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Como uma forma de incrementar o segmento de queijos de cabras e ovelhas, a Caravana busca ampliar a comunicação entre o setor produtivo e o público potencialmente consumidor

QUEIJOS

Caravana estimula consumo de derivados de

leite de cabras e de ovelhas

Projeto foi idealizado para reverter uma das principais barreiras do mercado, que é a falta de informações sobre a variedade e o paladar de queijos e outros produtos ainda pouco consumidos na Brasil

João Carlos de Faria

A criação de cabras e ovelhas para a produção de leite e seus derivados é uma atividade ainda pouco difundida no Brasil, tendo como um dos seus principais gargalos o desconhecimento do consumidor quanto à existência de produtos de qualidade. A falta de informação limita seu espaço no mercado de lácteos, no qual predomina o leite de vaca e seus derivados.

Em Minas Gerais – onde os queijos artesanais feitos com leite de vaca são uma tradição –, duas forças se uniram para apresentar ao público todo o potencial de consumo dos produtos à base do leite de cabra e ovelha, na perspectiva de reverter essa situação. O projeto foi retomado no ano passado com uma nova participação na Cabrafest, em Coronel Pacheco (MG), após ter se tornado virtual em função da pandemia, e agora pretende ir além das fronteiras mineiras e da Região Sudeste, atendendo a uma demanda que já é real.

À frente da proposta, de um lado está a Embrapa Caprinos e Ovinos, com seu núcleo do Sudeste, em Juiz de Fora, e, do outro, a iniciativa privada, representada pela Caseum Queijos e Cia., empresa de consultoria e assistência a produtores do setor, ambas personificadas, respectivamente, pela pesquisadora Maria Izabel Carneiro Ferreira e pela médica veterinária Patrícia Vilhena Dias de Andrade, que também é professora – ela ministra cursos para o desenvolvimento de produtos com leite de cabra e de ovelha – e presta serviços de assistência técnica.

Juntas, elas criaram, há cerca de três anos, o projeto “Caravana Leite e Queijo de Cabra”, com eventos presenciais para a divulgação dos produtos, por meio de palestras e degustação dos produtos, apoiadas por criadores e queijeiros, que oferecem seus produtos para que sejam experimentados.

Patrícia afirma que muitas pesquisas indicam problemas com o preconceito e o preço dos produtos, mas que existe muito desconhecimento em relação a eles. “As pessoas às vezes não compram porque não conhecem. Muitos nem sabem que existem queijos desse tipo.” Foi a partir dessas e de outras constatações que as idealizadoras do projeto chegaram à conclusão de que era preciso fazer alguma coisa para levar informação e conhecimento às pessoas.

A ideia de criar a caravana surgiu durante o Concurso de Queijos de Cabra e Ovelha da Região Sudeste, dentro da programação do CabraFest 2019 – festa da cabra leiteira, e tem como objetivo promover a produção de caprinos e derivados, e mostrar o potencial do segmento na região. O evento é realizado anualmente, em Coronel Pacheco (MG). Nesse primeiro evento, o público era composto essencialmente por nutricionistas, amantes e profissionais da gastronomia e formadores de opinião.

Bel Carneiro: “Quisemos juntar essas vertentes num projeto de transferência de tecnologia e criamos a caravana”

Patrícia Vilhena: “Temos que mostrar que, se tem o queijo frescal de leite de cabra, tem também o supermaturado de leite de ovelha e tem o doce tanto de um quanto de outro ”

“Percebemos essa demanda junto ao setor produtivo na Região Sudeste, que é a segunda bacia leiteira do Brasil, tanto de cabra quanto de ovelha, e a necessidade de ampliar o conhecimento, pois falta comunicação entre o setor produtivo e o público potencialmente consumidor”, conta Bel Carneiro, como é conhecida a pesquisadora da Embrapa.

A proposta era divulgar o conhecimento ao público consumidor, mas também mostrar a médicos veterinários, zootecnistas, agrônomos e outros profissionais que existe uma cadeia produtiva que requer especialistas. “Muitas vezes um técnico que trabalha com o leite de vaca é chamado para atender cabras e fica confuso, porque cabra e ovelha não são simplesmente uma vaca de pequeno porte. Elas têm suas particularidades e peculiaridades. São realmente diferentes”, diz.

Pressupõe-se, com isso, que haja um nicho de mercado para quem esteja saindo das universidades ou cursos técnicos e representa uma demanda real do setor. Por essa razão, muitas vezes o evento se direciona especificamente a técnicos da área ou mesmo a queijistas, que também podem ser o público-alvo. “Quisemos juntar essas vertentes num projeto de transferência de tecnologia e criamos a caravana”, conta Bel.

