balde branco

BIOSSEGURIDADE

CHECKLIST

da pecuária saudável

A adoção sistematizada de medidas já conhecidas pelo pecuarista de leite pode evitar grandes perdas na produção

Luiza Mahia

Nunca antes o ditado “Depois do leite derramado, não adianta chorar” foi tão apropriado para a pecuária leiteira nacional. A expressão popular é utilizada no sentido de reclamar ou se entristecer por algo de ruim que já aconteceu. 

Pois, infelizmente, é o que mais se vê em muitas propriedades leiteiras pelo País. Mesmo cientes de que os sistemas de produção de leite envolvem atividades complexas, sendo altamente suscetíveis aos riscos de transmissão de patógenos, são poucos os pecuaristas que conhecem e aplicam as medidas de biosseguridade, que são práticas de manejo adotadas com o objetivo de reduzir a disseminação de enfermidades causadoras de agravos à saúde única (animal, humana) e de comprometimento da segurança do alimento.

“O objetivo das estratégias de biosseguridade na bovinocultura de leite é a obtenção de um rebanho sadio que vai produzir um produto de qualidade (leite) com maior lucratividade (menos gastos com tratamentos veterinários; menor uso de antibióticos) e segurança para o consumidor final. Animais sadios produzem alimento seguro com menor custo de produção”, observa Lígia Margareth Cantarelli Pegoraro, doutora em reprodução animal e pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS).

"Animais sadios produzem alimento seguro com menor custo de produção”

Lígia Margareth Cantarelli Pegoraro

idade são amplamente utilizadas nas cadeias produtivas de aves e suínos pelo fato de seu sistema de produção ser mais intensivo do que na maioria das propriedades leiteiras no Brasil. Portanto, se ocorrer a entrada de um patógeno, a transmissão é facilitada pelo sistema de criação, e os danos causados são rapidamente identificados, ou seja, os prejuízos são evidentes ao produtor. 

“Na bovinocultura leiteira, muitas vezes, os danos e prejuízos financeiros causados pela introdução de um determinado patógeno no rebanho podem demorar mais tempo para serem evidenciados por causa de o sistema de exploração ser diferente daquele de suínos e aves. Perdas reprodutivas, por exemplo, podem ocorrer sem que o produtor consiga visualizar imediatamente, como acontece nos sistemas de produção intensiva de suínos e aves”, continua a pesquisadora, que foi a editora técnica de um livro publicado em 2018 com o título Biosseguridade na bovinocultura leiteira. O material foi produzido com a participação de Embrapa Clima Temperado, Embrapa Gado de Leite, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Instituto de Pesquisa Desiderio Finamor (Siape), Emater/RS, Rede Leite, Universidade Regional do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui) e cooperativas de leite regionais.

O livro aponta quais as principais doenças da bovinocultura leiteira e também elenca um checklist de todas as medidas a serem adotadas em um sistema de biosseguridade para evitar a disseminação dessas doenças.

O produtor precisa tomar alguns cuidados na compra de animais, pois eles podem trazer para fazenda riscos de contaminação

Cuidados para manter o sistema saudável

O material produzido pela Embrapa apresenta uma extensa lista de itens importantes para garantir a blindagem do rebanho (a relação completa pode ser conferida em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/190638/1/Biosseguridade-Propriedade-Leiteira-CAPA.pdf).

Para que sejam eficientes as medidas de biosseguridade, estas devem abranger uma visão geral da fazenda e cuidados que incluem dois conjuntos de medidas para evitar que patógenos e enfermidades ingressem no sistema produtivo da propriedade: a biosseguridade externa e a biosseguridade interna. Os dois sistemas são igualmente importantes para um resultado satisfatório para o pecuarista. Para explicá-los com mais detalhes e permitir que todos os fatores sejam perfeitamente  compreendidos pelos leitores, a reportagem será dividida em duas partes.  

