Entre as medidas de maior importância na biosseguridade interna está a vacinação, que é um procedimento já consolidado na maioria das propriedades leiteiras, mas nem sempre de forma adequada. “Não adianta realizar vacinação sem o protocolo correto, ou seja, sem respeitar a frequência correta de vacinação, que varia de acordo com a doença”, alerta o pesquisador Guilherme Nunes de Souza, da Embrapa Gado de Leite.
Ele cita como exemplos bem-sucedidos de biosseguridade interna as campanhas relacionadas ao Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose Animal (PNCBT), que preconiza a vacinação obrigatória de bezerras entre 3 e 8 meses com a vacina B19 contra a brucelose e o sacrifício de animais positivos para brucelose e/ou tuberculose. “Para essas doenças de caráter crônico, observamos uma redução considerável desses parâmetros ao longo do tempo” afirma.
No estado de Rondônia, no período de dez anos (entre 2004 e 2014), a cobertura da vacinação contra brucelose subiu de 46,5% das bezerras para 92,2%. A incidência da brucelose entre os animais recuou de 6,22% para 1,9% e nos rebanhos a queda foi de 35,2% para 12,5%.
“Temos outra situação relacionada à mastite subclínica causada por Streptococcus agalacitae em um rebanho com aproximadamente 200 vacas em lactação, onde observamos a redução de prevalência da enfermidade entre animais de 60% para 0,5% em um ano”, lembra o pesquisador.
Neste caso, as medidas de biosseguridade foram a identificação dos animais por meio de exames e tratamento com antibiótico via intramamária. “Do ponto de vista econômico, o rebanho tinha uma média de produção na lactação de 17.115 litros e, após os tratamentos, a média foi para 17.725, representando um incremento de 276 kg de leite”, diz Guilherme de Souza.
“A redução dos prejuízos econômicos é diretamente proporcional ao esforço e à perseverança na adoção dessas medidas”, acrescenta o médico veterinário Geferson Fischer, professor Associado na Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em Capão do Leão (RS).
Fischer, da UFPel, ao lado de Guilherme de Souza, da Embrapa Gado de Leite, e de outros pesquisadores que colaboraram com a produção do livro sobre esse tema, participaram, em setembro de 2019, do primeiro curso sobre Biosseguridade na Bovinocultura Leiteira, realizado na sede da Embrapa Clima Temperado, na Estação Experimental Terras Baixas em Pelotas (RS).
O curso abordou a importância da adoção de medidas de biosseguridade e as principais doenças do rebanho leiteiro que podem ser evitadas com tais ações. “O propósito foi capacitar médicos veterinários, equipes da assistência técnica de cooperativas de leite, da extensão rural e estudantes em medicina veterinária para disseminar os conceitos sobre a prática e assim reduzir os riscos sanitários nas fazendas de leite”, aponta o pesquisador.
“Mostramos que medidas como um calendário vacinal apropriado para cada enfermidade em cada propriedade, quarentena para animais recém-chegados ou eliminação de animais positivos são estratégias para evitar prejuízos econômicos”, segue Fischer.
O especialista sugere que o pecuarista procure por um profissional para adotar as medidas na propriedade, porque é importante ter um diagnóstico correto da realidade da propriedade em relação à epidemiologia dessas enfermidades.
Fazer um estudo detalhado dos desafios a campo é um dos primeiros passos para a adoção de um programa de biosseguridade. E, para isso, a participação do médico veterinário é muito importante. Também o estabelecimento de um calendário vacinal, baseado no conhecimento das doenças no rebanho, deve ser pautado pelo médico veterinário”, diz. Após isso, o pecuarista pode assumir o comando do programa de biosseguridade em sua propriedade, recorrendo ao médico veterinário caso surjam fatos novos.
O médico veterinário José Zambrano, especialista em sanidade e técnico da Rehagro, consultoria agropecuária de Lavras (MG), aponta a biosseguridade como um importante aliado da produtividade. “Uma fazenda que investe em iniciativas para proteger seus animais de doenças infecciosas como brucelose, tuberculose e tripanossomose, por exemplo, terá grandes benefícios, já que essas doenças podem causar grandes prejuízos na fazenda sob o risco, até mesmo, de levá-la à falência”, enfatiza.
