balde branco

É necessário o produtor se profissionalizar, aprender a fazer a gestão da propriedade, controlar o fluxo de caixa e trabalhar com os índices zootécnicos para ser cada vez mais eficiente. Para isso, precisa contar com o Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural, por iniciativa das cooperativas ou indústrias compradoras. As INs 76 e 77 destacam isso no item Plano de Qualificação dos Fornecedores de Leite. Então, para que não fique só nas exigências, elas devem fazer esse trabalho de apoio ao produtor.

ENTREVISTA

WANDER BASTOS

Com capacitação, produtor pode

aproveitar as oportunidades do mercado

Wander Bastos é a quinta geração de uma família de produtores de leite e sua propriedade está localizada no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. Com formação em medicina veterinária, especializou-se em Saúde de Úbere e Qualidade de Leite pela Universidade de Uppsala, na Suécia. Entre outras atividades, como representante da classe produtora, ele atua como presidente do Sindicato Rural de Cruzeiro (SP), presidente da Associação dos Sindicatos do Vale do Paraíba, conselheiro estadual da Abraleite e coordenador da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite da Faesp.

Balde Branco - Em termos de Brasil, quais os principais problemas que fazem com que, em muitos casos, os produtores de leite não avancem o quanto desejam na atividade?

Wander Bastos – De modo geral, os problemas são quase os mesmos em todas as regiões brasileiras. Da porteira para dentro, é preciso capacitar os produtores na gestão eficiente de seu negócio. Precisam saber como fazer o planejamento da propriedade e da produção, entender o potencial de produção da propriedade, as condições climáticas da região, escolher as raças que melhor se adaptam em suas regiões, além de qualificar a mão de obra. Da porteira para fora, o problema é mais homogêneo ainda: logística para captação do leite, condições das estradas, acesso às propriedades, entre outros fatores que encarecem os processos da cadeia. Temos também a precificação e o mercado comprador. Com relação a problemas sazonais, enfrentamos a importação de lácteos e as fraudes. Por fim, há um caminho a percorrer muito importante: a valorização do sistema cooperativo, a organização de associações e o fortalecimento dos sindicatos. Portanto, o produtor precisa se profissionalizar, aprender a fazer a gestão da sua propriedade, controlar o fluxo de caixa, trabalhar com os índices zootécnicos para ser cada vez mais eficiente. Para isso é preciso ser assistido por um Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural, pelas cooperativas ou indústrias compradoras. As INs 76 e 77, do Ministério da Agricultura, ressaltam esse ponto, por meio do Plano de Qualificação dos Fornecedores de Leite, para que não fique só nas exigências, mas façam um trabalho de apoio ao produtor. É necessário também melhorar o acesso às linhas de crédito, à rede de internet, pois a cobertura digital nas áreas rurais ainda é deficitária. Em síntese: só com capacitação o produtor conseguirá avançar em produtividade e qualidade e poder agregar valor ao produto e aproveitar as oportunidades do mercado.

BB - Trazendo a conversa para São Paulo, a que você atribui o drástico retrocesso da produção leiteira no estado nas últimas décadas?

WB – Acredito que o maior retrocesso foi entre a década de 1990 e o início dos anos 2000, quando acompanhamos o aumento da produção de outras culturas, como soja, cana-de-açúcar e principalmente o enfraquecimento do sistema cooperativista. Depois da desastrosa abertura do mercado feita pelo então presidente Collor, e, no caso do Sistema Paulista, além da Central (CCL), com o encerramento de suas atividades em 2010, foram fechadas pelo menos 12 cooperativas no interior, contribuindo ainda mais para a estagnação da produção em SP. Ao mesmo tempo, assistimos aos três estados do Sul e Goiás crescerem virtuosamente na produção leiteira, enquanto Minas Gerais se manteve estável.

BB - O Vale do Paraíba já foi pujante na produção leiteira. Trace um breve retrato do que era antes e como está hoje.