Nesta edição, vamos abordar as questões relacionadas à biosseguridade externa, que reúne uma série de práticas para evitar que ações previsíveis na rotina de uma propriedade sejam prejudiciais à sanidade do rebanho, tais como:

SISTEMA PERSONALIZADO segundo as características e a situação de cada propriedade

Compra de animais – Na aquisição de um novo lote, por exemplo, é fundamental obter a certificação do status sanitário do rebanho de origem, com atenção especial às doenças com longo período de incubação, além das doenças de notificação obrigatória. “Quando o status sanitário for desconhecido ou duvidoso, recomenda-se a quarentena ou separação em relação aos demais animais por um período adequado até a realização de determinados testes sanitários ou para manifestações clínicas. Se os animais forem recém-chegados de locais conhecidos, é importante se certificar de que estejam com o programa de vacinação estabelecido, pois todos devem ser sadios e livres de parasitas externos e internos, e seus registros anteriores devem ser mantidos”, explica a pesquisadora da Embrapa Clima Temperado. 

Rastreamento – O rastreamento é outra medida importante para o controle rigoroso nos registros e na identificação dos animais. Em casos de vacas em lactação a recomendação é de que sejam efetuados testes microbiológicos em amostras de leite, para prevenção da introdução de agentes causadores de mastite. E se os animais estiverem retornando de expofeiras ou leilões, precisam ser submetidos a um esquema preventivo com exames sorológicos para as principais doenças infectocontagiosas – as de sua origem e as da região de destino –, antes que sejam reintroduzidos no rebanho. 

Acesso de pessoas – Se o cuidado com os animais em trânsito é importante, o acesso de funcionários, técnicos e visitantes também exige máxima atenção. “O livre acesso de pessoas, veículos e outros animais estranhos à propriedade deve ser sempre restrito, bem como visitações em geral e visitas técnicas, que devem ser reduzidas ao mínimo. Também é importante o registro de todos os visitantes, pois a medida pode ajudar na identificação/controle de alguma alteração/patologia eventual que venha a ocorrer no rebanho”, aponta Lígia. 

Para identificar os locais de acesso permitido ou restrito, o ideal é que sejam feitos fotos e banners, explicando ao público sobre a importância da biosseguridade para o processo.  “Medidas de biosseguridade na bovinocultura leiteira devem sair do papel e ser aplicadas no campo. Para isso, tem que haver comprometimento de todos os envolvidos”, continua a pesquisadora da Embrapa Clima Temperado.

Nem todas as regras são para todas as propriedades, uma vez que cada fazenda é única em termos estruturais e operacionais, por isso, cada local deve ter seu próprio plano de biosseguridade. “Devido à complexidade dos diferentes sistemas de produção de leite existentes no Brasil, é necessário que haja uma adequação das medidas de biosseguridade para cada realidade, cada sistema de produção”, explica ela.

Para serem eficazes, os planos de biosseguridade devem se basear em riscos potenciais e atender às necessidades de cada setor, individualmente. Outro fator essencial para o sucesso da empreitada é o comprometimento de todos os indivíduos, independentemente do seu status (membro da família, funcionário em tempo integral, parcial ou sazonal, etc.), com os resultados. Para isso, devem receber treinamento abrangente, pelo menos uma vez por ano e, posteriormente, ter acesso aos protocolos estabelecidos, assinala Lígia. A etapa seguinte do projeto capitaneado pela Embrapa Clima Temperado é o fortalecimento da capacitação da assistência técnica, que vai oferecer cursos para os técnicos que atuam na cadeia produtiva do leite.

Biossegurança x biosseguridade: medidas de biosseguridade fortalecidas na propriedade leiteira asseguram também menor utilização de medicamentos, como antibióticos, e consequentemente melhor qualidade do produto final. 

Mas ainda é uma estratégia pouco conhecida pelos pecuaristas, conforme constatou uma pesquisa realizada pelo Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Realeza (PR). “Com um manejo sanitário realizado de forma incorreta, existe o perigo de disseminação de doenças entre os animais, o que poderá causar prejuízos econômicos resultantes da diminuição da produção, morte de animais e descarte do leite. Além disso, o manejo inadequado de animais doentes representa um risco à saúde pública, tanto para as pessoas que trabalham diretamente com o rebanho quanto para as que consomem o leite produzido”, aponta o estudo.