Segundo ele, a adoção de tais medidas em muitos casos exige investimentos mínimos e traz grandes benefícios. Ele ilustra esse fato citando o trabalho desenvolvido na Granja Leiteira Eudes Braga, no município de Carmo do Paranaíba (MG), como exemplo.
Maior produtividade – Nessa propriedade, que comporta um rebanho formado por 200 vacas lactantes da raça Holandesa, as medidas de biosseguridade já são comuns desde 2008. “Precisávamos apresentar um leite livre de qualquer contaminação para entregar ao mercado um queijo com total certeza sobre a segurança do alimento”, explica Eudes Braga, proprietário da granja.
Graças e esse controle, a fazenda ostenta o certificado de livre de brucelose e tuberculose emitido pelo Ministério da Agricultura desde 2009, quesito fundamental para produção e comercialização do queijo artesanal, que é a marca da fazenda.
“Os investimentos em biosseguridade equivalem a cerca de 1% do Custo Operacional Efetivo (COE)”, explica Braga, que adota o calendário sanitário para manter em dia a imunidade do rebanho contra todas as enfermidades. Como resultado, o criador conta com um rebanho com animais longevos, sem contaminações, expressando uma maior produtividade e não levando nenhum risco, nem para os colaboradores diretos, nem para os consumidores finais.
Em Araras (SP), a Fazenda Colorado, famosa pela produção do leite tipo A Xandô, optou por fechar seu rebanho, formado por 1.500 matrizes, há cerca de dez anos com o objetivo de diminuir o risco da introdução de agentes patogênicos. “Ainda há uso de material genético (sêmen e embriões) nos protocolos reprodutivos, e temos a consciência de que todo o ganho genético do rebanho pode ser perdido se não houver controle das doenças”, diz Viviani Gomes, médica veterinária, responsável pelo manejo sanitário.
Para garantir a sanidade do rebanho, a fazenda divide os animais por lotes de acordo com as idades no berçário (1 a 15 dias de vida), no bezerreiro (16 ao período máximo de 80 dias de vida), nos lotes pós-desmama (até 4 meses de idade), e na fase novilha, quando são realizados os primeiros protocolos reprodutivos.
Depois, as novilhas são transferidas para piquetes pré-parto e encaminhadas para a maternidade em galpão com sistema de ventilação cruzada, onde são mantidas durante todo o período de lactação. “Todo o histórico dos animais, incluindo a ocorrência de doenças, produção e reprodução, é registrado em um programa chamado Dairy Comp. Esses registros permitem analisar os índices do rebanho de todas as fases da produção, e entender os gargalos para buscar soluções que muitas vezes envolvem a coleta de amostra para pesquisa de agentes patogênicos, seguida da elaboração de protocolos específicos para tratamento, controle e prevenção de determinada doença no rebanho”, diz Viviani.
S ão dois conjuntos de medidas que os pecuaristas devem adotar para evitar que patógenos e enfermidades ingressem no sistema produtivo da propriedade. Juntos, os sistemas formam os pilares da biosseguridade, que é evitar a entrada e diminuir a circulação de patógenos no rebanho leiteiro.Destacamos alguns itens que formam o conjunto da biosseguridade da fazenda leiteira: externos e internos. No livro, esses itens são mais detalhados, basta seguir o link: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/202288/1/Biosseguridade-Propriedade-Leiteira.pdf
Medidas para evitar que patógenos e enfermidades ingressem no sistema produtivo da propriedade:
Quarentena: isolamento dos animais recém-adquiridos antes da introdução no rebanho por 40 dias em condições adequadas, até a realização de determinados testes sanitários ou para verificação de manifestações clínicas. Certificação do status sanitário do rebanho de origem.
Visitações em geral e visitas técnicas: reduzidas ao máximo. O acesso de pessoas, veículos e outros animais estranhos à propriedade deve ser restrito. É importante o registro de todos os visitantes.
Materiais usados na propriedade: devem ter registros de entrada, tais como alimentos, forragens, equipamentos, produtos, medicamentos e vacinas.
Locais restritos: sala de ordenha e o local onde ficam as bezerras precisam ser restritos (e com todos os cuidados recomendados a pessoas de fora) e acesso ao pessoal da propriedade, devidamente orientados.
Cercas com propriedades vizinhas: com distanciamento adequado para se evitar o contato direto entre animais e impedir a transmissão de patógenos. Nas áreas de divisa, recomenda-se o cultivo de lavouras, como de cortinamento vegetal.
