balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite

 Ao analisar a trajetória dos preços praticados em cada segmento da cadeia produtiva, a primeira lição que os dados nos apresentam é que produtores e varejo melhoraram suas margens, entre janeiro e dezembro de 2022″

As lições de 2022

A maioria das pessoas com quem tenho conversado concorda que parece que 2022 não terminou. Afinal, o conflito Ucrânia e Rússia ainda está aí, com suas consequências, e conflitos entre setores da sociedade brasileira, também. Mas toda atividade econômica demanda reflexões sobre o passado recente, para que possamos aprender com o vivido e retirar lições. No caso do setor leiteiro, que lições ficam sobre 2022?

Todos sabemos que no mundo do leite, cada ano é um ano. Mas 2022 foi o que os economistas chamam de ponto fora da curva, porque foi muito diferente de todos os anos anteriores. Comecemos pelo segmento de varejo. Ali é que é feita a captura plena de valor pelo setor. Em 2022, o consumidor deixou R$ 170 bilhões nos caixas de supermercados, padarias e lojas de conveniência, adquirindo leite e derivados.

Viver no Brasil em 2022 ficou mais caro 5,8%, de acordo com o IPCA, calculado pelo IBGE, que é a medida oficial da inflação brasileira. E o custo da alimentação ficou bem mais caro e atingiu 13,2%. Todavia, quando analisamos a variação de preços pagos pelos consumidores para leite e derivados, chegamos a uma elevação de 22,1%. Com razão, o leite Longa Vida acabou se transformando em vilão da inflação em 2022, pois seus preços subiram 26,1%, ou o dobro da variação do custo da alimentação das famílias e mais do que quatro vezes mais que o custo de vida.

Como o leite é um bem essencial para as famílias, houve inegável impacto na renda das pessoas mais pobres, que reclamaram muito. Por que o leite está caro? Esta foi uma das dez consultas mais frequentes, feitas ao Google em 2022. Eu também decidi fazer. A resposta é tão evasiva que, por ali, nada se conclui. Então, resolvi investigar.

Comecemos pelo preço que os laticínios vendem para o varejo. O Cepea/USP faz, juntamente com a OCB, um levantamento de preços muito confiável no mercado atacadista. E o que os dados mostram é que o ano terminou com os laticínios vendendo leite Longa Vida com preços onerados em 17,8% para os supermercados, em dezembro, se comparados aos preços de janeiro. Portanto, o preço do leite Longa Vida subiu mais no varejo (26,1%) que no atacado (17,8%).

Os dados do Cepea/USP mostram que os preços pagos aos produtores por litro de leite entregue nos laticínios cresceram 16,5% entre janeiro e dezembro. Como os laticínios venderam Leite Longa Vida para os supermercados a um preço que variou 17,8% em doze meses, é possível afirmar que os laticínios mantiveram suas margens no final do ano, em relação ao início de 2022.

Cabe, então, avaliar os custos de produção de leite. A Embrapa Gado de Leite criou o ICPLeite/Embrapa, um índice para acompanhar a evolução dos custos e desde 2006 vem acompanhando a evolução mensal dos preços dos itens necessários para se produzir leite. Portanto, o ICPLeite mede a inflação do produtor de leite, de modo semelhante ao IPCA, que mede a inflação do consumidor de leite.

Em 2022, os custos de produção cresceram somente 1,0%. O principal motivo foi que a alimentação não pressionou os custos, no acumulado do ano. Além disso, ainda tivemos queda dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. Tudo isso praticamente anulou a elevação dos custos de mão-de-obra, dos minerais e dos itens de higiene, limpeza, remédios e sêmen.

Ao analisar a trajetória dos preços praticados em cada segmento da cadeia produtiva, a primeira lição que os dados nos apresentam é que produtores e varejo melhoraram suas margens, entre janeiro e dezembro de 2022. Isso não significa que os produtores tiveram margens folgadas, já que os custos estavam em patamares muito elevados desde antes da pandemia, enquanto os preços não acompanhavam os custos, que cresciam mais rápido. Portanto, os produtores repuseram perdas acumuladas anteriormente. Já o varejo alargou ainda mais suas margens, dado o seu poder de barganha frente ao dos laticínios.

Os laticínios não aumentaram sua participação no bolo da receita do setor. O que fizeram foi repassar os custos para o varejo, sem ganhar ou perder margens. Já o consumidor, que se acostumou a ver os preços do leite e derivados subirem menos que a inflação, dessa vez foi surpreendido com o comportamento altista, pesando no seu bolso.

A segunda lição que fica é que o setor de laticínios não soube coordenar a cadeia produtiva de modo a evitar solavancos. No primeiro semestre, a oferta de leite pelo produtor veio caindo mês a mês, porque a rentabilidade da produção estava em patamares muito desfavoráveis. Portanto, a escassez estava evidenciada.

Mas, quando em junho, o IBGE divulgou que a oferta de leite pelos produtores tinha recuado 10% em doze meses, os laticínios dobraram os preços aos produtores, um patamar irrealista, e reduziram continuamente os preços a partir daí. Esta gangorra foi nefasta. Criou euforia seguida de desânimo no produtor, numa etapa da evolução em que previsibilidade é fundamental, para que os investimentos e produtividade ocorram. Que 2023 seja de menos instabilidade, é o que todos desejamos.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?