É fundamental a higienização dos instrumentos e materiais e depois o descarte correto de luvas, seringas e agulhas

Higiene dos equipamentos e proteção dos funcionários

instalação de pedilúvio para lavar calçados ou as patas dos animais, e de rodolúvio para as rodas (pneus) de carros, caminhões, motos e bicicletas reduz os riscos de ingresso de doenças para o rebanho. Todos os funcionários da propriedade devem utilizar botas, macacões e aventais denominados EPIs (equipamentos de proteção individual), que são de uso exclusivo na propriedade e devem ser lavados e trocados periodicamente.  

Técnicos e veterinários também devem utilizar equipamentos de EPI em cada propriedade que forem atender. Se não for possível tal prática, que sejam tomados cuidados básicos, como a retirada da matéria orgânica e a lavagem dos calçados/botas com solução desinfetante ao entrar em cada propriedade.  

Quanto aos instrumentos e materiais utilizados nas práticas veterinárias, como a inseminação artificial, é veementemente recomendada sua correta higienização e desinfecção. Assim como o uso individual de luvas de palpação e agulhas descartáveis. As luvas e materiais perfurocortantes devem ter destino de descarte adequado, pois são também fonte de contaminação do ambiente e risco ao programa de biosseguridade.

*Na segunda parte da reportagem vamos falar sobre os fatores para a biosseguridade interna e os fatos sobre fazendas que obtiveram bons resultados adotando a estratégia.

Foram avaliadas 126 propriedades de produção familiar, que já atuavam no segmento há pelo menos dois anos, com áreas que mediam entre 20 e 50 hectares, com o máximo de 20 vacas. Em todas elas a produção de leite não era única atividade agrícola e pelo menos três membros da família residiam na propriedade. “Concluímos que muito pouco era conhecido sobre biosseguridade, porém, os agricultores familiares demonstravam preocupação com a biossegurança”, explica a médica veterinária Camila Paula Baron, que integrou o grupo de pesquisa “Biossegurança em Rebanhos Leiteiros na Agricultura Familiar – Sudoeste Paranaense”, cujos resultados foram publicados em 2013 no Archives of Veterinary Science (periódico científico ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná).

Após a aplicação dos questionários e as visitas locais, observou-se um comprometimento com os controles de biossegurança nas propriedades pesquisadas, mas total descuido com a biosseguridade. Apesar de todas afirmarem vacinar os animais, de 89% realizarem o combate a roedores e 81% fornecerem colostro para os bezerros, 36% fornecem leite de vacas com mastite, e 61%, leite com resíduo de antibióticos; 36% das propriedades realizavam reposição do rebanho com animais externos, mas somente uma realizava exame na aquisição destes; em 24% das propriedades existia o trânsito de animais sem controle; 85% não realizavam quarentena; 56% não faziam exames laboratoriais; 48% não contavam com auxílio de médico veterinário ou técnico; 53% não adotam calendário de vermifugação, mas todas realizam o controle de ectoparasitas; em 88% não existe o controle de qualidade da água; apenas 28% utilizam luvas no parto; os materiais perfurocortantes não são descartados adequadamente na maioria das propriedades; 67% destas não fazem o isolamento dos animais; em 28% não existia um destino sanitário adequado às carcaças de animais mortos.

“Nas propriedades estudadas, se observou um comprometimento com os controles de biossegurança, mas total descuido com a biosseguridade"

Camila Baron

“O trabalho aponta que os pecuaristas da agricultura familiar aplicam técnicas de biossegurança e biosseguridade isoladas, e acreditamos que este deve ser o maior problema identificado a partir deste levantamento”, segue Camila Baron. A médica veterinária explica que a biosseguridade pode ser definida como a aplicação de medidas para prevenção, com o objetivo de minimizar riscos de enfermidades em populações animais. Neste caso as normas são flexíveis e os riscos são assumidos, ao passo que a biossegurança é formada por normas e procedimentos relacionados com a saúde humana. “Neste caso, as medidas são permanentes e têm como objetivo evitar riscos e garantir total proteção. A falha do processo implica nas doenças transmitidas entre o rebanho e na qualidade do produto comercializado”, explica.

Abrir bate-papo
1
Escanear o código
Olá 👋
Podemos ajudá-lo?