faria

Há dez anos, a Fazenda Grotadas, localizada em Santo Antônio do Monte, no centro-oeste de Minas Gerais, começou a selecionar seu rebanho visando produzir leite do tipo A2. O projeto foi ampliado e, há dois anos, a fazenda foi rebatizada como Grotadas A2A2, pois toda a produção passou a ser desse tipo de leite, com média diária atual de 1.000 litros.

A falta de incentivo da indústria, no entanto, que não tem nenhuma remuneração extra pelo leite A2, levou o proprietário Tomáz de Aquino Resende a optar pela verticalização da sua produção e, para isso, já investiu cerca de R$ 500 mil na instalação de um laticínio e uma queijaria. A meta é pasteurizar e envasar parte da produção e, com o restante, fabricar manteiga e queijos de vários tipos para agregar valor ao produto.

Resende é um entusiasta do leite A2 e tem convencido outros produtores a aderir a essa linha de produção. A história começa quando, em um leilão realizado em Uberaba (MG), sentou-se à mesma mesa de Resende o criador de Gir Leiteiro Eduardo Falcão de Carvalho, da Estância Silvania, referência nacional da raça e uma das primeiras propriedades a focar no leite A2 como produto estratégico no mercado. “Ele me passou um texto sobre o assunto que me despertou para essa possibilidade”, afirma Resende.

A Fazenda Grotadas A2A2 – nome que remete à profusão de grotas naturais ou que foram cavadas pelos primeiros ocupantes da área onde está localizada, para dividir fazendas e pastos – surgiu há mais de 200 anos, quando várias famílias, dentre elas os “Resendes”, chegaram por lá.

Foi nesse lugar que nasceu o atual proprietário, herdeiro de uma área de 7 hectares e que posteriormente adquiriu partes dos irmãos e mais 60 hectares de um vizinho, que já havia pertencido à família, somando 120 hectares.

Formado em Direito e ex-promotor de Justiça, Resende foi retireiro e motorista do caminhão que puxava o leite de cinco fazendas da vizinhança, na época em que ainda realizava seus estudos na universidade. “Tenho uma história bem sólida e antiga na produção de leite. Nossa família sempre sobreviveu dessa atividade. Aprendi a tirar leite com seis anos”, conta.

Hoje, mesmo atuando como advogado no escritório em Belo Horizonte, invariavelmente de quinta-feira a domingo pode ser encontrado na propriedade, uma prova de que mesmo com o passar dos anos nada conseguiu afastá-lo de duas das suas maiores paixões: o gado Gir Leiteiro e a pecuária de leite, heranças, aliás, que também vieram do pai, José Resende Gontijo, que comprou seu primeiro touro Gir na década de 1960.

O interesse pelo Gir Leiteiro aumentou a partir de 2002/2003, quando ele começou a frequentar Uberaba para visitar exposições especializadas e comprar animais. O primeiro lote de vacas Gir foi adquirido do criador Roberto Dias de Carvalho, mas depois vieram de outras fazendas, como Calciolândia, Brasília e da Estância Silvania. “Fiz um bom plantel de Gir Leiteiro”, conta. Posteriormente, passou pelo Girolando, “por uma questão de mercado”, mas retornou ao Gir que faz parte das suas lembranças de infância. “É uma questão afetiva.”

Falta de incentivo da indústria levou Resende a investir na verticalização; a esposa, Elzira Resende, vai tomar conta da queijaria

O processo de verticalização – A seleção de animais para a produção de leite A2 resultou em um rebanho 100% A2A2 de alta produtividade. Entre as suas matrizes, algumas chegam a 10 mil litros por lactação, mas a média é de 4 mil a 5 mil litros/ano.

“Comecei a fazer vacas meio-sangue com minhas matrizes e realmente consegui um gado muito bom, com boa produtividade”, afirma.

Hoje o rebanho da fazenda é de 180 vacas, sendo a metade em idade reprodutiva, das quais 60 em lactação. Toda sua produção é vendida a uma empresa da região, à qual a família está vinculada há mais de 60 anos, mas que, ao ser procurada por Resende, na tentativa de negociar algum valor extra pelo leite A2, a resposta não foi a esperada, possivelmente pela necessidade de manter uma estrutura específica para o processamento do A2.

“Disse a eles que o leite tinha um diferencial, por ser um produto de maior digestibilidade, que não causa desconforto a quem tem alergia ou intolerância à beta-caseína A1, mas eles não demonstraram interesse”, afirma.

