
1º Fórum Nacional do Leite, dias 12 e 13 de julho, em Brasília, debateu políticas públicas e questões de mercado e gestão para o setor

1º FÓRUM DO LEITE
Brasil tem potencial para liderar
produção mundial de lácteos
Nos cinco anos de criação da Abraleite e nos 50 anos do Sebrae, especialistas e representantes da cadeia do leite discutiram os caminhos para o País ocupar o topo da produção mundial e impulsionar as exportações de lácteos
Elisete Toneto
A cadeia produtiva do leite é o segmento que mais gera empregos no Brasil e está presente em 98% dos municípios brasileiros, movimentando R$ 170 bilhões por ano. No posto de terceiro maior produtor de leite do mundo, com mais de 34 bilhões de litros produzidos por ano em 1,2 milhão de propriedades, o Brasil tem potencial para alcançar, em um futuro próximo, o topo do ranking no mercado externo. É o que apontam especialistas do setor.
Para avaliar esse potencial, desafios, mercado e novas perspectivas para o leite nacional, a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) promoveu, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o 1º Fórum Nacional do Leite e a Feira de Queijos Artesanais, dias 12 e 13 de julho, na sede do Sebrae Nacional, em Brasília (DF). Com o apoio do Banco do Brasil, o evento festejou duas datas: os cinco anos da Abraleite e os 50 anos do Sebrae.
Com casa cheia, o primeiro dia do fórum debateu políticas públicas em prol da valorização da produção leiteira e de apoio aos produtores brasileiros. Já o segundo dia abordou questões técnicas de gestão e de mercado para nutrir da melhor informação quem acredita no leite e planeja crescer em um cenário cada vez mais globalizado e competitivo.
Ao dar as boas-vindas aos participantes do fórum, o presidente da Abraleite, Geraldo Borges, afirmou que o Brasil precisa ampliar o mercado exportador de lácteos. “O Brasil é um grande consumidor de lácteos, temos também que ser grandes exportadores, mas precisamos ajustar muita coisa. Queremos que o Brasil seja reconhecido não só como o terceiro maior produtor de leite, mas também como uma cadeia produtiva organizada e unida, capaz de exportar e trazer mais dignidade para todos”, frisou.
Borges também ressaltou a importância do fórum para debater políticas públicas. “Reunimos dois ministros, além de outras grandes lideranças e entidades. Essas entidades nos ajudam, mas precisam ser cobradas para continuar ajudando. E o evento é uma oportunidade para discutir e debater tudo o que o setor precisa em termos de políticas públicas”, disse.
Quando à mudança de status, de Brasil importador para exportador de leite, o presidente afirmou que existe um longo caminho a percorrer. “Precisamos avançar não só em protocolos com mais países, mas também comunicar melhor o agro, trabalhar o ‘custo Brasil’, que afeta o preço final, e a competitividade, para que os produtos brasileiros possam concorrer com grandes players do mercado global de lácteos, como Nova Zelândia e Estados Unidos”, adiantou.
Com raízes fortes no leite, o dirigente fala com gosto do trabalho à frente da Abraleite e da proximidade com todos os elos da cadeia produtiva, instituições, entidades e órgãos do governo. “É somando forças que vamos trilhar novas conquistas, organizar a cadeia e trazer mais dignidade e renda para que o produtor siga colocando o leite na mesa de brasileiros. Temos o compromisso de levar o leite nacional às mesas de consumidores do mundo inteiro”, ressaltou Borges.
“Leite é vida! Melhor ainda com a Abraleite. E o Brasil pode ser o maior produtor mundial. Basta vontade política dos governos. Essa é uma questão de política social, alimentar”, assegurou o presidente nacional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Melles, ao falar sobre o potencial do leite nacional. Ele reconheceu ainda a atuação da Abraleite como entidade representativa e citou iniciativas do Sebrae em prol do pequeno produtor. “O pequeno produtor pode ser grande no sentido da excelência. Ele pode ter poucas vacas com produtividade grande. E isso faz diferença”, completou.
O painel Políticas Públicas, no primeiro dia do fórum, teve ainda a participação dos ministros Marcos Montes (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Joaquim Leite (Meio Ambiente); do presidente da Embrapa, Celso Moretti; do presidente do Banco do Brasil, Fausto Ribeiro, e dos ex-ministros da Agricultura Alysson Paolinelli, que foi homenageado, e Roberto Rodrigues, que destacou a riqueza e o potencial do agro brasileiro (ambos no formato virtual).

