O ambiente hostil criado pela pandemia obrigou as famílias a ficarem mais dentro de casa, gerando um cenário positivo para a cadeia leiteira. Durante a sexta edição do Dairy Vision, Congresso 100% Digital promovido entre os dias 1º e 4 de dezembro de 2020 pela Agripoint e pela consultoria inglesa Zenith Global, especialistas apontaram o desempenho da matéria-prima no mercado interno e seus desdobramentos no período pós-pandemia.
“O preço do litro do leite terminou o ano com valor 48,3% maior do que o averiguado no mês de janeiro e rentabilidade do produtor 24,2% maior que em 2019”, apontou o engenheiro agrônomo Valter Galan, analista do Milk Point Mercado, a uma plateia virtual composta por 250 pessoas. “O preço líquido pago ao produtor bateu recorde em agosto, com aumento de 2,21%, enquanto a muçarela registrou aumento de 31,2%, um pico de preço visto apenas em 2016”, continuou ele, justificando que tal movimento ocorreu por causa do pagamento do auxílio emergencial à população de baixa renda; a mudanças de hábitos de consumo; ao cenário de baixa disponibilidade de matéria-prima por causa da entressafra, e, por fim, à queda na importação.
Um ano fora do padrão – Entender o cenário para a cadeia leiteira em um ano com tantas incertezas foi um dos eixos do congresso online. E Galan, ao lado de outros especialistas, traçou um panorama que, apesar dos altos e baixos, trouxe dados positivos especialmente para os pecuaristas de leite.
Segundo ele, no início da pandemia, com a restrição da mobilidade e ante a necessidade de consumir alimentos feitos em casa, houve uma alta no preço do leite UHT e do leite pó como resultado direto do aumento da demanda em plena entressafra. Já a demanda por queijos sofreu forte retração, uma vez que o consumo é mais comum em estabelecimentos comerciais, que foram fechados. Mas, ao longo do período de isolamento, outros fatores como a incidência de seca em algumas bacias leiteiras, a valorização cambial e a chegada do auxílio emergencial trouxeram alguns elementos para dar um nó no desempenho do segmento leiteiro no ano de 2020.
Segundo ele, o recorde no preço da matéria-prima no primeiro semestre aumentou a rentabilidade do produtor (veja tabela) e estimulou o aumento da produção leiteira até o mês de setembro. No mesmo período houve um incremento de mais de 62 milhões de litros importados e, consequentemente, maior disponibilidade do produto para o mercado. Na contramão do desempenho observado pelo produtor, o varejo perdeu participação no valor de venda e a briga com a indústria facilitou a queda dos preços nas prateleiras.
Quando se esperava um forte recuo no preço da matéria-prima, com os primeiros sinais de queda no valor da cesta de produto como o leite UHT e o queijo tipo muçarela entre os meses de agosto e novembro, como consequência da disputa entre varejo e indústria, do forte aumento da oferta da matéria-prima no segundo semestre e da perspectiva de redução de renda com a queda pela metade do auxílio emergencial, houve uma nova recuperação.
“Questões climáticas como o efeito La Niña, que provocou alterações das chuvas em todo o País, o abate de matrizes devido à valorização da arroba do boi gordo e o aumento no preço da ração – com fortes reajustes do milho e soja no mercado futuro – impulsionaram novos reajustes no preço do leite UHT, dos queijos e no mercado spot”, sintetizou.
E as incertezas para 2021 se mantêm. O cenário de câmbio e preços internacionais são bastante incertos, as importações tendem a seguir competitivas, e uma das únicas certezas é o aumento de 17,8% no preço do milho e soja e há uma previsão de uma inflação de 18% no leite.
“O cenário depende da manutenção ou não do auxílio emergencial, da recuperação econômica, da nova vacina, e até de uma segunda onda da pandemia”, finaliza Galan.
Glauco Carvalho, economista da Embrapa Gado de Leite, levou para o Dairy Vision uma palestra que teve como objetivo avaliar se os queijos podem ser o grande promotor do consumo de lácteos no Brasil. E iniciou sua apresentação comparando o consumo per capita (kg/ano) de queijo entre o Brasil e os países mais ricos. E o gráfico mostrou que nosso consumo é relativamente baixo de queijo, quando comparado a países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Argentina. “É uma questão relacionada à renda e neste aspecto estamos alinhados à nossa realidade considerando a renda média. E sob, este aspecto, podemos ver que o consumo está em um patamar razoável”, afirmou.
Grande inovação nesse segmento – Uma das constatações é de que o brasileiro está “comendo” mais leite. O que significa dizer que o consumo de queijos tem superado o consumo do leite fluido e dos demais derivados. “Vemos o queijo com uma tendência importante de crescimento. De 2010 a 2019 os queijos passaram de 30,8% para 34% no destino do leite sob inspeção”, apontou Carvalho. Segundo o pesquisador, considerando apenas o efeito renda, o consumo de queijo deverá crescer entre 17% e 26% nos próximos dez anos. “Além deste fator, observamos inovações com produtos mais segmentados e um mix cada vez mais variado, que acabam puxando o consumo desses alimentos”, completou Carvalho.
Dados comparativos mostraram que os queijos têm resposta mais acentuada à alteração de renda. Nos estratos de renda mais baixa, a cada 1% de aumento na renda há um avanço de 0,82% no consumo de queijo, enquanto para os demais derivados o aumento fica na casa dos 0,5%. Nos estratos de renda média, o acréscimo de 1% nos rendimentos representa um aumento de 1,2%, enquanto, por exemplo, quando o consumo de leite em pó apresenta recuo de 1,15%, o leite fluido avança apenas 0,5%. Veja a Tabela 2.
Quando se observa a aquisição anual de lácteos, à medida que a renda aumenta, maior é o consumo de queijos, principalmente. Para as rendas até R$ 1,9 mil, o consumo de queijo por ano é de cerca de 700 gramas, quando a renda supera R$ 14 mil o consumo chega a quase 6 kg por ano, 8,8 vezes mais. Enquanto para o leite fluido o aumento do consumo nas mesmas condições é de 2,1 vezes mais. Iogurte, 4,9 vezes e leite em pó, 1,05 vez mais.
Mesmo em períodos de recessão a demanda por queijo se manteve porque está ligada ao perfil do consumidor”, afirmou o economista da Embrapa. De 2009 a 2019, enquanto a renda cresceu 14%, o consumo de queijo aumentou 26%. A perspectiva para o futuro segue otimista: considerando-se dois cenários de crescimento da economia (2% e 3%), o potencial de consumo de queijo até 2029 pode representar 38% do leite inspecionado no Brasil. “Pode ser maior e acreditamos nisso, porque além do efeito renda observamos inovações com produtos mais segmentados e mix mais variados que acabam puxando o consumo desses alimentos.”
Glauco Carvalho apontou ainda quais as tendências para os próximos anos para estimular o consumo de lácteos:
• Segmentação (nichos como oportunidades)
• Produtos funcionais – para públicos com necessidades diferentes
• Customização – para cada tipo de refeição
• Sabores diferenciados
• Produtos de origem – em todo o País, todos os biomas, grandes oportunidades. “Queijos artesanais com margens até 40% maiores em alguns casos”, afirmou.
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