O sistema de pastejo é a mais tradicional forma de alimentar o rebanho leiteiro e está presente em todas as regiões brasileiras, com os mais diversos tipos de capins. Este sistema pode sempre melhorar quanto a oferecer alimento em quantidade e qualidade nutricional, desde que seja manejado com eficiência, respeitando-se as condições da propriedade. Isso pode parecer muito óbvio. Porém, perde-se a conta do número de produtores que ainda estão aquém do necessário para explorar todo o potencial da pastagem que têm na propriedade. Daí que vale sempre reforçar as recomendações das boas práticas, que devem estar na base do uso de um sistema de pastejo.
“O sistema de pastejo pode ser usado em qualquer propriedade, porém em algumas situações, como no caso de animais de excepcional potencial produtivo (acima de 35 litros), com pouca adaptação a climas quentes, podem não expressar seu potencial genético. Nesses casos, o sistema confinado com controle de ambiência seria o ideal”, avalia Ricardo dos Santos da Silva, médico veterinário, assistente agropecuário da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), regional Catanduva (SP), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Ele destaca ainda que a principal vantagem do sistema de pastejo intensivo, sobretudo quando irrigado, é a produção de volumoso com excelente qualidade, com custo baixo, que é colhido pelas vacas, dispensando a necessidade de equipamentos, combustíveis e mão de obra. “Temos, no Brasil, pastejos muito eficientes em áreas de 0,5 hectare e de centenas de hectares irrigados por pivôs centrais. O pastejo intensivo é uma tecnologia muito flexível, que atende a diferentes situações de propriedades e de regiões. Por isso ganhou tanto espaço no sistema pecuário brasileiro.”
Existem muitos casos de produtores com vacas produzindo 30 a 35 litros em sistema de pastejo intensivo, destaca Silva. Em geral, são animais que unem a rusticidade e a resistência ao calor da raça Gir Leiteiro, com o potencial produtivo do Holandês. Há casos também com um grau de sangue Jersey, o que diminui o tamanho do animal, permitindo uma mantença mais baixa e um gasto menor de energia de deslocamento para pastejo.
Por mais que haja ótimos exemplos que mereçam destaque, o Brasil ainda engatinha na eficiência produtiva de animais a pasto. “São pouco mais de duas décadas de conhecimento real desse tipo de exploração. Somos surpreendidos positivamente a cada ano com a produção de variedades de capins e capineiras e com a adaptação de vacas cruzadas a este modelo”, nota ele.
Já existe amplo conhecimento disponível dessa tecnologia, além de técnicos especialmente preparados para orientar os produtores, por meio de consultorias e programas de assistência técnica ligados a instituições oficiais, a cooperativas e a laticínios. Por isso, basta o produtor buscar orientação técnica para explorar ao máximo seu sistema de pastejo. Silva indica algumas orientações básicas para o produtor alcançar, com o aprimoramento contínuo, alto nível de exploração de seu sistema de produção de leite.
– Água – Há na propriedade água suficiente para irrigar quantos hectares de pastagem? Este é o ponto limitante em muitos casos e que só é observado depois do projeto ser iniciado;
– Planejamento – Feito o levantamento da área em potencial a ser intensificada, qual a capacidade de investimento? Quantos hectares poderão ser irrigados, divididos em piquetes, adubados, roçados quando for o caso e, é claro, de acordo com o número de vacas que consumirão essa forragem que será produzida? Isso faz parte de um diagnóstico e em seguida deve constar do planejamento, a ser feito juntamente com o técnico especializado.
Silva faz questão de lembrar um comentário do pesquisador André Novo, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), ligado ao Projeto Balde Cheio: “O sistema de pastejo é de conhecimento tácito”. Ou seja, o produtor só consegue aprendê-lo fazendo. Por isso, o produtor deve começar com áreas pequenas, explorando a propriedade em módulos, que permitam o aprendizado sem atrapalhar o planejamento financeiro do projeto quando erros forem cometidos.
