Na Fazenda Hiomar Neuberger e Família, localizada no distrito de Serra do Pontão, município de Coqueiros do Sul (RS), a própria denominação já define o perfil do negócio: 100% familiar. Os proprietários, Hiomar e sua esposa, Ivone Maria, contam com a ajuda dos filhos Ricardo Airton, André Luís e da nora, Maiara, esposa de Ricardo. Com foco na atividade leiteira a partir de 2008, a propriedade, apesar de falhas na gestão, no manejo em geral, conseguia rentabilidade. A família sabia que havia potencial para crescer, porém, para isso, seria preciso superar as falhas. Decidiu, então, dar um outro rumo ao negócio em 2016, profissionalizando-se para garantir uma atividade sustentável e que pudesse aproveitar todo o potencial da fazenda. Em pouco tempo, os resultados positivos foram dando um novo perfil à atividade, fazendo com que a fazenda se tornasse referência de bom desempenho na produção de leite. Tanto que Maiara, que cursa, à distância, MBA em Gestão do Agronegócio na Esalq/USP, está sendo convidada para falar sobre esses avanços em eventos do setor leiteiro.
“Eu e meu marido, Ricardo, estamos à frente da atividade, sobretudo na gestão. Mas focamos bastante na ordenha, no controle leiteiro, no controle reprodutivo, no controle sanitário, no cuidado com as bezerras, nas anotações diversas e no levantamento dos custos”, diz Maiara, explicando que André cuida da alimentação das vacas, novilhas, vacas secas e vacas pré-parto. Seu Hiomar auxilia no manejo da cama do compost barn, na limpeza da pista de alimentação e no manejo do esterco. Dona Ivone Maria auxilia também na ordenha. “Resumindo, é uma lida totalmente familiar, não temos mão de obra de fora, quem só não está na lida da produção é Jaine, esposa do André Luís, que tem outra atividade e está cursando gestão do agronegócio”, completa Maiara.
A atividade leiteira da propriedade se iniciou mesmo em 2008, após uma chuva de granizo dizimar as lavouras de soja da propriedade e de propriedades vizinhas, provocando um prejuízo muito grande. A soja era a principal renda da família. Para buscar uma outra fonte de renda, optaram por reforçar a atividade leiteira.
A família de Ricardo sempre tirou leite para consumo e fazia alguns queijos, mas foi somente em 2008 que eles decidiram incrementar a produção para vender o leite. Era uma forma de diversificar as atividades, com a possibilidade de elevar a renda. Ou seja, se uma renda não vai tão bem, a outra complementa e assim a propriedade conseguiu se manter. Na época produziam soja como renda principal, milho e trigo e o leite em menor escala.
A virada do negócio mesmo se deu em 2016, quando, em conjunto, decidiram elevar a escala de produção, investindo num galpão de compost barn para até 70 vacas em lactação. “Isso porque chegamos à conclusão de que, para ter um plantel maior e com melhor produtividade vaca/dia, seria preciso confinar os animais. A produtividade média vaca/dia estava em torno de 18 litros, queríamos melhorar isso e aumentar o plantel, porque a família estava aumentando e nós, os jovens, queríamos ficar na propriedade”, conta Maiara.
Hiomar se associou à Cotrijal, passando então a contar com orientação dos técnicos da cooperativa, tanto na parte de produção de grãos, como depois, na atividade leiteira (parte reprodutiva, nutrição, sanidade, campanhas de forrageiras de verão e inverno, entre outros itens).
Ela relata que, anteriormente, dos 76 ha da propriedade, 3 ha eram destinados à atividade leiteira (1,8 ha de tifton irrigado e o restante sorgo e milheto), no verão. Já no inverno eram cultivados azevém e aveia em torno de 10 ha. Na época, a produção de grãos era a mais importante (principal a soja, seguida de milho e trigo)
Até 2016, o rebanho era formado por animais Jersey, Holandês, mestiços (Jersey e holandês), num total de 40 animais, com 28 vacas produzindo na média de 18 litros de leite por dia, totalizando cerca de 500 litros, coletados a cada dois dias pela indústria. Dispunham de dois conjuntos de teteiras, transferidor de leite e um tanque resfriador de 1.500 litros. O sistema era a pasto, com aveia, azevém no inverno e no verão era sorgo, milheto e tifton 85, ambos complementados com ração no cocho, somente. “Era destinada, a olho, uma quantidade pequena de ração por vaca de leite, no cocho, enquanto eram ordenhadas”, conta Maiara, assinalando que os animais tinham um baixo padrão genético, sendo inseminados sem o devido critério de melhoramento.
Quanto à mastite, só tomavam providências quando surgia a mastite clínica, detectada no teste da caneca. Daí, era feito tratamento com um antibiótico, somente. A qualidade do leite girava ao redor de 518 mil de CCS e 102 mil de CBT. A proteína era de 3,27% e a gordura, 3,74%.
