balde branco

LEITE EM NÚMEROS

Glauco Rodrigues Carvalho

Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

“O setor lácteo nacional ainda deverá conviver com déficit na
balança comercial
por alguns anos, mas existem boas
perspectivas no
cenário global
deste mercado”

Balança comercial tem melhor resultado desde 2015

O Ministério da Economia divulgou os dados finais da balança comercial brasileira. Da publicação pode-se analisar o comércio exterior do País e de setores específicos, como o agronegócio e o leite, em particular. No caso do leite, o ano de 2021 trouxe o melhor resultado desde 2015, tanto em volume quanto em valor. Sem dúvida, o resultado ficou bem melhor na comparação com o ano anterior, mas ainda existe um longo caminho pela frente, já que o setor continua deficitário.

Em 2021, o Brasil gerou um saldo comercial de US$ 61,2 bilhões, considerando todos os setores da economia. Contabilizando apenas o agronegócio, esse saldo comercial cresce para US$ 87,8 bilhões, o que mostra que o resultado positivo da balança comercial brasileira se deve ao desempenho do agronegócio. Ou seja, os demais setores, excetuando o agronegócio, possuem saldo negativo.

Mas dentro do agronegócio também existem alguns setores com desempenho mais fraco na balança comercial, caso dos lácteos. Mas isso não quer dizer que o setor não seja relevante, apenas que ainda não se internacionalizou totalmente. O setor lácteo tem elevado faturamento, alta geração de riqueza e possui um papel estratégico na nutrição das famílias brasileiras. Isso porque, no grupo de alimentos, os lácteos são o segundo setor mais importante nos gastos das famílias, atrás apenas das carnes.

No ano, a balança comercial de leite e derivados fechou com um déficit de US$ 377,7 milhões ante um valor de US$ 471,3 milhões em 2020, ou seja, uma economia de US$ 93 milhões (Figura 1). Em equivalente litros de leite, o Brasil importou 1,023 bilhão de litros e exportou 142,62 milhões de litros, fechando com um saldo negativo de 881,34 milhões de litros. Esse foi o volume de leite que entrou, em termos líquidos, no País no ano passado. Em 2020, esse volume foi de 1,237 bilhão de litros.

Esse resultado da balança comercial menos deficitária ocorreu por diversos motivos, alguns internos, outros externos. Externamente, a elevação do preço internacional dos lácteos acabou colocando uma certa barreira à entrada de leite no Brasil, dando maior competitividade ao leite doméstico. O leite em pó integral fechou 2021 com média de US$ 3.843/tonelada, o que representa uma alta de 29% sobre o preço de 2020, de acordo com o leilão da plataforma Global Dairy Trade.

Além dessa elevação de preços no exterior, houve ainda uma desvalorização de 4,6% do real frente ao dólar na mesma comparação. Um terceiro motivo, que também ajudou, foi o fato de que países como Argentina, que é nosso principal fornecedor de lácteos, estavam com o foco em outros mercados.

Mas existe outra razão interna que teve grande influência no resultado da balança comercial: a demanda mais fraca. A subida da inflação e o alto desemprego acabaram corroendo a renda das famílias. Dados do IBGE sobre o rendimento real médio do trabalhador brasileiro mostram uma retração de 11,3% no salário no terceiro trimestre de 2021 em comparação com o terceiro trimestre de 2020. Em um ambiente de pouco consumo, baixa rentabilidade da importação e volatilidade cambial, tomar a decisão de importar lácteos não era uma opção simples. E acabou que essa desaceleração nas importações reduziu a disponibilidade de leite no mercado interno e colocou um certo piso nos preços. Caso contrário, o cenário de rentabilidade do produtor seria ainda mais complicado.

As importações de lácteos foram basicamente dos produtos tradicionais, como leite em pó e queijos, que, juntos, contribuíram com 80,5% do valor comprado. Soro de leite em pó e gorduras lácteas compuseram o restante das importações (Figura 1). Em termos de mercado, 89,3% das compras brasileiras foram oriundas de Argentina (55,3%) e Uruguai (34%). O restante foram importações de maior valor agregado vindas de países europeus e Estados Unidos, principalmente.

Mas, se por um lado o contexto para importar não foi favorável, para as exportações a situação foi um pouco diferente. Apesar de vendermos ainda pouco volume ao exterior, as exportações de lácteos cresceram. Surgiram oportunidades de negócios com leite em pó e queijos, que, juntos, contribuíram com 46% do valor exportado. Mas também houve vendas de leite condensado, creme de leite, leite modificado e manteiga, agregando valor ao leite brasileiro. O principal comprador do Brasil foi a Argélia, que adquiriu 23% do que vendemos ao exterior em lácteos. Mas houve uma presença do País em diversos outros mercados, como Chile, Venezuela, Estados Unidos e Rússia, entre outros.

O setor lácteo nacional ainda deverá conviver com déficit na balança comercial por alguns anos, mas existem boas perspectivas no cenário global deste mercado. A China tem se mostrado cada vez mais dependente de importação de lácteos. Outros países asiáticos e africanos estão na mesma situação e tendem a ter seu consumo e importação elevados nos próximos anos. Por outro lado, vários países exportadores possuem dificuldade em expandir a produção, como o caso dos vizinhos Argentina e Uruguai, mas também de tradicionais produtores e exportadores, como Nova Zelândia e Austrália. Portanto, oportunidades devem aparecer no comércio global de lácteos e o Brasil tem feito investimentos na direção correta, buscando ganhos de escala, qualidade e eficiência na cadeia produtiva do leite.

Coautor: Denis Teixeira da Rocha – Chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Gado de Leite

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?