Assim, após o planejamento, o primeiro passo é fazer a análise de solo, essencial para que se possa explorar todo o potencial de um sistema intensivo. “A análise de solo deve ser repetida anualmente e a recomendação deve ser pensada de forma diferente da tradicional, como a do Boletim 100, por exemplo. Nossos sistemas têm altíssima extração de nutrientes, com lotação de verão que chega a 15 UA/ha, produzindo 40 toneladas de matéria seca por hectare/ano, e isso demanda alta reposição de fósforo, potássio e, principalmente, matéria orgânica e nitrogênio”, nota ele.
Quanto à forrageira, ele diz que a melhor para a propriedade é aquela que já existe. Raros são os exemplares de gramíneas que não sejam passíveis de serem aproveitados para o pastejo. “É preciso levar em conta: existem muitas plantas invasoras na área? Existe uma mistura muito grande de gramíneas na mesma área? A degradação da área impede a recuperação? Se a resposta for sim para qualquer uma dessas perguntas, é melhor reformar a área.”
Em caso de reforma, a recomendação é escolher variedades com alta produtividade de matéria verde por hectare e mais ricas em nutrientes. A ajuda de um técnico da região é muito importante nessa escolha, pois nem sempre o melhor é o ideal para as condições da propriedade. “Vale dizer que não existe capim melhor ou pior, existe o capim adequado para diferentes exigências de proteína.”
Com a ajuda do técnico, o produtor deve definir a estratégia da propriedade e fazer um planejamento da sua área, dividindo-a em módulos. Por exemplo: Módulo 1 – Piquetes de tifton ou jiggs, para vacas do lote de maior produção; Módulo 2 – Piquetes de zuri, quênia ou mombaça, para vacas do lote de média produção; Módulo 3 – Piquetes de braquiarão (ou fazer repasse nos módulos 1 e 2), para vacas secas e novilhas em pré-parto.
Importância do concentrado — Dependendo da forragem disponível, vacas com produção acima de 10 a 12 litros de leite já precisam de suplementação de concentrado, mesmo que seja só um pouco de milho grão moído e mineral. Por isso, o concentrado é muito importante no sistema intensivo.
“A grande vantagem de se trabalhar com gramíneas com alta qualidade, sendo colhidas em sistemas organizados, como é o caso do pastejo rotacionado, é que se pode baratear o custo do concentrado, com o uso de dietas basicamente energéticas, baseadas em milho e polpa cítrica, por exemplo”, nota Silva.
Porém, conhecer os teores de proteína e energia da forragem é um desafio. Quando se trata de silagem, é possível conseguir uma amostra bem representativa, enviar a um laboratório e ser bem preciso no balanceamento. Mas quando a alimentação volumosa é a pastagem, a variação da qualidade pode ser diária. “A forma de coleta da amostra, a seleção natural no pastejo das vacas, a luminosidade, adubação e irrigação, entre outros fatores, podem afetar os teores de proteína e energia da planta, fazendo do balanceamento um verdadeiro desafio ao nutricionista da propriedade.”
Para minimizar esse problema de acerto na dieta, usam-se medidas indiretas, como: produção das vacas, teores de gordura, proteína e NUL (nitrogênio ureico do leite), escore corporal e escore de fezes das vacas, resíduos de grãos nas fezes e escore de cocho. A cada ajuste na dieta, esses fatores devem ser avaliados para confirmar que a dieta estimada realmente foi a correta.
Há ainda que se considerar a sazonalidade de produção de forragem. Alta produção no verão e baixa produção no inverno. Essa variação de produção de forragem deve ser prevista no planejamento da propriedade. Se as áreas de pastagem disponíveis no inverno não atendem às demandas do rebanho da propriedade, é necessário plantar forrageiras, como cana-de-açúcar, milho, sorgo, capineiras de napier e capiaçu, entre outras para suprir esse déficit.
Redução de custos — Reduzir os custos do alimento sem perder a qualidade nutricional é um grande desafio e não há uma resposta única. Os custos de alimentação geralmente são de 50% a 60% do Custo Operacional Efetivo e achar o equilíbrio entre qualidade, quantidade e disponibilidade da melhora forragem é um exercício desafiador. “O produtor deve ter forragem de alta qualidade para animais mais exigentes e forragem mais pobre que possa atender às exigências de categorias como vacas secas e novilhas”, orienta Silva.
