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LEITE EM NÚMEROS

Glauco Rodrigues Carvalho

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

Aumento das importações e a competitividade brasileira

O importante é criar um ambiente de negócios que dê aos produtores condições de competir internacionalmente, em condições semelhantes

A cadeia produtiva do leite tem enfrentado desafios conjunturais e estruturais importantes. Esses desafios são oriundos de uma pressão por competitividade advinda de outros países no mercado internacional e que tem influenciado a disponibilidade de lácteos no mercado brasileiro e, consequentemente, os preços. Por causa do diferencial de preço entre o mercado doméstico e o internacional, as importações brasileiras de leite e derivados cresceram e voltaram a ganhar espaço nas discussões setoriais e na pauta do setor lácteo brasileiro.

No primeiro trimestre do ano, de acordo com as mais recentes estatísticas do IBGE de leite inspecionado, verificou-se uma queda de 1,2% da produção, na comparação com igual período de 2022. No entanto, ao incluir os dados de balança comercial, onde tivemos uma importação maior que a exportação, a disponibilidade interna total registrou incremento de 4,8%, com elevação de 3,8% na disponibilidade per capita. As importações permitiram aumento da oferta doméstica de lácteos em 2023, mesmo em um cenário de retração de produção. Se, pelo lado do consumidor, essa é uma boa notícia, pela ótica do produtor de leite é preocupante, já que maior oferta deprime preços.

De janeiro a maio de 2023, o volume de importação atingiu 851 milhões de litros-equivalente, cerca de 9% da produção brasileira no período (Figura 1). Foi o maior volume de importação dos últimos 20 anos para os meses de janeiro a maio. Historicamente, as importações brasileiras ficam em torno de 4% a 5% da produção mensal, mas atingiu 10% em maio (Figura 2).

O Brasil possui inúmeras vantagens na produção de leite, como a disponibilidade de terra e água, clima favorável, tecnologia dominada, alta competitividade em insumos importantes na produção como milho e soja, e uma diversidade de sistemas de produção que garante maior flexibilidade frente a cenários adversos de preços de insumos. Apesar dessas vantagens, o País continua sendo um importador líquido de lácteos, com um déficit de quase meio bilhão de dólares em 2022.

A maior parte das importações é oriunda da Argentina, seguida do Uruguai. Como são países membros do Mercosul, não há tarifação nas compras brasileiras. As importações estão ocorrendo por uma dificuldade brasileira por competitividade. Além disso, os problemas macroeconômicos argentinos e a necessidade de receita em dólares têm estimulado as exportações do país vizinho, com preços menores que dos produtos equivalentes brasileiros. Enquanto o queijo muçarela está em torno de R$ 23/quilo na Argentina, no Brasil está no patamar de R$ 30/kg, no mercado atacadista. O mesmo ocorre no leite em pó industrial, com preços argentinos cerca de 20% a 25% menores que os brasileiros.

Dentro da porteira, o leite argentino também é mais competitivo. Em uma comparação histórica, o preço do leite pago ao produtor na Argentina está em média 25% abaixo do preço no Brasil. No Uruguai esse diferencial está em torno de 16%. Essa maior competitividade decorre de uma série de fatores. Um deles é a própria desvalorização do peso, que torna os produtos Argentinos relativamente mais baratos. Mas existe maior eficiência na produção, melhor qualidade do leite e maior densidade produtiva, que tornam esses países mais competitivos que o Brasil. Aqui, há fazendas e laticínios com eficiência superior à da Argentina, podendo ser inclusive referência global. Mas são exceções à regra, pois o predomínio em número de produtores é o uso menos intensivo de tecnologia e menor produtividade na produção de leite.

A produtividade média por vaca na Argentina é de 7.570 litros/vaca no ano. Das 558 microrregiões brasileiras, apenas duas superam aquele país: Limeira (SP) e Ponta Grossa (PR). Na primeira microrregião temos a maior fazenda de leite do Brasil e na segunda temos o munícipio de Castro, polo dinâmico de inovação na produção e conhecida como a Capital Nacional do Leite.

A produtividade da mão de obra também é inferior no Brasil. Enquanto um trabalhador brasileiro ordenha, em média, cerca de 50 litros de leite por hora, na Argentina varia de 130 a 170 litros/hora.

A escala de produção também é bem superior na Argentina: há 10 mil produtores, com uma média de 153 vacas por fazenda, mas com 50% delas com mais de 250 vacas. A produção média diária das fazendas é de 3 mil litros, o que também reduz o custo de captação e aumenta a competitividade industrial. A indústria de laticínios argentina também é mais consolidada do que no Brasil, usufruindo de economias de escala, menor custo de transporte e melhor poder de negociação.

O setor lácteo brasileiro segue convivendo com antigos problemas, a despeito das melhorias importantes na estrutura produtiva e tecnológica em curso. O País ainda possui o desafio de aumentar a eficiência e a competitividade na produção de leite. As mudanças necessárias para alterar esse quadro possivelmente acarretarão um movimento de consolidação no setor, tanto em laticínios quanto em produtores, aumentando suas escalas de operação.

Em alguns casos específicos, há opções em agregação de valor, como em queijos, especialmente os artesanais. Isso possibilita alternativas para produtores e laticínios que operem em escalas menores. O desafio que se coloca é oferecer leite e derivados com qualidade e preço acessível para a população brasileira. Igualmente importante é criar um ambiente de negócios que dê aos produtores condições de competir internacionalmente, em condições semelhantes – de infraestrutura, acesso a tecnologias, tributação e políticas públicas – àquelas observadas em outras importantes regiões produtoras do planeta.

Coautores: Samuel Oliveira, pesquisador da Embrapa Gado de Leite; Maria Souza Lima Arantes, graduanda em economia na UFJF

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