Geraldo Borges: “A Abraleite quer que o Brasil seja reconhecido não só como o terceiro maior produtor de leite, mas também como uma cadeia produtiva organizada e unida, capaz de exportar e trazer mais dignidade para todos”

Carlos Melles: “O pequeno produtor pode ser grande no sentido da excelência. Ele pode ter poucas vacas com produtividade grande. E isso faz diferenças”

Marcos Montes: “Os produtores entregam o leite aos laticínios sem saber o preço que realmente vão receber. Isso é algo que precisamos reestudar dentro da cadeia leiteira”

Celso Moretti: “Em menos de cinco décadas, o Brasil foi capaz de criar um modelo sustentável e competitivo de agricultura tropical sem paralelo no mundo”
Rever forma de remuneração – O ministro da Agricultura, Marcos Montes, destacou números do setor leiteiro e o potencial do Brasil para a exportação de lácteos. “O Brasil tem tudo para ser o maior exportador de lácteos do mundo, a exemplo do que já ocorre com a soja, o café e a carne bovina. Já somos maiores em vários produtos e temos tudo para ser em lácteos também. Temos certeza de que vamos alcançar essa meta com trabalho sério”, afirmou.
Para Montes, o produtor de leite é um “herói”. “Me chama a atenção que aproximadamente 93% dos produtores tiram menos de 200 litros por dia. Entregam o leite aos laticínios sem saber o preço que realmente vão receber. Isso é algo que precisamos reestudar dentro da cadeia leiteira”, assegurou.
Soluções ambientais – Exemplos de iniciativas voltadas para a valorização do produtor que preserva o meio ambiente também foram apresentadas no fórum. “A gente tem que remunerar, beneficiar e valorizar quem tem esse cuidado. No caso da produção do leite, temos um resíduo que pode se tornar biogás e biometano como uma solução ambiental”, comentou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, referindo-se ao Programa Nacional Metano Zero e à Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano. Segundo ele, o Brasil tem um “potencial gigantesco” na geração de combustíveis limpos a partir do tratamento de resíduos.
A tecnologia como aliada – O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, falou de avanços do agronegócio brasileiro e enfatizou como ciência, tecnologia e inovação têm contribuído para a pecuária de leite. “Em menos de cinco décadas, o Brasil foi capaz de criar um modelo sustentável e competitivo de agricultura tropical, sem paralelo no mundo”, destacou. Ele ainda complementou: “O nosso agro é gigante, responde com mais de 27% do Produto Interno Bruto do Brasil. Alimenta 800 milhões de pessoas, preserva 66,3% do território e exporta para mais de 200 países. É isso o que temos que mostrar lá fora”.
Com base em dados da Universidade Federal de Goiás (UFG), que aponta 90 milhões de hectares de áreas degradadas no País – mais do que os 72 milhões de hectares atualmente produtivos –, Moretti defendeu a preservação de florestas e um maior uso de áreas degradadas para o País aumentar a produção agrícola. “Não precisamos cortar sequer uma árvore da Amazônia para aumentar a produção de alimentos, fibras e bioenergia. A floresta em pé gera mais renda do que a floresta deitada”, frisou.
Agregação de valor – Quanto às perspectivas de futuro para a produção leiteira do Brasil, Moretti adiantou que a instituição tem avançado em estudos voltados à produção de leite de baixo carbono, pecuária de precisão e eficiência bioeconômica de sistemas de produção. “É preciso olhar a propriedade de forma sistêmica. Pensar na economia, na ‘pegada’ hídrica, na sustentabilidade, para sermos mais eficientes e competitivos. É isso o que a Embrapa tem feito”, concluiu.
INCENTIVOS AO PRODUTOR E LINHAS DE CRÉDITO
Fausto Ribeiro (foto), presidente do Banco do Brasil, trouxe dados do atual cenário do agronegócio brasileiro, com destaque para a produção de leite. “Somos um banco que leva, além do crédito, conhecimento, inovação e tecnologia ao interior País”, afirmou.
Entre as iniciativas da instituição bancária, voltadas ao agronegócio, Ribeiro citou as chamadas Carretas Agro, que percorrem o País ofertando crédito e também conhecimento e a Plataforma Broto, ambiente digital que tem como tarefa conectar produtores rurais, prestadores de serviço, revendedores e fornecedores. “98% dos municípios brasileiros possuem produção leiteira. O setor tem um grande potencial de crescimento, com mais investimento e orientação técnica voltada aos produtores. Esse talvez seja o maior desafio do agronegócio brasileiro hoje”, avaliou.
Soluções para o produtor – Por sua vez, o gerente de Soluções do Banco do Brasil, Giovanni Chaves, apresentou o portfólio de acesso a crédito e investimentos oferecido pela instituição para o setor da pecuária de leite. Ele acrescentou ainda que a meta de empréstimos para a safra 2022/2023 é de R$ 200 bilhões. “Temos linhas de crédito com juros competitivos, tanto para produtores familiares quanto industriais”, afirmou.
Quanto às propostas de crédito para a pecuária leiteira, em especial, para pequenos e médios produtores, Chaves destacou que o banco, em sintonia com a missão da Abraleite de promover o aumento da produção sustentável do leite nacional, tem diversas linhas de financiamento, que abrangem todas as fases da cadeia de produção.
Segundo sua orientação, o produtor interessado deve procurar a rede de apoio especializada oferecida pelo banco, que possui mais de 4 mil pontos de atendimentos no País inteiro, para tomar a melhor decisão.
BRASIL PODE SER GRANDE PLAYER NO MERCADO, COM SUSTENTABILIDADE E GESTÃO EFICIENTE NAS FAZENDAS
O segundo dia de debates trouxe a visão apurada do professor sênior de agronegócio global do Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, Marcos Jank, que traçou as principais perspectivas globais para o setor produtivo leiteiro.
Quanto ao potencial do Brasil como produtor agrícola, Jank afirmou que o País tem uma combinação de recursos naturais, tecnologia e gente que faz com que o agronegócio cresça cerca de 3% ao ano, além de poucos concorrentes externos à vista. “O Brasil tem potencial para ser o maior produtor de leite do mundo, mas, para isso, precisa uniformizar a cadeia. Ainda existem níveis tecnológicos muito diferentes no leite brasileiro. Precisa também atingir padrões internacionais. A exportação não pode ser vista como o que sobra internamente. É uma meta a ser perseguida até para uma precificação mais ampla”, recomendou.

