balde branco

"Vejo que devemos aproveitar essa variável que veio para ficar, pois quem compra leite passa a medir GEE cada vez mais para se engajar. No entanto, sabemos das dificuldades do setor, pois mais de 50% dos produtores de leite não fazem nem a escrituração zootécnica. Logo, como é que a gente vai medir a pegada de carbono?"

ENTREVISTA

Luiz Gustavo Pereira

Baixo carbono é lucratividade, preservação do meio ambiente e bem-estar animal

Médico-veterinário e doutor em ciência animal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Gustavo Pereira possui pós-doutorado pela University of Wisconsin-Madison (EUA). Além disso, é especialista em leite baixo carbono, atuando como pesquisador pela Embrapa Gado de Leite, com formação e doutorado na área de ciência animal com foco em nutrição de ruminantes. Pereira atua há cerca de sete anos na avaliação de alimentos e exigências nutricionais e se especializou na formulação de dietas visando a menor excreção de potássio e nitrogênio e menor emissão de GEE. Nessa jornada aprendeu as tecnologias para nutrir animais de alta produção e também se especializou em meio ambiente, utilizando a tecnologia para gerar dados em favor da maximização da produção com o mínimo impacto ambiental.

Erick Henrique

Balde Branco –

Balde Branco – Qual o balanço das pesquisas a respeito das emissões de GEE oriundas da pecuária no Brasil, visto que geralmente só recebemos informações e estudos de instituições de fora do país?
Luiz Gustavo Pereira – A geração de dados massiva de quanto uma vaca ou boi brasileiro emite de CO2 na atmosfera iniciou-se em 2012, mas somente em 2020-2021 começaram a ficar prontas as primeiras equações estabelecidas com dados nacionais. Portanto, hoje, a gente consegue predizer o quanto os animais estão emitindo com dados nacionais. Nesse meio tempo também testamos, avaliamos e desenvolvemos aditivos, testando técnicas de mitigação e adaptação animal. Foram anos de pesquisas, de muito investimento público, e a gente vê nos últimos dois anos todo esse esforço chegando ao campo. Atualmente existem programas de multinacionais que compram leite no Brasil que bonificam o produtor que participa desses projetos de produção de leite de baixo carbono.

BB – Como conscientizar o pecuarista brasileiro sobre a importância de produzir leite baixo carbono, quando a grande maioria luta para continuar na atividade, enfrentando desestímulos com o preço do leite, entre outros desafios?
LGP – O Brasil é muito grande. Temos produtores dos mais diversos tipos e pecuaristas que não conseguiram vencer as barreiras técnicas para ter uma produção eficiente. Por outro lado, há produtores mais avançados e tecnificados. O recado que deixo nesse sentido é que o produtor eficiente, que aplica as técnicas e, às vezes, mesmo com o preço baixo do leite pago, consegue produzir e se manter na atividade, tende a ter a menor pegada de carbono na fazenda. A gente do agro é um pouco reativo quanto a essas questões, mas, com todos esses anos de pesquisas, fica muito nítido que a variável pegada de carbono do leite está relacionada com lucratividade, preservação do meio ambiente e bem-estar animal. Explico: uma fazenda que preserva a floresta retém mais água e possui mais inimigos naturais de algumas pragas. Retendo mais água, a lavoura produz mais e, produzindo em abundância, existem mais alimentos e, consequentemente, a vaca vai produzir mais, ficando mais forte, com menos doenças, além de melhorar a eficiência reprodutiva. Tudo isso vai refletir na pegada de carbono e tudo isso está relacionado ao bolso do produtor. Portanto, vejo que devemos aproveitar essa variável que veio para ficar, pois quem compra leite passa a medir GEE cada vez mais para se engajar. No entanto, sabemos das dificuldades do setor, pois mais de 50% dos produtores de leite não fazem nem a escrituração zootécnica. Logo, como é que a gente vai medir a pegada de carbono?

