O cenário para a bovinocultura de leite em 2021 está repleto de incertezas. Variáveis como recuperação econômica, manutenção de programas sociais, câmbio e uma possível segunda onda de contaminação de covid-19 devem influenciar diretamente o consumo e a demanda de produtos lácteos.
A estiagem prevista nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul – que representam 79,6% da produção nacional de leite –, em função do fenômeno climático La Niña, também poderá trazer impactos sobre a oferta de leite, em razão da menor disponibilidade ou qualidade do volumoso.
As previsões foram divulgadas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) no documento “Balanço 2020 e Perspectivas 2021”.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) estima que a produção brasileira de leite crescerá apenas 1,3% em 2021. O valor conservador se justifica em função da alta nos custos da alimentação do rebanho e da grande possibilidade de abate de matrizes em função do alto preço da arroba.
A projeção de aumento nos custos de produção – puxado pelos preços dos grãos utilizados na ração concentrada – tende a manter as margens da atividade comprimidas, em especial no primeiro semestre, antes da entrada da safrinha de milho e da entressafra de leite.
“O início de 2021 será muito desafiador. A única certeza que todos temos é de que nossos custos de produção continuarão tão altos ou mais do que foram no ano passado. A previsão é de seca ainda mais intensa em algumas áreas, safras de soja e milho atrasadas e, em grande parte, já comercializadas a preços elevados. A pandemia não dá sinais de recuo e existe uma total incerteza quanto ao mercado”, reconhece o presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, Ronei Volpi.
Outro fator que chama a atenção diz respeito a uma possível demanda interna reprimida, dadas as atuais perspectivas econômicas e o fim do auxílio emergencial. Com um menor consumo, a tendência é de que o preço pago pelo litro de leite ao produtor não seja atrativo como foi em 2020.
“Com preços reduzidos e um possível aumento do custo de produção, o poder de compra do produtor acaba diminuindo e alternativas de curto prazo, como o aumento de descarte de vacas, podem virar uma alternativa de receita, ainda mais se o atual momento do mercado de carne bovina se mantiver”, afirma o assessor técnico da CNA, Thiago Rodrigues.
No cenário internacional, a expectativa é de que a produção mundial de leite permaneça com taxas de crescimento modestas e a demanda por produtos lácteos se mantenha constante em razão da diminuição das compras chinesas.
Nessa conjuntura, o mercado pode reagir de forma a recuar as cotações internacionais dos principais produtos lácteos. Assim, as exportações brasileiras em 2021, apesar de atrativas em razão do câmbio, tendem a permanecer modestas, visto que o preço interno dos derivados lácteos nacionais continua descolado da média internacional.
Por outro lado, Rodrigues alerta que as importações podem afetar o setor de lácteos no próximo ano, caso a oferta de leite no mercado doméstico se retraia devido aos fatores climáticos e do desestímulo ao produtor por parte dos custos com a atividade.
As poucas perspectivas positivas que existiam no início de 2020, como aumento da demanda com as sinalizações de retomada da economia e a possibilidade de um cenário de importação de lácteos controlado – tanto pela taxa de câmbio adversa como também por um quadro de preços internacionais pouco atrativos – foram alteradas com a reviravolta desencadeada pela pandemia a partir de março.
Passada a fase de compras para estocagem, momento em que o leite UHT e o leite em pó deram um salto em seus patamares de preços, ao mesmo tempo em que os queijos tiveram uma queda considerável em suas cotações, o setor voltou a se alarmar com as indefinições promovidas pela pandemia.
Com o fechamento dos principais canais de comercialização, os laticínios menores, principalmente aqueles que produziam queijos, tiveram dificuldades de vender seus produtos. Além disso, derivados lácteos de alto valor agregado apresentaram queda significativa no consumo no início da pandemia.
A volatilidade dos preços do leite pagos ao produtor, somada aos aumentos de custos, resultaram em queda de 29% da margem bruta da atividade no primeiro semestre, segundo dados do Projeto Campo Futuro – iniciativa da CNA em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e o Cepea/Esalq/USP.
Com a liberação do auxílio emergencial, já no mês de maio os preços dos derivados lácteos começaram a se valorizar de forma mais incisiva, atingindo seu pico em setembro. Nesse período, o preço do leite em pó fracionado aumentou 44,2%, o do queijo muçarela 77,2%, e o do leite UHT, 46,5%, de acordo com números do Cepea/Esalq/USP.
Para o produtor de leite, a elevada volatilidade de preços pagos pelo litro, acentuada pela redução na oferta de leite por reflexos da pandemia, por condições climáticas desfavoráveis e por uma alta atratividade em descartar animais devido aos bons preços da arroba, dificultou a gestão da atividade.
Conforme Rodrigues, até o mês de novembro, em valores deflacionados, o preço médio líquido acumulou alta de 29,6% (Cepea/Esalq/USP) no ano, fator que isoladamente seria um forte incentivo à produção de leite. Mas, em paralelo ao bom cenário de preços, o produtor enfrentou o desafio de gerenciar seus custos de produção, principalmente aqueles relacionados à alimentação concentrada do rebanho.
“Com preços de milho e soja elevados graças ao aumento das exportações brasileiras desses insumos e também do aumento do consumo interno de outras atividades de produção animal, o gasto com concentrado, que normalmente consome entre 35% e 45% da receita da atividade, afetou as margens dos produtores”, explica ele. “O ano de 2020 foi extremamente atípico e imprevisível. Em um primeiro momento houve baixa nos preços pagos ao produtor e, na sequência, fruto da demanda aquecida, tivemos aumento nos preços dos produtos lácteos e dos valores recebidos pelos produtores. Por outro lado, enfrentamos períodos de seca sem precedentes em regiões produtoras e custos de produção altos. Uma coisa anulou a outra”, resume Volpi.
Balança comercial – Em termos de disponibilidade interna, a balança comercial de lácteos em 2020 operou com baixa atratividade para as importações, principalmente no primeiro semestre, tendo em vista que os valores crescentes a partir de julho culminaram em um aumento moderado de 6,4% no volume importado de janeiro a outubro em comparação com igual período do ano passado.
Para o assessor técnico da CNA, o indicador demostra que a indústria optou por trabalhar preferencialmente com matéria-prima nacional, pois o câmbio e os preços internacionais limitaram as importações.
“No panorama da disponibilidade interna de lácteos, a estimativa é de que a produção brasileira continue o seu movimento de crescimento retomado em 2018, após três anos consecutivos de queda, e feche 2020 com algo em torno de 1,5% a 2% a mais no volume de leite produzido”, aponta Rodrigues.
Quanto às exportações, a desvalorização do real aumentou a competitividade das proteínas brasileiras, levando a recordes em valor (US$). De janeiro a outubro de 2020, houve alta de 33,61% nos valores e de 30,7% em volume exportados de lácteos quando comparados a igual período de 2019.
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