Força de vontade, foco, determinação, planejamento, profissionalismo e, sobretudo, amor à atividade são fatores essenciais para quem deseja fazer de uma propriedade leiteira um negócio lucrativo. E, claro, nessa trajetória, seguindo à risca a orientação técnica. Produtores com esse perfil têm se multiplicado, advindos principalmente de programas de assistência técnica e extensão rural desenvolvidos por órgãos e entidades do setor.
Um bom exemplo é o do casal Sônia e Áureo Cássio de Carvalho, proprietários do Sítio Cachoeirinha das Antas, em Santa Rita de Caldas (MG).
A propriedade tornou-se referência até para fora da região sul mineira, graças à evolução e à eficiência obtidas em apenas oito anos, alcançando crescimento de 1.000% na produção de leite, a partir de investimentos em conhecimento, gestão, melhoria genética, estrutura física e adequada nutrição do rebanho.
Carvalho e Sônia – uma ex-comerciante, de origem “100% urbana” – dividem todas as tarefas no sítio, onde o trabalho começa logo de madrugada. Antes da primeira ordenha, enquanto o marido prepara a ração e inicia a ordenha do primeiro grupo, Sônia cuida do espaço e das mamadeiras das bezerras e depois encaminha os demais grupos de vacas para as ordenhas seguintes.
História – Disposto a realizar seu sonho, Carvalho viveu por três anos em Londres, onde trabalhou como chef de cozinha, e pouco mais de um ano na Espanha, até conseguir uma parte do dinheiro de que precisava para ter seu próprio negócio na atividade agropecuária. O sonho começou a se concretizar quando ele adquiriu em 2005 a área de 37 hectares, onde hoje está instalado.
No início, o gado de corte era a alternativa para se capitalizar pensando futuramente em iniciar a produção de leite, mas de forma bem estruturada, como almejava. “Quando comprei o sítio, investi tudo o que tinha e por isso comecei no corte para levantar o que faltava para investir no leite, mas com eficiência”, conta Carvalho.
Em 2011, ele e Sonia, que haviam se casado em 2010, terminaram de quitar o terreno, construíram uma casa e se mudaram para a propriedade, dando início à almejada trajetória no leite, começando com dez vacas e produção de 120 litros/dia, média que na época já era acima dos parâmetros da região.
“Eu tinha por obrigação ter uma boa média porque, quando saí do Brasil, tive a oportunidade de ver e estudar muita coisa e sabia que com média baixa a atividade se torna economicamente inviável”, relembra. A vasta convivência com o pai também lhe permitiu enxergar erros que não podiam ser repetidos. “Eu já procurava fazer bem feito, mas precisava ter recursos”, afirma.
Desde o início, Carvalho buscou se basear em pilares que considerava e ainda considera fundamentais para quem deseja se dar bem na atividade: genética apurada do rebanho, oferta de boa alimentação, gestão e estrutura que proporcionem controle dos custos, conforto e bem-estar animal e que facilitem a vida do produtor.
A estratégia era ter uma renda mensal com alguma sobra para, aos poucos, incrementar o rebanho e aumentar a produção. À medida que ele foi tendo mais informação e acesso a recursos para investir, também foi entendendo cada vez mais que esses pilares tinham que caminhar juntos.
Mudanças importantes – Em 2013, o produtor fechou uma parceria com o engenheiro agrônomo Rodrigo Beck Júnior, extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/MG), que trouxe mudanças importantes para a propriedade.
O técnico logo percebeu, entre outras coisas, que havia uma boa parte das pastagens degradada, sem correção e sem adubação há muitos anos, mas viu também que a propriedade tinha bom potencial e boa topografia e foi incentivando o produtor a aumentar a sua produção.
Um dos primeiros passos nesse sentido foi adotar o sistema de pastejo rotacionado, com piquetes instalados a partir da divisão de uma área com capim mombaça, refletindo de imediato no volume de produção. No ano passado, quando reformou esses piquetes, alguns receberam o capim BRS Zuri, com boa resposta às expectativas do produtor e do técnico.
As partes degradadas, que anteriormente haviam sido arrendadas para o plantio de hortaliças, agora são áreas de plantio de milho para silagem, somando 18 hectares na safra de verão e 7 a 8 hectares na safrinha.
Melhoria genética – Entre 2014 e 2015, Carvalho conseguiu um financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), para a compra de mais cinco vacas e, já no ano seguinte, a produção saltou para 300 litros/dia.
“Começamos a melhorar geneticamente o rebanho com um tourinho Holandês adquirido na região e, a partir de 2020, com a inseminação artificial e o investimento em FIV (Fertilização in Vitro)”, conta o produtor.
Nesse caso, a maior parte do custo foi financiada por meio do programa Sebraetec FIV, do Sebrae/MG. Isso lhe proporcionou uma nova geração de bezerras que, juntamente com a aquisição de outros animais, ajudou a impulsionar a produção, que àquela altura era de 600 litros/dia, com média de 15 litros/vaca/dia.
Carvalho, que até então vendia o leite para a Associação dos Produtores de Leite de Santa Rita de Caldas (Aprol), passou a fornecer para a Danone, conseguindo entrar de imediato num programa de transferência de embriões com metade dos custos – cerca de R$ 750 por prenhez. Patrocinado pela empresa, esse benefício trouxe um novo avanço, além da melhor remuneração, o que o levou a abraçar de vez a produção de leite. Atualmente seu rebanho tem 61 vacas em lactação, que produzem 1.200 litros/dia, ou seja, o aumento foi de 1.000% quando comparado a seu início, em 2014.
