
É preciso que o produtor tenha em mente que os aspectos relacionados à saúde animal e à saúde humana sempre remetem à saúde única

PREVENÇÃO
Biosseguridade
na pecuária leiteira
Trata-se de um conjunto de normas e procedimentos que visam prevenir a introdução e reduzir a circulação de agentes infecciosos em um sistema de produção
Bruno Marinho Mendonça Guimarães*
Por definição, o termo biosseguridade é conhecido como um conjunto de normas e procedimentos que visam prevenir a introdução e reduzir a circulação de agentes infecciosos em um sistema de produção. Tais medidas garantem não somente a saúde animal, mas também a saúde pública como um todo, uma vez que ambas as áreas são interdependentes, indissociáveis e fazem parte de um mesmo ecossistema sanitário, que é a saúde única.
A título de conhecimento, biosseguridade e biossegurança são termos semelhantes, mas não sinônimos, sendo geralmente empregados de forma inadequada. A biosseguridade refere-se à saúde animal, enquanto a biossegurança, por sua vez, remete à saúde humana. Por mais que haja essas diferenças, o que realmente importa, no fim, é o objetivo único e igualitário de ambos os termos, que é o de garantir o equilíbrio saudável da tríade epidemiológica ambiente, agente e hospedeiro.
Implementar e assegurar processos com biosseguridade é um ponto fundamental na pecuária leiteira. Afinal, qualquer variação capaz de desestabilizar a tríade epidemiológica possui grande potencial para comprometer o desempenho dos animais e, como consequência, os resultados financeiros e econômicos da propriedade.
Biosseguridade desde as fases iniciais de vida das bezerras
Por se tratar de uma área importante que envolve riscos biológicos, a biosseguridade deve ser abordada com cuidado e atenção, desde as fases iniciais de vida dos animais.
Um exemplo clássico é o de limpeza, desinfecção e vazio sanitário das instalações das bezerras em aleitamento. A cada vez que uma bezerra é desmamada ou deixa o aleitamento por motivos que não o desmame, o recomendado é que o local onde essa bezerra estava passe por um processo rigoroso de limpeza e desinfecção, ficando sem receber novos animais durante um determinado período, cumprindo o vazio sanitário.

Recomenda-se limpeza, desinfecção e vazio sanitário das instalações das bezerras em aleitamento. Na foto, bezerreiro tropical
Outro exemplo bastante presente na rotina das fazendas leiteiras é o de limitar o acesso de pessoas externas ao setor das bezerras. Caso não haja esse controle, maior é o risco de as pessoas levarem agentes patogênicos externos aos animais jovens, podendo desequilibrar a saúde e desenvolver surtos de doenças e distúrbios, como diarreia, por exemplo.
O ideal é que somente as pessoas e os colaboradores que lidam rotineiramente com as bezerras tenham contato com elas. No entanto, não basta apenas limitar o acesso ao setor. Outras medidas mais rigorosas podem e devem ser aplicadas, como é o caso da limpeza, higiene e desinfecção das botas dos colaboradores, por serem potenciais meios de veiculação de microrganismos de outros setores da fazenda.

Realização de exame de tuberculose
CONTROLE DO REBANHO E DA ENTRADA DE ANIMAIS EXTERNOS À FAZENDA
Várias são as propriedades que optam pela estratégia de compra de animais para aumentar e evoluir o rebanho. Entretanto, um ponto que nem todas essas fazendas que optam por essa estratégia é cumprido é a pesquisa e a identificação de animais portadores de agentes patogênicos específicos, causadores de doenças extremamente relevantes, como é o caso de brucelose, tuberculose, tripanossomose e mastite por Staphylococcus aureus, por exemplo.
Brucelose e tuberculose são importantes zoonoses que possuem um regulamento federal de controle e erradicação, conhecido como Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (PNCEBT). Todos os animais já presentes no rebanho da fazenda devem ser monitorados para as duas zoonoses com uma frequência mínima de uma vez ao ano. Além disso, todos os animais adquiridos de fora da propriedade também devem ser monitorados para brucelose e tuberculose antes de entrarem em contato com o rebanho local.
Vale ressaltar que é possível prevenir a brucelose com vacinação e, logo, a recomendação é a de que os animais adquiridos sejam, além de testados e negativados, vacinados. Aqueles indivíduos reagentes e positivos nos exames de brucelose e tuberculose devem deixar o rebanho o mais rápido possível, para que não infectem os demais.
A tripanossomose bovina consiste em uma doença que teve o seu primeiro relato descrito no Brasil por volta da década de 1970, sendo que nos últimos anos vem apresentando um número crescente de notificações, talvez pela maior abrangência de diagnóstico nos rebanhos e conscientização dos produtores. Essa enfermidade é veiculada principalmente pelo uso compartilhado de materiais perfurocortantes entre um animal portador/doente e um animal saudável, como agulhas, por exemplo, e pelo repasto de insetos hematófagos, como moscas e mutucas.
A sua ocorrência geralmente se dá na forma de surtos, levando a prejuízos extensos aos animais e à propriedade. Construindo uma estimativa da magnitude dos prejuízos, surtos de tripanossomose em um rebanho possuem potencial de reduzir a produção de leite entre 40% e 60% de forma excessivamente rápida, sendo que a taxa de mortalidade fica por volta de 10% a 20%.
O uso compartilhado de agulhas de ocitocina é extremamente eficiente na veiculação do Trypanossoma vivax, agente causador da tripanossomose bovina. Logo, fazendas que fazem o uso de ocitocina nas vacas devem optar pelo uso individualizado de agulhas e seringas. Sabendo da agressividade da doença e das suas principais formas de disseminação, ficam mais claras as decisões que devem ser tomadas para aumentar a biosseguridade em relação à tripanossomose, além da realização do exame de identificação do patógeno, caso o rebanho seja suspeito.