Agregou-se então à proposta a vivência de Patrícia Vilhena e a sua prática na montagem e formatação de eventos gastronômicos, além da habilidade para falar sobre os queijos, como são produzidos e que histórias e sabores trazem consigo. Também reforçou a parceria o fato de Bel Carneiro focar mais nos ovinos, enquanto Patrícia trabalha mais com os caprinos.

“Formamos uma dupla com conhecimentos técnicos para divulgar a cadeia produtiva e até para inspirar políticas públicas, mostrando demandas como a regulação do leite de ovelha, uma vez que, para o leite de cabra, já existe instrução normativa que especifica os parâmetros técnicos”, afirma.

Sabores surpreendentes – As duas primeiras apresentações presenciais trouxeram resultados bastante animadores. “Foi realmente fantástico, porque as pessoas se surpreendiam positivamente com o sabor dos queijos e as suas particularidades e percebiam que são produtos de alta qualidade disponíveis no mercado”, afirma Bel.

O público também, observa ela, pode perceber a diferença entre os derivados de leite de cabra e ovelha e muitos, que no passado haviam provado leite ou algum derivado de leite de cabra e traziam consigo alguma má impressão – embora hoje em dia a qualidade seja outra – se surpreenderam. “Esses não só passaram a gostar desses produtos, como também se apaixonaram pelos de ovelha, porque perceberam a diferença.”

Com a elaboração de pratos e das mesas para degustação também ficou clara a versatilidade do uso desses produtos, como queijos, iogurtes, doce de leite e outros, na gastronomia brasileira, além da sua diferenciação e do valor que agrega às receitas. “O público conseguiu perceber essas sutilezas, o que foi muito marcante.”

Por isso também se buscou deixar evidente que existe uma variedade dos produtos com leite de cabra e de ovelha. “Temos que mostrar que, se tem o queijo frescal de leite de cabra, tem também o supermaturado de leite de ovelha, assim como o doce, tanto de um quanto de outro”, reforça Patrícia.

Degustação tornou-se parte fundamental dos eventos presenciais, para que as pessoas pudessem sentir e experimentar a variedade de sabores

As primeiras apresentações da Caravana foram feitas em Juiz de Fora e em Belo Horizonte, mas, com a pandemia, foi preciso se adaptar ao modo virtual. A grande questão foi definir uma forma para contornar a impossibilidade de fazer a degustação, que era o ponto alto dos eventos presenciais, quando o público conseguia provar os produtos.

“E, já que a gente não podia levar o produto ao público virtual, passamos a apresentar os produtores, porque em geral as pessoas querem comprar, mas gostam de saber quem produz e de onde vem o produto. Fizemos também um encontro com um profissional da gastronomia, que mostrou a versatilidade dos produtos como ingredientes das receitas”, lembra Patrícia.

A surpresa veio com a amplitude que a proposta ganhou com as transmissões virtuais, pois já não era mais possível selecionar e direcionar o público. Diferentemente do evento presencial, quando sabiam com quem estavam falando, no formato virtual era feita a divulgação e as pessoas iam entrando e acompanhando.

“De repente, tinha gente do Nordeste e até de fora do País, o que foi muito bacana. Conseguimos confirmar que existe mesmo a falta de divulgação e o quanto isso é importante para o setor”, afirma. Isso estimulou o consumo dos produtos, que passaram a ser procurados em suas respectivas regiões, por quem assistia às apresentações.

Para Patrícia, falar de queijo de cabra é muito gostoso, “mas provar é melhor ainda e nada substitui o olho no olho”. E, sendo assim, acredita que a retomada dos eventos presenciais é fundamental, embora os virtuais precisem ser mantidos. “As pessoas querem provar e comprovar o que a gente fala e reagem mais positivamente quando degustam os produtos.”

Quebrar a resistência – O mercado mineiro, segundo a pesquisadora Bel Cordeiro, onde a tradição é consumir queijo e derivados feitos com leite de vaca, é resistente, mas está aberto também aos produtos com leite de cabra e ovelhas.

“O mineiro é um consumidor ressabiado, difícil de ser conquistado, mas, quando faz a degustação, ele prova e aprova”, diz. Esses produtos também ganharam força graças aos eventos e às feiras realizadas no Estado, que promoveram o encontro do consumidor com o produtor, sua história e a história do seu queijo.

