A pecuária leiteira em Mato Grosso tem sofrido com o mesmo problema que afeta outras regiões do País: a cada ano, muitos produtores, principalmente os pequenos pecuaristas que não souberam se reinventar e buscar novas ideias, acabam deixando a atividade em razão dos baixos resultados que tornam inviável sua permanência na atividade.
Para fazer frente a essa situação e oferecer aos produtores de leite mato-grossenses a chance de sobreviver e ainda poder crescer no leite, há a iniciativa do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso (Senar-MT): a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG). Ela consiste num modelo de prestação de serviços continuada, fundamentada em cinco passos: diagnóstico produtivo individualizado; planejamento estratégico; adequação tecnológica; capacitação profissional e avaliação sistemática de resultados.
“Entendemos que produtor de leite bem assistido tenha mais possibilidade de se manter no campo. É uma atividade muito lucrativa quando é feita com profissionalismo e assistência técnica especializada. Isso contribui para que o pecuarista faça o manejo, utilize as técnicas e práticas corretas e, assim, permaneça na atividade. Uma vez que a fazenda começa a dar resultado e a aumentar, consideravelmente, a sua eficiência, produzindo mais leite, com dinheiro no bolso, o produtor conserva a família e as futuras gerações no campo”, avalia Francisco Olavo Pugliesi de Castro, popularmente conhecido como Chico da Pauliceia, superintendente do Senar-MT.
Segundo ele, a instituição oferta mais de dez treinamentos específicos para a cadeia produtiva da bovinocultura de leite. Dentre estes, o Manejo de Gado Leiteiro em quatro módulos: conteúdo básico; manejo nutricional; manejo sanitário; controle zootécnico e reprodutivo. “Nosso objetivo, aqui no Senar-MT, é fomentar a ATeG de modo geral, principalmente na cadeia produtiva do leite. Toda solicitação de ATeG de leite que chegar ao Senar-MT será atendida conforme os mínimos requisitos.”
Chico da Pauliceia ressalta também que o setor da produção de leite recebe uma atenção especial da instituição. Apesar de não ser o que mais contribui com a instituição, é o que mais recebe da entidade, por uma questão social. “Isso significa que a pecuária leiteira tem à disposição mais cursos e assistência técnica, pois entendemos que o pequeno produtor precisa ter apoio irrestrito para poder permanecer na atividade com lucro.”
Por sua vez, o coordenador da Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), Armando Urenha, aponta também uma iniciativa bastante interessante feita pela instituição, chamada Senar Tec 200, Senar Tec 500 e Senar Tec 1.000, na qual as propriedades que produzem abaixo de 200 litros de leite por dia entram em um check list, que traça seu perfil (diagnóstico) e a ATeG junto com o produtor estabelece um plano de ações e o orienta para que sua propriedade, cumprindo os requisitos estabelecidos, atinja a meta produção de 200 litros de leite por dia. “Essa propriedade tem até dois anos para se adequar e implementar as mudanças recomendadas no planejamento. Se ela atingir as metas antes, passa para uma próxima fase. São dois anos porque o Senar- MT não tem como ficar por três, quatro, cinco anos atendendo a mesma fazenda se ela não sair daquele patamar inicial. Ou seja, a palavra que existe na assistência técnica é desenvolvimento, então as propriedades que não se desenvolvem não têm por que continuar no programa”, pontua Urenha.
Para ele, cabe aos responsáveis pela assistência técnica descobrir o motivo de essas fazendas não estarem se desenvolvendo. E aí vem a ação de um técnico de campo, para auxiliar esse produtor a colocar as recomendações técnicas em prática. “Já estamos montando esse caminho, ou seja, ele tem esse check list de entrada para se adequar, e se atendê-lo e atingir os 200 litros de leite/dia, está preparado para chegar aos 500 litros/dia. Daí a gente consegue atender esse produtor por mais três anos. Cumprindo o check list de 500 litros/leite/dia, ele continua para o patamar de produzir até 1.000 litros de leite por dia”, explica Urenha, acrescentando que se esse produtor estiver satisfeito com 180, 220 litros de leite/dia, fica por conta dele, “porque nós cumprimos nosso papel, conseguimos atendê-lo e fazer com que chegasse aonde queria”, diz o coordenador da ATeG.
É sabido que a cadeia produtiva do leite de Mato Grosso tem um longo caminho a percorrer para alcançar os grandes players do setor (MG, RS, PR, SC e GO), visto que o Estado vem caindo de posição no ranking nacional de produção. Atualmente figura na 10ª posição entre os maiores produtores de leite, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o levantamento, as vacas do Estado produzem, em média, 1.637 litros por ano por cabeça, volume 35% menor que a média nacional.
Dentre as causas dessa situação, na avaliação do coordenador da ATeG, está o gargalo da baixa qualificação e disponibilidade de mão de obra, cuja alta rotatividade traz muitos problemas à propriedade leiteira. Some-se a este fato o agravante da também baixa qualificação de muitos produtores, que começam a desenvolver um trabalho para melhorar sua atividade, mas não dão continuidade ou porque não conseguem, não se adequam ou porque não estão realmente preparados para fazer mudanças técnicas para evoluir na produção leiteira.