BB – A agropecuária é responsável por 33,6% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE), sendo 19% vindas da fermentação entérica. Que estratégias o produtor de leite deve adotar para reduzir as emissões de GEE na propriedade?
LGP – Primeiro é preciso ser eficiente, procurar uma assistência técnica. Atualmente alguns laticínios que compram a matéria-prima oferecem consultoria. Sabemos que geralmente são os maiores produtores que têm acesso à melhor assistência técnica, mas existem inúmeros casos de sucesso para pequenos e médios, vide o programa Balde Cheio (no Sudeste), o programa PISA (Programa de Produção Integrada em Sistemas Agropecuários), do Rio Grande do Sul, com milhares de famílias sendo beneficiadas. Desse modo, observamos que a melhoria da eficiência do produtor passa pela adoção das tecnologias que já existem no país e depende muito de extensão rural, que talvez seja a maior ferramenta para reduzir a pegada de carbono do leite. Isso é muito importante, tanto que temos produtores que hoje entregam o leite para os maiores laticínios, que são muito eficientes. A gente fez pesquisas na Embrapa Gado de Leite que mostram que algumas empresas compram leite de propriedades que têm uma pegada de carbono menor do que a média registrada nos EUA. Aliás, para cada produtor, temos uma ação específica para reduzir a pegada de carbono. Mas, se a propriedade não tem o básico, o certo é começar pelo manejo alimentar, reprodutivo, calendário sanitário, que são medidas que impactarão positivamente a vida das pessoas e na pegada de carbono. Já o grande produtor vai usar tecnologias mais refinadas, está no ponto de lançar estratégias mais específicas para redução de GEE, por exemplo, investindo em aditivos nutricionais comercializados com esse propósito.

BB – A Embrapa tem algum estudo que comprova o plantio de árvores como estratégia para se alcançar o leite carbono zero?
LGP – Esses mais de 20 anos de pesquisas da Embrapa envolvem o desenvolvimento e a avaliação de estratégias de mitigação. A gente faz avaliações de balanço e a árvore pode ser uma opção, mas temos os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o plantio de florestas para a compensação, utilizada como fonte de sequestro de carbono, tomando cuidado e com planejamento, pois, se queimarmos essa árvore, estaremos gerando GEE. Vale informar que a árvore tende a estabilizar o acúmulo de carbono; logo, chega um ponto em que ela pode estar emitindo. O ser humano sempre quer buscar uma fórmula mágica, um milagre, mas não tem. Portanto, é necessário entender a fazenda como um todo, visto que é um conjunto de ações que vai fazer com que a propriedade possa ser uma fazenda carbono neutro. Essa neutralidade pode ser conquistada com o plantio de árvores, muitas delas nativas, mas é preciso ter muito critério e procurar quem sabe para ajudar a tomar essas decisões.

BB – Qual a importância de cuidar bem do manejo do solo para favorecer o sequestro de carbono na atmosfera?
LGP – Acho que isso é um ponto-chave. Fizemos recentemente um seminário com os mais diversos atores do setor lácteo, no qual usamos um jogo de palavras sobre os pontos que devemos trabalhar na fazenda e apareceu em primeiro lugar a saúde do solo. O solo é uma entidade que tem vida e, quando o produtor diversifica as culturas, cuida da parte física, vai aumentar a produção e a retenção de água. Dessa forma, a saúde do solo está intimamente relacionada com o sucesso da fazenda e muitas vezes adotamos técnicas que não são conservacionistas. Acho que na pecuária leiteira a adoção de práticas conservacionistas (plantio direto, plantio de multiespécies) é um caminho a ser trilhado e que vai trazer impactos muito positivos para bovinocultura de leite. Então, solo saudável e vivo é produção, animais com saúde e produzindo muito e o bolso do produtor cheio.