Uso de luvas para ordenha das vacas (Fazenda Barreiro Alto, cliente Grupo Rehagro)
SAÚDE DA GLÂNDULA MAMÁRIA, QUALIDADE DO LEITE E BIOSSEGURIDADE
Outro ponto de grande atenção no momento da compra de animais e que comumente passa despercebido é a realização de cultura microbiológica do leite das vacas para identificar patógenos contagiosos causadores de mastite, como é o caso do Staphylococcus aureus. A mastite causada por esta bactéria não é responsiva a tratamentos e é capaz de acometer grande parte do rebanho, caso nada seja feito, devido ao seu caráter contagioso. Além de prejudicar a saúde dos animais, as vacas infectadas produzirão menos leite, sendo também um leite de menor qualidade.
Conforme comentado há pouco, é de grande importância o monitoramento das vacas por meio de cultura microbiológica do leite quanto a possíveis infecções por Staphylococcus aureus na glândula mamária. No entanto, esse monitoramento não se resume apenas aos animais oriundos de compra e ao agente S. aureus.
O ideal é que a fazenda possua processos padronizados de acompanhamento da saúde da glândula mamária de todas as vacas do rebanho, monitorando casos específicos (pós-parto, presença de grumos, CCS elevada, etc.) por meio de cultura microbiológica do leite para identificação de patógenos relevantes (S. aureus, Streptococcus agalactiae, Mycoplasma spp., etc). É essencial que tais processos sejam elaborados corretamente e seguidos à risca, no intuito de evitar que determinado agente patogênico saia do controle, aumente sua taxa de infecção e comprometa a saúde e o desempenho dos animais.
A biosseguridade no setor de ordenha não para por aí. É importante pensarmos também na integridade dos ordenhadores. Uma ação de grande relevância e impacto, tanto na saúde humana quanto na saúde animal, é o uso de luvas por parte dos colaboradores responsáveis. Além de evitar a disseminação de patógenos contagiosos presentes nas mãos dos ordenhadores para as vacas, as luvas também evitam que determinadas zoonoses sejam transmitidas aos humanos, como é o caso da varíola bovina. O contato das mãos desprotegidas dos ordenhadores com as possíveis lesões cutâneas específicas da doença presentes nos tetos de vacas infectadas podem transmitir o vírus causador da enfermidade.
Considerações – Garantir a biosseguridade é um dever de todos – independentemente da atividade desenvolvida, o conceito de biosseguridade sempre deve estar presente na mente de todos, pois os aspectos relacionadas à saúde animal e à saúde humana sempre remetem à saúde única. Ou seja, desequilíbrios na saúde animal podem interferir na saúde humana e vice-versa. Biosseguridade e biossegurança andam lado a lado.
Olhando para pecuária leiteira porteira adentro, ações que garantem a biosseguridade do rebanho sempre devem estar em foco, desde os animais mais jovens até os mais velhos. A biosseguridade jamais deve ser negligenciada e não deve ser compreendida simplesmente como um conjunto de medidas que transmitem um ambiente de “garantia legal” para a fazenda. Um plano de biosseguridade bem pensado e implementado é uma segurança a mais de que os animais terão condições mais favoráveis de expressarem bons desempenhos, retornando melhores resultados para a fazenda.