Verticalizar foi então o caminho encontrado por Resende para agregar valor ao seu produto. “Sempre gostei de inovar e decidi processar o meu leite e colocá-lo diretamente no mercado”, conta. A ideia se tornou realidade com a montagem do laticínio e da queijaria, nos quais investiu entre R$ 350 mil e R$ 500 mil, visando o mercado da própria região onde está localizada a fazenda.

Atualmente, segundo o produtor, a receita e a despesa da fazenda empatam, mas com verticalização a expectativa é ter um superávit, a ser gerado pelo lucro de 100% sobre o preço do litro processado, o que equivale hoje a um valor final de R$ 5 a R$ 6. Para estimular o consumo nesse mercado, ele contratou uma agência de comunicação que vai veicular uma campanha regional, destacando as qualidades do leite A2.

O processo de formalização do laticínio está prestes a se concluir e, com isso, estará apto a comercializar o leite pasteurizado, a manteiga e o queijo minas artesanal que pretende produzir. A iniciativa também estimulou a implementação do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) em Santo Antônio do Monte, que participa agora de um consórcio regional, sediado em Bom Despacho, o que vai beneficiar outros produtores locais.

O laticínio tem capacidade de processamento de 5 mil litros de leite/dia, mas inicialmente ficará restrito a apenas uma parte da produção, já que Resende pretende manter o vínculo com a indústria até que seu produto se consolide. A gerência da empresa está sob a responsabilidade de sua esposa, Elzira Maria Costa Resende, com quem está casado há 38 anos, tendo um casal de filhos e dois netos.

“Quero começar pequeno, comercializando aqui mesmo na região, onde já há um mercado com mais de 90 mil habitantes”, explica. Para isso, adquiriu um veículo refrigerado e estuda a possibilidade de fazer entregas domiciliares na região. “Seria uma saudável volta ao passado, com o leite e laticínios frescos sendo entregues na porta das casas”, diz.

Segundo ele, a tendência é de que haja uma valorização cada vez maior do leite A2. “Num prazo máximo de uns dez anos, só teremos esse tipo de leite, porque não tem lógica fornecer um produto que possa causar desconforto a uma parte dos consumidores. Acho um absurdo que o Estado e a própria indústria não trabalhem para acelerar esse processo, pois temos como entregar qualidade simplesmente selecionando os animais A2A2”, resume.

 

Sustentabilidade – Na Fazenda Grotadas A2A2, a inovação também inclui práticas de sustentabilidade, que Resende começou a adotar desde que decidiu investir na geração de energia fotovoltaica para reduzir seus custos.

Com isso, economiza na conta de luz da propriedade cerca de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil por mês. As 140 placas também foram instaladas em estacas de 4 metros, sob as quais as vacas esperam com mais conforto a hora da ordenha.

Além disso, o gás que aquece a água utilizada na higienização da sala de ordenha e de outras instalações vem de um biodigestor, que fornece também o biofertilizante para os pastos. Já a água utilizada no laticínio é levada para uma estação de tratamento de efluentes que ele construiu na fazenda e depois serve para irrigar a capineira que alimenta o gado.

TENDÊNCIA DA VERTICALIZAÇÃO É CRESCENTE

O diretor de projetos industriais e gestão de qualidade da empresa Gestão Láctea, Sinval Pereira da Silva, responsável pelos estudos de viabilidade do negócio e pelo projeto da indústria do grupo, afirma que há quatro anos, quando teve início o processo, a identificação do nicho de mercado e o potencial de consumo do produto ainda não tinham muitas referências em termos comparativos.

Mesmo assim, todos os estudos realizados levaram à verticalização, tendo a montagem da agroindústria como a primeira opção. “Como apareceu a oportunidade de adquirir uma unidade já existente na região, isso se tornou mais viável e, a partir daí, fomos fazendo as adequações que contemplassem os objetivos do grupo”, revela.

Quanto ao mercado, Silva entende que o foco deverá ser mesmo os grandes centros, como capitais e regiões metropolitanas, onde está o consumidor com maior poder aquisitivo, possibilitando alcançar um preço que apresente uma boa margem de lucro. “A tendência de verticalização é crescente e já trabalhamos em vários projetos de produtores do leite A2, que, por ser um segmento muito específico, tem nessa opção a melhor forma para agregar valor”, afirma.

Sinval P. da Silva: Eu diria que, quando o produtor verticaliza, ele tem condições de oferecer uma qualidade muito melhor, pois tem o controle sobre a matéria-prima, garantindo a procedência do produto

A solução tem sido buscada também, segundo Silva, porque, em geral, entre outros fatores, para a indústria ainda não é viável trabalhar ao mesmo tempo com o beneficiamento dos leites tipo A1 e A2, uma vez que neste último não pode haver de forma alguma qualquer resquício do primeiro, o que exige um fluxo diferenciado, com custo maior na operação.

