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LEITE EM NÚMEROS

Glauco Rodrigues Carvalho

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

O setor lácteo nacional ainda deverá conviver com déficit na balança comercial por alguns anos, mas existem boas perspectivas para a reversão desse cenário

Balança comercial de leite: importações voltam a crescer

Ao contrário de outros setores do agronegócio, o setor lácteo brasileiro é historicamente importador líquido de leite e derivados. Ou seja, as importações são maiores que as exportações. Ao longo de várias décadas tem sido observado que, em momentos de escassez interna e consequentemente elevação dos preços domésticos, a importação de leite aumenta. A origem é predominantemente de países do Mercosul, como Argentina e Uruguai, com os quais temos acordo de comércio e livre de tarifação. Por outro lado, em momentos de excesso de oferta, os preços internos recuam fortemente, afetando a rentabilidade dos produtores e desincentivando investimentos.

Nesses períodos, o Brasil aproveita alguma oportunidade de exportação, mas de maneira incipiente, já que não tem tradição de participar do mercado internacional de lácteos. Assim, o setor vive com alta variação de preços e oferta de produtos, gerando dificuldades na gestão de risco da atividade.

Em 2021, o Brasil gerou um saldo comercial de US$ 61,2 bilhões considerando todos os setores da economia. Contabilizando apenas o agronegócio, esse saldo comercial chega a US$ 87,8 bilhões. Isso porque o agronegócio possui um superávit maior do que a média da economia brasileira, que tem muitos setores com elevadas importações. O resultado positivo no comércio exterior do Brasil se deve ao agronegócio. Mas dentro do agronegócio também existem alguns setores com desempenho mais fraco na balança comercial, como o caso dos lácteos. Mas isso não quer dizer que o setor não seja relevante para a economia brasileira, apenas que ainda não se internacionalizou totalmente. O setor lácteo tem elevado faturamento, alta geração de riqueza e possui um papel estratégico na nutrição das famílias brasileiras.

No ano de 2021, a balança comercial de leite e derivados fechou com um déficit de US$ 377,7 milhões de dólares. Em equivalente litros de leite, o Brasil importou 1,023 bilhão de litros e exportou 142,62 milhões de litros, fechando com um saldo negativo de 881,34 milhões de litros. Esse foi o volume de leite que entrou, em termos líquidos, no País no ano passado.

Já em 2022, o início do ano foi marcado por baixa importação. Todavia, o cenário está se alterando e o volume de importação começou a crescer já em maio. Uma forma de analisar esses dados é calcular a corrente de comércio, ou seja, o que importamos de leite mais o que exportamos de leite e ver a participação desses dois indicadores no total (Gráfico).

A corrente de comércio mostra que a participação das importações no total da balança de lácteos é predominante. Em média, entre 2000 e 2021 a importação representou cerca de 70% da corrente de comércio de lácteos. As exportações foram maiores apenas entre 2004 e 2008, quando uma conjunção de fatores levou o Brasil a ser um exportador líquido de lácteos. Naquele momento, os preços internacionais estavam elevados e adversidades climáticas fizeram a produção recuar em importantes exportadores, como Nova Zelândia, União Europeia e Argentina. Mas já em 2009 a situação se reverteu novamente.

Nos primeiros sete meses de 2022, as importações representaram 79,4% da corrente de comércio de lácteos do Brasil. Em abril, houve a menor participação, de 62,7%, até atingir 89% no mês de julho, impulsionada pela valorização do leite no mercado interno e maior competitividade do produto importado. Os dados preliminares de agosto indicam que as importações vão crescer ainda mais neste mês, sustentadas por um preço internacional mais baixo, preço no Brasil mais alto e safra na Argentina. Historicamente, o terceiro trimestre é o período de maior importação de lácteos, aproveitando a sazonalidade de alta na produção da Argentina e a transição no Brasil do período de entressafra para início da safra.

Em termos de origem, Argentina e Uruguai representaram 64,1% e 25% do valor das importações de lácteos em 2022 até julho, respectivamente. O restante foi de importações de maior valor agregado, vindas de países europeus e dos Estados Unidos, principalmente. As importações de lácteos foram basicamente dos produtos tradicionais, como leite em pó e queijos, que, juntos, representaram 81,5% do valor comprado. Soro de leite em pó e gorduras lácteas basicamente compuseram o restante das importações (Tabela).

Se por um lado o ambiente para importações foi ficando mais favorável no decorrer de 2022, para as exportações a situação foi diferente. A valorização do leite a partir de maio, o menor preço internacional e a volatilidade cambial praticamente minaram qualquer tentativa de colocar e manter um volume mais expressivo de leite no mercado externo. Surgiram oportunidades de negócios com maior volume nos meses de fevereiro e abril, mas foram vendas pontuais.

No acumulado dos sete meses de 2022, leite em pó e queijos representaram 54,5% do valor exportado. Também houve vendas menos expressivas de leite condensado, creme de leite e manteiga, agregando valor ao leite brasileiro. O principal comprador do Brasil foi a Argélia, que adquiriu 22,6% do que vendemos ao exterior em lácteos. Mas houve uma presença do Brasil em diversos outros mercados, como Chile, Argentina, Uruguai, Venezuela, Estados Unidos e Paraguai, entre outros.

O setor lácteo nacional ainda deverá conviver com déficit na balança comercial por alguns anos, mas existem boas perspectivas para a reversão deste cenário. A China tem se mostrado cada vez mais dependente de importação de lácteos. Outros países asiáticos e africanos estão na mesma situação e tendem a ter seu consumo e importação elevados nos próximos anos. O Uruguai está se estruturando para ter uma presença mais constante na China e já perfaz cerca de 4% das importações chinesas de leite em pó integral.

Esse movimento do Uruguai ilustra a importância de um planejamento de longo prazo em comércio externo, mapeando ameaças e oportunidades junto ao gigante asiático.

Além de avançar em questões sanitárias e certificações de unidades fabris, é importante construir credibilidade, com regularidade de oferta e qualidade do produto pretendida. Em termos de produção, sabe-se que diversos países exportadores possuem dificuldade em expandir a oferta, seja por limitação de área ou porque já atingiram um padrão de produtividade das vacas bastante elevado. A pecuária leiteira brasileira tem feito investimentos e buscado a inovação, garantindo crescentes ganhos de escala, qualidade e eficiência na produção. A mudança de variáveis de oferta e demanda no mercado mundial, aliada às mudanças observadas na produção nacional, poderão gerar oportunidades à cadeia de lácteos nacional, integrando a produção brasileira aos mercados globais.

Coautor: Samuel Oliveira – Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

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