WB – A região foi muito forte na década de 1970. Os principais municípios produtores eram Pindamonhangaba e Guaratinguetá, com uma admirável genética de gado Holandês, que serviu de base para o gado Girolando de ótima qualidade. Aliás, pelas narrativas da história, o Girolando começou (por acaso) em Lorena. Tínhamos grandes exposições em Cruzeiro, Pindamonhangaba, Paraibuna, além de Bragança Paulista, muito próxima ao Vale. Mas a grande feira era em Guaratinguetá, durante a década de 1880, a Exphol – Exposição Nacional da Raça Holandesa, mais tarde transferida para São Paulo, no Parque da Água Funda, depois no Centro de Eventos Imigrantes.

BB - Muitos daqueles destacados criadores e produtores acabaram deixando a atividade. Por que razão?

WB – Muitos desses grandes produtores não tinham a produção de leite como atividade principal, sendo sempre uma segunda atividade. Eram pessoas apaixonadas pelas raças, porém não se preocupavam com a eficiência da propriedade, o que levou a não fazerem sucessores. O Vale do Paraíba, apesar de contar com a produção de cevada, um subproduto de excelente qualidade, está longe dos centros produtores de grãos. Além disso, acredito que o calor, somado à umidade, aumenta os custos de produção para a raça Holandesa, haja vista a expansão do gado Girolando. Importante ressaltar o excelente trabalho feito com genética de ponta no Girolando, tornando a região muito forte na raça. Mas o Vale do Paraíba ainda é a região mais forte do estado de São Paulo em produção de leite, com grandes cooperativas e indústrias compradoras de leite.

BB - Nos últimos tempos, em São Paulo tiveram início alguns projetos de fomento e assistência técnica para impulsionar a produção de leite. Como estão hoje?

WB – Houve várias iniciativas, tais como os programas de assistência do estado, o Cati Leite, os programas do Sebrae-SP, os cursos de capacitação de mão de obra do Senar… Mas em todos eles, infelizmente, não vemos continuidade. Em meados de 2017, começou o Programa Mais Leite Mais Renda da Secretaria da Agricultura, com a participação de mais de 30 entidades de classe, instituições públicas e privadas, associações de raças e universidades. Todos trabalhando políticas públicas para o setor, com resultados práticos percebidos e com ótimas perspectivas para o futuro, principalmente devido à excelência dos profissionais envolvidos, com merecido destaque para os representantes das universidades e dos institutos de pesquisa. Entretanto, com o início de um novo governo tudo parou, o que para nós foi decepcionante, pois diante da qualidade dos profissionais e o peso das instituições envolvidos demonstrou um verdadeiro desperdício de oportunidade. Hoje, ainda temos o Balde Cheio, pouco utilizado atualmente em SP, e o Senar Nacional, que oferece aos estados a possibilidade de operacionalizar a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), mas em São Paulo ainda não é aplicada. Precisamos que os Sindicatos Rurais peçam ao Senar a adesão a esse programa, pois os resultados são muito bons em outros estados.

Lembrando que o produto artesanal, para ser valorizado, além de toda a segurança de sanidade e higiene, precisa ter um diferencial”

BB - Você também atua na Abraleite como coordenador da Comissão Nacional do Queijo e Derivados Lácteos Artesanais. Qual a importância desse segmento para o produtor de leite?

WB – Vemos uma excelente oportunidade para o pequeno produtor, que tem aptidão para isso, pois a produção de queijo é uma ótima alternativa para agregar valor. Esse é um mercado que está em crescimento, mas infelizmente existe o uso político da questão. Há um grande público que pode se beneficiar, porém as informações chegaram um pouco distorcidas, além de ter sido criada uma grande expectativa de que tudo seria possível e fácil de ser realizado. Porém, na prática ficou provado que não é assim. Todo produto artesanal precisa primeiro passar por um processo de fiscalização, seja municipal, seja estadual. Depois se enquadrar nas leis estaduais do Produto Agro Artesanal, e nem todos os estados possuem leis do Produto Agro Artesanal.

BB – De qualquer modo há um grande potencial de crescimento para esse segmento de mercado, não?