 


 

O Brasil é referência em genética, principalmente zebuína e de cruzamentos. Por isso, a adoção de genética superior é uma estratégia muito eficiente para redução de metano”

 


 

BB – Em 2021, a Nestlé e Embrapa Gado de Leite iniciaram uma ampla pesquisa e desenvolvimento, com duração de três anos, para as primeiras fazendas de produção de leite Net Zero e baixo carbono no país. Fale um pouco sobre essa iniciativa e seus resultados em fazendas com diferentes sistemas de produção e biomas.
LGP – A Nestlé é uma parceira da Embrapa Gado de Leite. Gostamos de falar que somos uma empresa brasileira de pesquisa; logo, não temos preferência em trabalhar com qualquer companhia. O laticínio começou um trabalho pioneiro com a instituição, mas também temos conversas bem adiantadas com todos os laticínios, como, por exemplo, a Danone e Lactalis, que já possuem programas de redução de carbono. Então, procuramos trabalhar juntos. Essas empresas são multinacionais e recebem um pacote para avaliação de pegada de carbono no Brasil, que talvez não seja o mais adequado, mas, com todos esses dados gerados a partir das nossas condições, a Embrapa consegue dar amparo para essas companhias fazerem um cálculo mais realístico, dado nosso trabalho de muitos anos de pesquisas. Temos mostrado através da Nestlé que, adotando uma ferramenta oriunda de uma exigência da Suíça, passando a usar um banco de dados nacional, conseguimos observar pegadas de carbono 30% menores, em média, usando informações mais apropriadas para as nossas produções. E, com isso, essas empresas começam a bonificar o produtor.

BB – De que maneira a tecnologia pode auxiliar o produtor a fazer o tratamento e destinação de dejetos, visto que o manejo inadequado de resíduos pode causar prejuízos ambientais incalculáveis?
LGP – O manejo de dejetos não tem um peso tão grande na pegada de carbono, mas quando o produtor investe, racionaliza o uso de dejetos, separando materiais sólidos, fermentando os resíduos líquidos, fazendo a fertilização da lavoura, a parte sólida volta também como um componente sólido, melhorando a física do solo. É o que falamos anteriormente sobre a importância de ter solo vivo, pois isso garante mais produção e, por consequência, a redução da pegada de carbono por diluição do gás metano. Então é um ponto estratégico para se trabalhar na fazenda, embora, por exemplo, quando você opta por instalar um biodigestor, isso vai ter um impacto de no máximo 7% na redução de carbono, mas, em médio e longo prazo, a repercussão na transformação da propriedade é muito grande.

BB – Qual o impacto dos programas de melhoramento genético na redução da emissão de metano entérico das principais raças leiteiras?
LGP – Trabalhamos há mais de 40 anos com os programas de melhoramento das raças Gir Leiteiro, Girolando, Jersey e Holandês em parceria com as associações. Esses programas são antigos e a questão das emissões de metano ainda não era avaliada, mas, com a geração desse banco de dados, com base sobre esse animal criado em condições brasileiras, a gente estima o quanto ele produz de metano. Aliás, avaliamos qual seria o impacto dos programas de melhoramento brasileiro na intensidade de emissão. E o que seria isso? É a emissão por kg de leite produzido. E vimos que a vaca Girolando apresenta valores próximos a 38% da intensidade de emissão, ou seja, produz muito mais metano, contudo produz muito mais leite. Então se diluiu essa proporção, mostrando que a gente precisa de menos vacas para produzir mais leite. Hoje, o Brasil é referência em genética, principalmente zebuína e de cruzamentos. Por isso, a adoção de genética superior é uma estratégia muito eficiente para redução de metano. Aliás, realizamos uma meta-análise mostrando que a uma vaca melhoradora reduz 38% a emissão e aumenta em 98% a produção. Por isso, vamos reduzir a pegada de carbono. Não é só por estar na moda, mas porque ela está relacionada à eficiência de produção. Na raça Holandesa, que vem de um processo muito antigo, o impacto da intensidade de redução é menor, mas é superior a 20%. Logo, a genética é uma ferramenta importantíssima para produção de leite baixo carbono no Brasil.

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