Sempre que houver água disponível em quantidade suficiente para a irrigação, o produtor só tem a ganhar com essa técnica. Porém, ele deve ter em mente que a água é um bem valiosíssimo e “deve ser usada com critério e o desperdício deve ser próximo de zero”.
Além disso, é preciso saber que irrigação não é molhar o pasto. Existem critérios técnicos de volume a ser aplicado diariamente, que variam ao longo do ano. Se explorada com critério, aliada ao manejo de fertilidade do solo, é uma técnica que permite alcançar altíssimas taxas de lotação (facilmente chega-se a 10 a 12 UA/ha) no verão. “E ainda permite sobressemear culturas que crescem no inverno, com temperaturas mais amenas, como aveia e azevém, que não germinam em sistemas de sequeiro, pois nos meses de exploração dessas forragens, a água das chuvas é muito pouca.”
Com auxílio da assistência técnica, produtores mudaram o cenário de sua produção leiteira, ao focarem no melhoramento do pastejo intensivo, conseguindo maior eficiência financeira deste sistema. Silva exemplifica com duas propriedades, às quais atende. A Chácara da Vó Emília, em Urupês (SP), pertencente a Éder Augusto Duarte, que começou no projeto Balde Cheio, em setembro de 2017. Dentre outros resultados interessantes, merece destaque o aumento conseguido na produtividade de litros de leite por hectare/ano, que passou de 5.732 litros nos primeiros 12 meses para os atuais 13.215 litros. A propriedade que arrendava 1 ha para alojar parte do rebanho, hoje consegue em área própria de 4,9 hectares manter seu rebanho com 14 vacas (12 em lactação) e 13 animais em recria, com pequena suplementação de silagem comprada, focada nos animais de recria.
A propriedade, que recentemente iniciou a exploração de mais 1 ha de pastejo irrigado, com BRS Quênia, tem ainda 1,5 ha de mombaça/braquiária e 0,2 ha de tifton também irrigados.
O Sítio São Domingos, em Paraíso (SP), de Olair Bovoni e seu filho Renato, com pouco mais de 18 meses de projeto, mostra evolução muito expressiva.
Sendo uma propriedade modelo em exploração de sistemas de pastejo, eles contam hoje com 1,4 ha de jiggs, dividido em dois módulos de 16 piquetes cada, mais 0,8 ha de mombaça dividido em 26 piquetes. Para a alimentação de inverno hoje contam com 0,3 ha de cana-de-açúcar, que este ano foi usada basicamente para vacas secas e devem sobrar mudas para a implantação do novo canavial, planejado para a seca do ano que vem, de no mínimo 1 ha, prevendo o crescimento do rebanho.
A propriedade conta ainda com 0,3 ha de jiggs para bezerras e novilhas em crescimento e cerca de 3 ha de braquiarão em sistema de sequeiro, que hoje é ocupado por animais em recria e vacas secas, mas que em 2021 terá um novo módulo de zuri e a nova área de cana.
Com média das vacas em lactação no mês de agosto de 21 litros, a propriedade tem no pasto sua principal fonte de proteína e energia, com vacas que alcançaram 38 litros de produção diária, comendo uma dieta muito barata, individualizada para cada animal, de acordo com a produção, que neste caso é pastagem de jiggs, sobressemeado com aveia e azevém, 4 kg de quirera de milho, 3 kg de polpa cítrica peletizada, 1 kg de farelo de soja, 1,5 kg de caroço de algodão e 300 gramas de núcleo mineral.
Esta combinação de comida barata de qualidade no pasto e vacas de alto potencial genético se reflete no resultado financeiro da propriedade, que ainda tem muito a explorar, com meta de 500 a 550 litros de produção diária em 2022, o que representará cerca de 30.000 litros/ha/ano.
Em ambos os casos, são produtores familiares, sem despesas de mão de obra de funcionários. Por ainda estarem em fases iniciais do projeto, os investimentos ainda são significativos, o que faz com que o fluxo de caixa mensal ainda não seja alto. “Buscamos uma estabilidade nos investimentos, que geralmente ocorre no terceiro ano do projeto, quando o fluxo de caixa mensal desejado é no mínimo R$ 2.500/ mês”, finaliza Silva.
Mais informações: Ricardo S. da Silva – email: ricardosantossilva@sp.gov.br
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