WB – Com certeza. Vale ressaltar que o consumo de queijo no Brasil é pequeno, cerca de 5 kg por habitante/ano, quando comparamos com alguns países: na França, por exemplo, consomem-se 25 kg/habitante/ano, e nossos vizinhos, Argentina e Uruguai, cerca de 10 kg/habitante/ano. Fazendo uma conta rápida: se aumentarmos 5 kg/habitante/ano, considerando 1 kg de queijo igual a 10 litros de leite, em um país de 200 milhões de habitantes, destinaríamos 10 bilhões de litros de leite por ano para a produção de queijos, cerca de 30% de nossa atual produção. Transformando esse cálculo em valores comerciais: 1 kg de queijo a R$ 50,00, movimentaríamos R$ 50 bilhões de reais, com um imposto de 18%, o governo ficaria com uma receita de R$ 9 bilhões. Este é um processo em que todos ganham. Ganha o produtor com agregação de valor, ganha o estado com a arrecadação e ganha o consumidor, com um excelente produto. Por isso, os governos estaduais precisam olhar com mais carinho para esse mercado.  

BB - Quais os problemas que ainda precisam ser solucionados e as perspectivas do queijo artesanal?

WB – Até 2017, não contávamos com leis, no âmbito federal, do produto Agro Artesanal. Agora temos a Lei do Selo Arte (Lei 13.680, de 14 de junho de 2018) e, no caso do queijo, temos ainda a Lei do Queijo Artesanal (Lei 13.860, de 18 de julho de 2019), mas existem conflitos em alguns artigos entre as leis. O que foi normatizado na lei do Selo Arte, a lei do Queijo Artesanal trouxe certa confusão, pois acabaram se misturando tradição e regionalismo com produção artesanal, o que não pode acontecer. Características regionais, culturais e tradição têm a ver com Identidade Geográfica e não com produção artesanal, pois esta, por sua vez, está relacionada ao processo de como é feito o produto.

BB - Quais os cuidados que um produtor de leite deve tomar para ter sucesso nessa empreitada?

WB – Buscar orientação junto a um técnico profissional é o primeiro passo. Se identificada aptidão e mercado consumidor que ele possa atingir, vale o investimento. Lembrando que o produto artesanal, para ser valorizado, além de toda segurança de sanidade e higiene, precisa ser um produto diferenciado.

BB - E quanto a São Paulo, essa área do queijo artesanal também tem avançado?

WB – São Paulo tem uma lei do Produto Agro Artesanal desde o ano 2000, a Lei do Sisp Artesanal, número 10.507, que precisa de atualização. Por ser muita antiga, alguns artigos inviabilizam o investimento, por exemplo:  limitação da produção diária e ausência de regulamentação para processar o leite cru (matéria-prima essencial para produtos diferenciados), além de outros artigos que também precisam ser atualizados. Vivemos novos tempos, e entendemos que a legislação precisa ser compatível com a atual realidade do mercado e dos produtores. Caso isso não seja resolvido, acredito que em São Paulo não teremos a produção de queijo artesanal, permaneceremos apenas como mercado consumidor de outros estados, lembrando que somos o maior mercado consumidor do Brasil. Ressalto que estamos trabalhando junto à SAA, à Defesa Agropecuária, ao Cipoa e elaborando um novo texto que deve entrar em consulta pública, esperamos, o mais breve possível.

BB - Associando assistência técnica, sanidade, qualidade e rentabilidade, qual a importância da gestão eficiente na propriedade leiteira?

WB – O produtor do futuro – e deve começar agora –  terá que saber fazer seu controle de fluxo de caixa, elaborar  e interpretar as planilhas de controle zootécnico e conectar isso ao fluxo de caixa, principalmente intervalos entre partos, número de vacas em lactação e a reposição de novilhas, e como isso está refletindo positiva ou negativamente no seu caixa. Planejar o rebanho faz toda a diferença na gestão e principalmente nos resultados. É importante também um bom calendário de vacinação e vermifugação, controle da qualidade de volumosos ou pastagem, que disponibilizem teor ideal de fibras e proteínas. Só assim o produtor terá um custo menor de concentrados e mais qualidade de leite. Porém, faço questão de frisar: só conseguirá isso o produtor que tiver assistência técnica de um profissional especializado.

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