“Hoje, ele é reconhecido na região como um bom criador de Girolando, com animais registrados, e está sempre buscando agregar ao rebanho animais de boa procedência. Além disso, tem um planejamento muito bem feito, com a compra de insumos nas épocas de maior oferta e melhor preço, fechando contratos antecipados que permitem ter uma boa previsão dos custos”, assinala Beck. Nesse caso, ajuda muito a central de compras, serviço que a Danone disponibiliza a seus fornecedores, da qual Carvalho sempre lança mão.
Com mais animais de alta produção, o rebanho foi dividido em dois lotes: um com vacas de menor produção, que permanecem nos piquetes e recebem suplementação no cocho, e outro com as de maior produção, que são confinadas e recebem comida na pista de alimentação recém-construída, dispondo ainda de uma área de descanso com sombra e água.
Apesar de ter deixado o gado de corte em segundo plano e focado na recria de vacas leiteiras, usando transferência de embriões e inseminação com sêmen sexado, Carvalho, estrategicamente, consegue renda extra usando touros de repasse – um da raça Nelore e outro Senepol – para obter bezerros de corte, que, no ano passado lhe renderam, em média, R$ 2,7 mil por cabeça, dinheiro que entra como receita extra, agregando valor à atividade.
Conforme Beck, há muitas razões para explicar o êxito de Carvalho, mas o fato de ele gostar muito do que faz e a sua disposição em aceitar e seguir as orientações dos técnicos ajuda muito no planejamento e na redução dos custos de produção. “O segredo dele é a sua dedicação e o trabalho em parceria com a esposa”, diz.
Essas e outras qualidades também são reconhecidas pelo médico veterinário Humberto Júnior Lemos de Camargo, que atende o produtor desde maio de 2022, como consultor do projeto Educampo Sebrae. “Penso que nenhuma assistência técnica é milagrosa, pois depende do empenho do produtor em fazer tudo corretamente”, avalia.
Camargo oferece assistência técnica e gerencial à propriedade, cuida do melhoramento genético e dos índices zootécnicos do rebanho e faz as planilhas de custos usando um software específico, que gera números confiáveis e facilita o trabalho. “Ele é uma pessoa muito receptiva à informação”, garante o técnico, ao se referir ao produtor.
Logo no início, nas suas primeiras visitas, ele observou que uma boa parte da reposição era feita com touros de repasse – prática que ainda continua, mas em menor escala – e poucas prenhezes eram fruto de inseminação ou da transferência de embriões com material genético de raças leiteiras.
Orientado a adotar com mais frequência essas práticas e com o auxílio de consultor do Educampo, o produtor também mudou o manejo do gado e melhorou ainda mais o seu desempenho. “Argumentei com ele que era preciso ter uma recria proporcional e ficar com mais opções de escolha na hora da reposição das vacas, pensando no crescimento da produção.”
Hoje, o rebanho já tem um bom padrão racial, com predominância de vacas Girolando 3/4, entremeadas por algumas da raça Jersey, que elevam o teor de sólidos do leite, com índices que chegam a 4,1%, compondo um adicional pago pela qualidade do leite, que chega a R$ 0,18 por litro, incluindo as taxas de sólidos e os índices de CBT e CCS.
Camargo destaca ainda a infraestrutura como outro diferencial do sítio, que tem boas instalações, com sala de banho e resfriamento, pedilúvio, tronco de manejo e pista de alimentação com área de descanso. Recentemente foram investidos cerca de R$ 800 mil em melhorias que reduziram o tempo de ocupação com a atividade, o que significa mais qualidade de vida ao casal e mais facilidade no manejo dos animais. “É uma estrutura muito caprichada, difícil de ser encontrada em propriedades desse porte na região.”
Produtor exemplar – Resumidamente, fica fácil de constatar que Carvalho trabalha para baixar seus custos, aumentar sua liquidez e avançar cada vez mais. Por isso, procura comprar nas melhores épocas para reduzir despesas com silagem e concentrado, itens que mais influenciam no custo da produção, além da mão de obra, sempre muito enxuta. Até novembro, quando contratou um funcionário, apenas ele e a esposa tocavam a produção, trazendo diaristas eventualmente, para trabalhos avulsos.
Camargo faz as contas e avalia como “muito bom” o desempenho da propriedade, que, considerando o custo por litro, que, no início de janeiro de 2023, variava entre R$ 1,80 e R$ 1,90 (média calculada em relação ao período de maio a dezembro de 2022) e o preço médio de venda, que chegava a R$ 2,90 – valor baseado no preço Cepea/Esalq – conforme reza o contrato celebrado com a Danone, tinha uma margem, variável de acordo com o volume de produção, de cerca de 30%, já incorporada a bonificação, paga como incremento por índices de CCS e CBT e teor de sólidos totais do leite.
Sustentabilidade – Ele observa ainda que a propriedade tem potencial para crescer mais na média por animal, atualmente entre 20 e 21 litros/dia, podendo chegar a 30 litros/dia, aumentando o volume de produção sem precisar aumentar o número de animais. “O Sítio Cachoeira tem condições para isso, pois já tem tudo praticamente pronto para passar para o compost barn, caso queira, com piquetes muito bem manejados, mão de obra reduzida e boa produtividade.”
Oliveira tem duas certificações por baixa emissão de carbono, sendo uma da própria Danone e outra concedida pela empresa internacional QCONZ. Isso, somado aos seus ótimos resultados e índices zootécnicos, faz dele uma referência que influencia positivamente outros produtores. “Ele é um cara de muito alto astral e positivo e isso cativa até os mais pessimistas, que veem nele um produtor exemplar, que caminha no sentido contrário às lamentações comuns ao setor, se tornando uma vitrine para os demais”, finaliza Camargo.
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