Segundo Urenha, a baixa escolaridade e conhecimentos dos pecuaristas criam dificuldades para que absorvam uma nova metodologia totalmente diferenciada daquilo que eles têm até o momento, já que a ATeG é um programa novo que exige a superação de certas práticas inadequadas e até mesmo atitudes para evoluir em eficiência, produtividade e qualidade do leite na propriedade. Isso acaba dificultando o trabalho dos técnicos. Acresce-se a isso a falta de padronização dos atendimentos, que é um dos grandes problemas enfrentados também. Muitas propriedades estão fora do perfil da grande maioria das propriedades leiteiras e, se fossem em outros Estados, nem seriam considerados produtores de leite.
“A baixa qualidade do leite é totalmente desmotivadora, mas são coisas que a gente tem como superar. A logística dos produtores, a entrega em tanques coletivos, etc. Ou seja, temos muitas situações difíceis, porém todas são corrigíveis, não há nenhum gargalo que não possamos solucionar. O único impacto que foge do nosso alcance é o valor da remuneração que o produtor recebe pelo leite, assim como o valor que o produtor paga pelos insumos, que aumentaram de 600% até 800% do último ano para cá. Então, o produtor acaba se confundindo na hora de fazer as contas e é aí que entra o papel da ATeG, para auxiliá-lo na mensuração desses custos”, diz o coordenador do programa.
O casal de produtores Lenildo Lopes Felizardo e Vilma Ribeiro Sério Lopes, de Itiquira (MT), estava prestes a deixar a produção leiteira devido às inúmeras dificuldades que estava enfrentando, até a época que entrou no programa do Senar-MT. De acordo com a produtora, seu marido entrou na atividade leiteira firmando uma sociedade que não teve muito sucesso, e, para não se desfazer daquilo que já tinha conquistado, o casal decidiu romper com a parceria.
“No início, a gente tirava cerca de 170 litros de leite/dia, de 14 vacas. A ideia era tirar leite e deixar uma boa parte do rebanho descansando. Não pesávamos o leite nem dávamos o trato correto aos animais”, lembra Vilma Lopes. Ela recorda também que no Sítio Sonho Meu era “boca livre” para todos os animais. Nessa época, eles possuíam uma pequena reserva de dinheiro, que, com o tempo, foi secando, e logo surgiram as dificuldades.
“Buscando encontrar um caminho melhor para a atividade, a gente começou a visitar os produtores vizinhos, a escutar pessoas que já faziam parte do Senar/ATeG, até que fomos indicados a um técnico, o Leonardo Alves de Freitas, que fez uma visita à nossa propriedade e nos convidou a fazer parte do programa. Foi aí que toda a história mudou de rumo. Naquele momento a produção de leite era pouca, mas em contrapartida os custos eram maiores ainda.”
Ela relata que logo no começo ocorreu uma revolução na fazenda. Antes de a ATeG entrar em cena, a ordenha era realizada manualmente, debaixo de sol e chuva, tanto que nem conheciam o potencial dos animais. A partir de então, ela e o marido começaram a mensurar a produção de leite, a adequar o trato dos animais, separando o rebanho em lotes. Ou seja, cada lote começou a receber alimento de acordo com a produção. E aí tudo foi se modificando e, tempos depois, começaram a usar a inseminação artificial e hoje fazem IATF e têm a confirmação da situação reprodutiva das vacas com o ultrassom.
Além disso, o técnico da ATeG os orientou a dividirem a pastagem em piquetes para trabalharem no sistema de pastejo rotacionado. Também recomendou a utilizarem a cultivar BRS Capiaçu para a produção de silagem, dada a velocidade de crescimento, alta produção e bom valor nutritivo. “Depois, com a orientação dos técnicos do Senar/MT, construímos o barracão e instalamos uma pequena sala de ordenha para facilitar o serviço. Tudo isso com recursos do leite, nada de financiamento, e conseguimos também a instalação de nosso tanque resfriamento”, destaca a produtora do Sítio Sonho Meu.
Ela conta que, desde a primeira visita do técnico Leonardo Freitas, foi estabelecida uma meta para a propriedade atingir os 500 litros/leite/dia em um ano, com a mesma quantidade de animais, 28 vacas em lactação, só que em apenas dez meses o objetivo foi alcançado e superado, com a marca de produção de 640 litros/dia.
“Ainda temos muito serviço pela frente. Nossa fazenda é pequena, somente 20 hectares que ainda estão sendo preparados para suportar o nosso rebanho. Hoje, gastamos muito com arrendamento e com insumos para alimentação. Devido a essas dificuldades, tivemos que baixar um pouco a produção de leite, pois estava saindo muito cara. Porém, mantemos nossa meta: atingir os 1.000 litros/leite/dia; conseguir produzir o próprio alimento nesses 20 hectares, e melhorar a genética do rebanho”, planeja Vilma Lopes.
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