Isso, segundo a pesquisadora, evidencia que o setor é diferente, pois tem uma estrutura bem mais vertical. “Nessa cadeia geralmente o produtor vai do cocho até o produto final, num processo que é verticalizado e o aproxima do consumidor.”

Tudo o que se viu até o momento na realização da Caravana, conforme explica Bel Carneiro, levou à percepção de que realmente falta conhecimento. Isso porque, muitas vezes, o consumidor chega à gôndola do supermercado, olha um queijo de cabra ou de ovelha, afere seu preço, mas não leva o produto para casa porque tem receio de não apreciá-lo.

“Constatamos que, no modo remoto, a gente estimula o público a procurar esses produtos, porque a gente fala das suas características, leva a informação técnica e fala sobre o sabor do leite, suas diferenças e os derivados comumente mais consumidos. Com isso, reduzimos essa barreira e quebramos a desconfiança do consumidor.”

A visão de Patrícia Vilhena corrobora essas impressões sobre as dificuldades do mercado mineiro, porque, segundo ela, o consumidor mineiro “gosta muito de queijo, mas do queijo minas” e isso é uma barreira aos queijos de cabra e de ovelha. “É um mercado a ser conquistado porque o mineiro gosta de queijo, por isso quando experimenta gosta, mas se ele não conhece, não vai experimentar.”

O mercado, diz ela, não precisa ficar restrito aos grandes centros, como deduzem alguns, mas depende de saber que tipo de produto deve ser oferecido em cada região e tentar adaptá-lo à necessidade do consumidor. “Cada mercado tem suas características e um tipo de consumo”, diz.

Existe uma grande variedade de produtos com leite de cabra e de ovelha que surpreendem pelos sabores refinados e diferenciados

A Caravana retomou, no ano passado, os encontros presenciais em universidades como a Univeritas, em Belo Horizonte, para divulgar o leite e derivados de cabras e ovelhas

Nordeste x Sudeste – Como já foi dito, a Região Nordeste do País é a primeira no ranking de produção de leite de cabra, enquanto Santa Catarina é a campeã no segmento de ovelhas, ficando o Sudeste com a segunda colocação geral, entre as duas modalidades.

Porcentualmente, enquanto no Nordeste, que tem cerca de 300 mil estabelecimentos com criação de caprinos, apenas 4,4% são propriedades com cabras ordenhadas, no Sudeste esse índice se eleva para 17,4%.

No caso do leite de cabra no Nordeste, no passado era muito mais relacionado à sobrevivência, ao combate à desnutrição ou às compras governamentais para a merenda escolar, sem que os produtores se empenhassem no seu processamento, apesar do incentivo do governo.

“Esta história está mudando e, hoje, lá já existem laticínios inspecionados que perceberam esse nicho de mercado. No Sudeste, embora a produção seja menor, a produtividade é maior, porque os criadores buscam agregar valor aos animais, com técnicas de reprodução e melhoramento genético para melhorar seu produto final”, explica Bel.

Ela reforça a existência de um novo nicho de mercado que está se vislumbrando naquela região, voltado à venda de derivados do leite de cabra, com finalidades mais voltadas à gastronomia, a exemplo do que já acontece no Sudeste, onde o consumidor está mais habituado a esses produtos.

No caso das ovelhas, há 26 anos, quando Patrícia se formou e começou sua trajetória, segundo ela conta, “ovelha não dava leite, só carne” e ainda hoje ela constata que, em Minas, a produção de leite de ovelha ainda é muito incipiente.

Já na caprinocultura, ela entende que a grande evolução veio com a variedade e a qualidade dos produtos, além da profissionalização dos produtores. “Na época o foco principal era a produção de leite e muita gente criava cabras só por hobby.”

Em ambos os casos, no entanto, além das receitas convencionais, constata-se que os queijos autorais e maturados ganham espaço cada vez maior e que muitos produtores estão criando suas próprias receitas. “Eles seguem uma tendência atual de fazer produtos diferenciados”, diz Bel Carneiro.

A pesquisadora aponta que o maior problema reportado a ela pelos produtores em geral é a falta de mão de obra, tanto para trabalhar nas fazendas quanto na assistência técnica, com profissionais capazes de dar as respostas às especificidades do sistema produtivo, sem precisar adaptar seus conhecimentos, muitas vezes restritos à bovinocultura.

Outras questões são a dificuldade no escoamento da produção por falta de logística para distribuir os produtos, principalmente em função do volume, que ainda é baixo, além do preço dos insumos, que se agravou muito com a pandemia e ainda não se normalizou.

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