Marcos Jank: “A exportação não pode ser vista como o que sobra internamente. É uma meta a ser perseguida até para uma precificação mais ampla”
Olhando em termos globais, ele adiantou que, enquanto a demanda brasileira sofre em função da pandemia e da inflação, no cenário externo cresceu principalmente em países emergentes, como a Índia. “É para lá que o setor deveria pensar a inserção internacional da cultura do leite”, disse.
Em relação aos preços, o especialista afirmou que os recentes aumentos do leite são decorrentes da inflação sobre os grãos que servem de alimento para o gado. “O aumento de preços dos insumos, em especial da soja e milho tem grande impacto no valor do leite. A alta da inflação e dos juros são fatores de risco que merecem atenção”, pontuou. Ele citou ainda fatores antes imprevistos, como guerras, pandemia e questões climáticas e que também acabam afetando o preço do leite.
Biogás reduz custos e gera receita – Em sua apresentação, o vice-presidente da Abiogás, Gabriel Kropsch, falou das vantagens para o produtor de leite que investe no reaproveitamento dos resíduos para produzir biogás. “O biogás obtido dos resíduos da cadeia do leite é o que tem melhor ‘pegada’ de carbono. Reduz o custo e ainda gera receita para o produtor rural. Podemos atacar os gases que prejudicam o efeito estufa gerando um novo negócio, uma nova linha de receita”, disse.
Kropsch destacou ainda que o setor leiteiro é o segundo com maior potencial de produção de biogás do Brasil, perdendo apenas para os aterros sanitários da América do Norte. “Tem potencial para gerar 13,7 bilhões em metros cúbicos de biogás e biometano por ano.”
Gestão: eficiência produtiva é chave – Formas de tornar a produção leiteira mais eficiente e lucrativa também foram debatidas no evento. O médico veterinário Matheus Balduino, do Rehagro, mostrou como os produtores que buscam eficiência estão gerenciando suas propriedades. “Com planejamento, ação, monitoramento e ajuste. Quem planeja às vezes erra, e quem não planeja às vezes acerta”, afirmou.
Balduino demonstrou ainda o quanto uma propriedade que melhora o manejo e age com gestão gera de lucro. “O leite é um exímio gerador de renda na propriedade. A fazenda dos sonhos tem negócios lucrativos, caixa estável, busca por tranquilidade e sucessão. Tudo isso pode ser alcançado com boas práticas de gestão”, complementou.

QUEIJOS ARTESANAIS: FARTURA DE SABORES ÚNICOS
Além dos debates, o fórum reservou espaço para a exposição de produtores de leite e de queijos artesanais, oriundos de produtores da Serra da Canastra e da região sudoeste do Paraná A mostra reuniu queijos frescos e curados (de leite de vaca, ovelha, búfala e cabra) de mais de 20 associações de produtores de queijo do País, premiados mundialmente.
“Noventa por cento dos produtores de leite têm até cem animais em suas fazendas. Os nossos queijos artesanais são uma marca registrada brasileira, como é o caso do queijo Canastra, reconhecido como um dos melhores do mundo em diversas premiações”, afirmou o presidente do Sebrae Nacional, Carlos Melles, ao exaltar o potencial da produção artesanal dos queijos brasileiros.
“Temos queijos fantásticos aqui, inclusive Canastra de pequenos produtores. O que mostra o quanto o leite está evoluindo em termos de produtividade e qualidade”, destacou o presidente da Abraleite, Geraldo Borges.
Na posição de quinto maior produtor de queijo artesanal do mundo, o Brasil possui cinco indicações geográficas registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi): queijo Canastra (MG), queijo de Campos de Cima da Serra (SC e RS), queijo da Colônia Witmarsum (PR), queijo de Marajó (PA) e queijo do Serro (MG).