Com os conhecimentos de que dispõem hoje, Maiara e Ricardo observam o quanto era crítica a situação de manejo dos animais, do desempenho reprodutivo e como a falta de conhecimentos os impedia de fazer as coisas corretamente.
Naquela época, antes de 2016, a média do DEL era ao redor dos 243 dias, o intervalo entre partos, de 13,2 meses.
A criação de bezerras também era problemática, pois recebiam pouco colostro, não era feita a cura do umbigo e não havia instalações adequadas, ficando amarradas num galpão e recebendo 4 litros de leite até os 60 dias. Não era feita nenhuma prevenção à diarreia. Depois, sem receber uma dieta adequada à idade, as novilhas não tinham bom desempenho e ganho de peso adequado. Com essas falhas, que prosseguiam na recria, as novilhas eram inseminadas abaixo do peso correto, com idade entre 17 e 20 meses.
Melhoraram um pouco, naquele tempo, depois do acompanhamento mensal do veterinário da cooperativa na parte de reprodução. “Graças a essa orientação, começou a ser verificado e explicado o que era uma taxa de prenhez boa, taxa de concepção, taxa de inseminação, entre outros indicadores.” A gestão da fazenda se resumia a algumas anotações básicas num caderno escolar, como inseminações, secagens e partos. Nascimentos de bezerras também eram anotados.
Em 2016, começaram a produzir silagem, plantando 10 ha de milho no verão e 10 ha de milho de inverno, seguindo indicações e orientações da cooperativa que presta assistência na parte da nutrição. O técnico da cooperativa orientou na escolha dos híbridos de melhor qualidade e produtividade. Em relação à produtividade, todo ano se faz a análise para escolher o melhor milho para silagem, conforme demanda da propriedade, a área a ser cultivada, o que vai de fertilizante e assim por diante.
O preço médio pago pelo litro de leite na época era de R$ 1,44. O custo para produzir 1 litro de leite era bem baixo, e o item que pesava mais era a alimentação (ração), que ficava em torno de R$ 0,70, o que permita uma margem de lucro em torno de 50%. “Estava dando resultado porque cobria as despesas da propriedade, permitia investir em alguns equipamentos, melhorias na infraestrutura da propriedade, entre outros. Porém, sabíamos que seria preciso melhorar em muitas coisas para ter um negócio profissional e sustentável.”
Novo cenário na fazenda – Hoje, nos 76 ha da Fazenda Hiomar Neuberger e Família, 19 ha são destinados à produção de leite, sendo destes, 15 ha para silagem de milho verão e, em seguida, o cultivo de 15 ha de milho safrinha para silagem. O restante é a instalação do compost barn, da sala de ordenha, da esterqueira, da área de tifton para bezerras, novilhas e vacas secas. Hoje, a renda e a produção principal da propriedade estão na atividade leiteira.
Ao todo, a fazenda tem 86 animais, sendo 49 vacas na ordenha, 9 vacas secas, 18 novilhas e 10 bezerras. Aproximadamente 20% são da raça Jersey e 80% da raça Holandesa. A média do compost barn está em 28 litros vaca/dia, e as vacas recebem silagem de milho safrinha, mais concentrado.
Segundo Maiara, as mudanças tomaram fôlego mesmo em 2017, com o investimento na construção do compost barn. “Buscamos melhorar a estrutura da sala de ordenha pulando de dois conjuntos de teteiras para seis. Animais dentro da sala saíram de quatro para 12 animais, seis de cada lado. Instalamos uma salinha para a farmácia, uma pequena escrivaninha para anotações, gavetas para os documentos, banheiro anexado junto, e sala do resfriador.”
Ela faz questão de frisar que desde o início fizeram a lição de casa do jeito certo: o novo projeto foi definido depois de muita conversa entre os familiares, visitas a diversas propriedades que tinham esse sistema de confinamento, busca de informações e toda a avaliação de sua viabilidade e, por fim, a busca dos recursos junto a uma instituição financeira. “Inclusive, se toda a família iria trabalhar junto, discutimos as atribuições de cada um, para que tudo viesse a funcionar a contento.”
A família fez muitos investimentos nesses últimos três anos. Como a construção do compost barn, com quatro ventiladores, por meio de financiamento bancário. “Já a aquisição de matrizes leiteiras, novilhas, compra de uma desensiladeira maior para trato do plantel, construção da sala de ordenha nova, isso tudo foi com recursos próprios, além da aquisição de um trator com posterior compra de uma concha frontal para auxiliar no trato da silagem, e limpeza do tratador. Também a aquisição de um espalhador de esterco e de uma estufa bacteriológica, foi tudo recurso próprio”, diz Maiara.
A produtora explica que sempre tiveram preocupação com o meio ambiente, fazendo manejo correto dos resíduos (esterqueiras), bem como tendo as áreas preservadas com as nascentes e mata ciliar. A propriedade conta com energia solar, que abastece o setor leiteiro e as necessidades da família.