“Eu diria, por outro lado, que, quando o produtor verticaliza, ele tem condições de oferecer uma qualidade muito melhor, pois tem o controle sobre a matéria-prima, que pode, inclusive, ser processada logo depois da ordenha, garantindo a procedência do produto.” O próprio fluxo da produção, o tempo de permanência na propriedade e a logística do transporte até a indústria influenciam nessa qualidade final, mas a proximidade com os grandes mercados consumidores é um fator que também precisa ser considerado.

Fortalecimento dos pequenos produtores – A reunião de produtores, assim como ocorreu com o grupo da região de Luz, é uma solução que ele considera muito saudável, mesmo que o processo seja mais simplificado ou limitado à capacidade de investimentos dos produtores. “Conheço muitos deles, com produção de 1.000 a 2.000 litros/dia, que conseguem montar uma agroindústria e agregar o valor almejado ao seu produto, utilizando as diversas linhas de crédito existentes no mercado”, diz.

No caso do grupo mineiro, no que se refere à agregação de valor, Silva afirma que a produção passará a ser vendida ao próprio laticínio, o que trará uma boa vantagem, com o aumento da margem de lucro em média de 30% sobre o que recebem hoje da indústria, sem nenhum incentivo a mais pelo fato de ser leite A2.

Laticínio adquirido com investimento de R$ 8 milhões, para o funcionamento da Agroindústria Vital A2, em Luz (MG)

GRUPO SE UNE PARA TER SEU LATICÍNIO E PROCESSAR
A PRÓPRIA PRODUÇÃO DE LEITE A2

 

Um grupo de 14 pessoas, entre produtores e investidores, trabalha há quatro anos para impulsionar o negócio do leite A2 na região que compreende os municípios de Luz, Dores do Indaiá, Estrela do Indaiá, Bom Despacho, Abaeté, Pompéu e Lagoa da Prata. Pela importância dessa iniciativa, o grupo recebeu até mesmo o incentivo do ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, produtor no município de Pedro Leopoldo.

Um de seus idealizadores é o médico João Dario Ribeiro, que tem propriedade em Luz, onde produz 2 mil litros/dia. Além dele, fazem parte do grupo outros seis médicos, que viram na verticalização não só a oportunidade de valorizar o leite A2, como também a possibilidade de oferecer algo saudável à sociedade e atender a um nicho de mercado promissor.

“Sabemos que hoje predomina o leite que mistura a beta-caseína A1 e a beta-caseína A2, mas no futuro provavelmente vamos ter só o A2, porque a diferença é muito grande, pois suas vantagens são a maior digestibilidade e a ausência de sintomas que incomodam, além de ser muito mais rico em ômega 3, aspectos que precisam ser valorizados”, explica Ribeiro.

Investimento – A ideia inicial era construir um laticínio, mas surgiu a oportunidade de adquirir uma unidade já montada no próprio município de Luz, levando o grupo a optar pela compra, com investimento inicial de R$ 8 milhões. A previsão é de que a Agroindústria Vital A2, como foi batizada, entre em funcionamento em seis meses, com prazo previsto de sete anos para o retorno do investimento, na hipótese mais pessimista.

O grupo produz hoje entre 15 mil a 20 mil litros/dia, mas a capacidade do laticínio atinge 50 mil litros, sem previsão de quanto tempo se levará para alcançar esse limite ou se serão aceitos fornecedores além dos próprios empreendedores.

Uma das condições definidas entre os sócios, conforme explica Ribeiro, é a garantia de que a produção virá exclusivamente de vacas A2A2, das raças Gir Leiteiro ou Girolando. “Queremos ter essa confiabilidade do mercado, sabendo que o nosso produto é genuinamente A2”, ressalta Ribeiro.

Inicialmente, o mix a ser colocado no mercado vai constar de leite pasteurizado, alguns tipos de queijo, manteiga e outros produtos fabricados exclusivamente com o leite A2. O mercado-alvo ainda é objeto de estudo. “Estamos nesse ponto crítico, buscando empresas parceiras para colocar nosso produto nas prateleiras”, afirma.

O produtor diz que a ideia inicial é envasar uma parte do leite pasteurizado, com a vantagem de preservar melhor suas características nutritivas, mas com a desvantagem de ter uma vida útil muito mais curta, ou então utilizar o processo UHT ou ainda a ultrafiltração, que, neste momento, segundo ele, ainda não é viável.

João Dario Ribeiro: Queremos ter essa confiabilidade do mercado, sabendo que o nosso produto é genuinamente A2

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