Acesso dos funcionários/trabalhadores: devem utilizar botas, macacões e aventais denominados EPIs (equipamentos de proteção individual).
Acesso de técnicos e veterinários: devem utilizar equipamentos de proteção individual em cada propriedade que forem atender para evitar a disseminação de patógenos entre rebanhos distintos.
Práticas veterinárias: para os instrumentos e materiais utilizados nas práticas veterinárias, como a inseminação artificial e outras intervenções, é fortemente recomendada a correta higienização e desinfecção dos materiais. Assim como o uso individual de luvas de palpação e agulhas descartáveis.
Delimitação de acesso a certas áreas da propriedade: pedilúvio para lavar calçados ou as patas dos animais e rodolúvio para as rodas (pneus) de carros, caminhões, motos e bicicletas.
Tópicos fundamentais na prevenção da disseminação de patógenos já presentes no rebanho. Controle rigoroso da sanidade:
Manejo correto dos lotes de animais: cada categoria animal deve ser manejada adequadamente com o controle sanitário próprio para cada fase de desenvolvimento e de vida produtiva.
Piquete ou baia de maternidade: deve ser próximo aos currais e de fácil visualização, um ambiente seco, com boa ventilação e, acima de tudo, limpo.
Manejo do colostro: a fonte do colostro, ou seja, a vaca doadora, deve ter seu status sanitário assegurado.
Criação de bezerras: o local deve ser limpo e seco, devendo ser tomados todos os cuidados na higienização dos utensílios (mamadeiras, cochos bebedouros, sem esquecer o asseio do tratador).
Higiene: os funcionários que trabalham na ordenha devem manter unhas curtas, mãos limpas e cabelo preso, e usar touca ou boné próprio para essa atividade. Lavar as mãos é uma das mais importantes medidas de biosseguridade interna da propriedade leiteira.
Enfermaria: os animais doentes devem ser isolados dos demais, e tratados, conforme orientação do médico veterinário, em um local apropriado, denominado enfermaria. O médico veterinário responsável deve alertar sobre o potencial risco de transmissão de patógenos para os demais animais do rebanho ou meio ambiente.
Manejo de esterco: alternativas para manejo adequado de dejetos na propriedade (biodigestor; lagoas de estabilização; compostagem e esterqueiras).
Qualidade da água utilizada na propriedade: a água de bebida, assim como a água destinada à limpeza das instalações, deve ser de qualidade, ou seja, potável.
Limpeza e desinfecção das instalações: currais, troncos e bretes também são fontes de contaminação. Esterco, barro, poeira, sangue e outras sujidades devem ser retirados. As superfícies e áreas de trabalho devem ser completamente lavadas e desinfetadas após cada uso, especialmente entre lotes de animais.
Ordenha: fundamental realizar o processo de limpeza e depois fazer a desinfecção da sala de ordenha e do equipamento de ordenha, seguindo os protocolos indicados.
A série de medidas elencadas no sistema de biosseguridade é um roteiro que deve ser adaptado às necessidades de cada propriedade, que é única em termos estruturais e operacionais. Para a obtenção de sucesso em um programa estratégico de biosseguridade na propriedade leiteira, alguns fatores são fundamentais: constante treinamento, disciplina e real comprometimento de todos os envolvidos na atividade. A capacitação de todos em educação sanitária e medicina veterinária preventiva é parte decisiva na implementação do programa.
A fazenda possui certificado de livre contra brucelose e tuberculose e fez a pesquisa e o descarte de animais persistentemente infectados com o vírus da diarreia viral bovina. Além disso, possui calendário de vacinação contra doenças respiratórias (BVDV, BoHV-1, BRSV, BPIV-3), doenças reprodutivas (BVDV, BoHV-1 e Leptospira spp.), mastite por E.coli, mastite por S.aureus, diarreia neonatal (rotavírus, coronavírus, E.coli enterotoxigênica) e clostridioses, além de cumprir o calendário oficial do governo (brucelose e febre aftosa).
Mais informações: Embrapa Clima Temperado, fone:
(53) 3275-8100; www.embrapa.br/clima-temperado /
www.embrapa.br/fale-conosco/sac
Todos os Direitos Reservados - Balde Branco © 2023
Personalidade Virtual