Como mencionado acima, atualmente, a Fazenda Hiomar Neuberger e Família conta com 49 vacas na ordenha, nove vacas secas, 18 novilhas e dez bezerras, totalizando 86 animais. Conta com a assistência de médico veterinário no manejo reprodutivo a cada 15 dias. “Um especialista em nutrição também nos orienta na formulação da dieta. Fazemos o controle leiteiro mensal, e agora sabemos quais as vacas que estão com CCS alta e como proceder para controlar a mastite subclínica”, afirma Maiara.
A qualidade do leite teve um salto bastante significativo, conforme a produtora faz questão de ressaltar: a média da CCS está em 211 mil células por ml, a CBT em 8 mil; a proteína em 3,51% e a gordura, em 4,19%. “Focando muito na qualidade, a empresa para a qual entregamos o leite nos bonifica melhor”, nota ela, destacando o quanto foi importante instalar o minilaboratório de cultura que identifica a bactéria causadora da mastite, num teste feito na propriedade com resultado dentro de 24 horas.
Outra tecnologia adotada é o uso colares com sensores em 40 animais, que medem a ruminação da vaca, o tempo de atividade e de ócio do animal, entre outros aspectos. “Essas informações me geram, depois de analisadas, alertas se a vaca está no cio, doente, se há algo de anormal com ela. Tudo isso auxilia muito na atividade no dia a dia”, diz ela.
Com maior rigor e aprimoramento na gestão e análise das informações, as decisões são tomadas com maior objetividade e segurança. Lançamentos e anotações, que não eram feitas anteriormente, agora são realizadas em cadernos, planilhas Excel, e vão para uma central de informações. Para tanto, ressalta Maiara, utiliza também o programa Gerenciamento de Custos da Propriedade Leiteira-Cotrijal. “Temos um gerenciador de informações reprodutivas da vaca. Na lida do leite, tenho internet disponível para acesso a algum dado, lançamento de alguma informação. Diante disso, tiramos relatórios, fazemos análises de investimentos, investimos em um negócio, seguramos, poupamos e pensamos no futuro”, assinala.
O custo de fevereiro, por exemplo, ficou em R$ 1,39 o litro, para uma remuneração de R$ 1,53 por litro, pago pelo Laticínio Bela Vista, marca Piracanjuba. “Nossa margem está em média, nos últimos 12 meses, de 13%, e queremos chegar a 18%.”
A Fazenda Hiomar Neuberger e Família, conforme assinala Maiara, utiliza o programa de Gerenciamento de Custos da Propriedade Leiteira, desenvolvido pela Cotrijal. Há mais de 15 anos essa ferramenta auxilia seus associados a acompanhar seus custos de produção na atividade leiteira, explica Isabela Cavalcanti, analista de Informações de Mercado da Cotrijal. “Em 2019, o programa de gerenciamento de custos foi reformulado com o objetivo de auxiliar o associado a obter melhor gestão de seus custos por meio do acompanhamento detalhado dos dados financeiros da propriedade a fim rentabilizar o produtor”, diz.
Foram selecionados 30 produtores associados da Cotrijal, divididos em grupos de acordo com o sistema de produção. Após essa etapa, o programa foi iniciado por meio do levantamento dos diversos dados de produção de cada propriedade. “Com essas informações, o programa apresenta gráficos com indicadores selecionados para que possamos analisar os dados de produtividade de forma clara e objetiva, para que o produtor e os profissionais que os auxiliam tenham um raio-x financeiro da propriedade, visando melhorar a produção a alcançar parâmetros de alto desempenho para os diferentes sistemas de produção”, nota Isabela.
O programa objetiva não somente o acompanhamento e gestão de custos dos participantes, mas também a elaboração de indicadores que sirvam de referência para os demais produtores, com o objetivo de beneficiá-los com a exposição de tais parâmetros, que servirão de metas para avaliação da efetividade de cada produtor.
Metas – O planejamento, segundo Maiara, é atingir em um ano toda a capacidade do sistema, com 70 vacas em lactação ao longo do ano. Com o rebanho estabilizado, chegar a uma produtividade de no mínimo 30 litros de leite/vaca/dia, e, em alguns períodos, ter médias superiores a 33 litros/vaca/dia.
Nos últimos anos, a família aprimorou a criação das bezerras e os cuidados posteriores com novilhas com alto padrão genético, graças ao programa de acasalamento que a propriedade vem trabalhando. Também há mais atenção na reposição dos animais mais velhos ou com problemas ao longo do ano, com novilhas de melhor padrão genético. “Tudo isso sempre com foco no monitoramento dos índices reprodutivos e outros que precisamos melhorar, com uma gestão bastante eficiente desses números da propriedade. Claro que a qualidade é primordial nesse contexto”, diz a produtora, observando que, no médio prazo, farão investimentos em novas tecnologias do Agro 4.0 e também aumentarão o compost barn para ter mais animais em lactação. “Agora sabemos fazer o certo e nosso aprendizado é contínuo, pois sempre é possível melhorar mais”, conclui ela.
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