Ao estabelecer a dieta a ser fornecida ao rebanho, o produtor define a receita que indicará os índices de sólidos do leite produzido
Por Liéber Garcia
Para que o alimento leite tenha seu devido valor, devemos avaliar tanto a sua composição nutricional (proteína, gordura, minerais) quanto a sua composição sanitária (contagem de células somáticas-CCS, contagem bacteriana total-CBT, presença de água ou outros compostos químicos adicionados propositalmente), pois, essa composição poderá interferir no rendimento dos produtos lácteos nas indústrias.
Focaremos na composição nutricional, sendo que o manejo nutricional influi diretamente na maior ou menor composição de nutrientes no leite produzido pela vaca. A composição média do leite bovino contém 87,6% de água e 12,4 de sólidos totais. Destes, a gordura representa 3,5%; a proteína, 3,1%, lactose, 5,2% e minerais, 0,6%.
É de conhecimento geral que a indústria láctea nacional vem gradativamente aumentando a qualidade do leite adquirido, pagando aos produtores não somente pelo volume, mas também pela composição do produto. Sendo assim, é de suma importância econômica para a atividade, que o produtor não seja penalizado, quando for receber pelo leite produzido, ou seja, fornecer leite com níveis de sólidos, abaixo do mínimo permitido.
Mas onde a nutrição poderia ajudar? Sabemos que o leite produzido é função da dieta ofertada aos animais e sua digestão por todo o trato gastrointestinal do mesmo. Sabemos também que essa produção só será potencializada após os nutrientes ofertados ao animal serem utilizados para a mantença e que somente após a exigência de mantença do animal for suprida é que o excedente de nutrientes passará a ser utilizado para a produção de leite.
Portanto, o primeiro passo para potencializar a produção e qualidade do leite é o fornecimento de alimento (matéria seca), em quantidade e qualidade compatíveis com a produção e composição esperada. O segundo passo é entender que os alimentos deverão atender as demandas da vaca propriamente dita e dos microrganismos presentes no rúmen, pois a composição do leite depende desses dois indivíduos.
Em dietas baseadas em forragens, grãos, farelos, vitaminas e minerais, deve-se ter em mente que cada um desses ingredientes terá sua digestão e absorção realizada no rúmen (fermentação microbiana) e seus compostos e/ou parte desses alimentos terão a digestão no abomaso (estômago verdadeiro) para depois serem absorvidos nos intestinos.
Fatores que determinam a gordura do leite
As forragens, quando fermentadas pelas bactérias no rúmen, resultarão em ácidos graxos voláteis, sendo o principal resultante, o ácido acético e, em menor quantidade, o ácido butírico. Por sua vez, grãos ricos em amido resultarão em ácido propiônico. Por outro lado, farelos proteicos e/ou uréia, serão as fontes de nitrogênio e aminoácidos para o crescimento dessas bactérias, que por sua vez, servirão de fontes de proteína ao animal hospedeiro.
Para que se obtenha a gordura no leite, o organismo animal se utiliza principalmente de 50% do ácido acético resultante da fermentação das fibras e 50% dos lipídeos oriundos da dieta ou lipídeos circulantes na corrente sanguínea. Portanto, para potencializar a produção de gordura no leite devemos lançar mão de alguns cuidados nutricionais e de manejo, para que, essa fermentação da fibra, não fique prejudicada, podendo assim, ocasionar queda nos níveis de gordura no leite. Dentre os manejos, podemos citar:
– Baixo teor de fibra efetiva (FDNef) na dieta total e alto teor de carboidratos não fibrosos;
– Dietas muito úmidas (>50% de umidade);
– Fornecer mais do que 3 kg de concentrado por trato para os animais;
– Fornecimento de gordura poli-insaturada acima do recomendado;
– Animais sob estresse térmico;
Todos esses fatores podem deprimir o teor de gordura no leite, seja porque causam acidose e o animal não consegue o equilíbrio ruminal desejado para a máxima fermentação e crescimento microbiano, ou porque algumas reações de biohidrogenação de gorduras poli-insaturadas produzem metabólitos que inibem a síntese de gordura na glândula mamária.
Dessa forma, se quisermos aumentar o teor de gordura no leite, basta respeitarmos esses fatores supracitados, balanceando fibras e carboidratos não fibrosos, dietas com umidade adequada, dividir em maior número de vezes o trato ofertado aos animais, respeitar os limites de gordura adicionada na dieta (especialmente as de origem dos grãos de soja e algodão) e principalmente, dar conforto térmico (sombra, ventilação e aspersão) aos animais.
Dieta pouco afeta a proteína
Quando falamos em teor de proteína no leite, devemos saber que é o constituinte com menor modificação pela dieta. Mudanças muito significativas, dependendo do mercado, deverão lançar mão de material genético, pois há raças que produzem maiores teores de proteína no leite do que outras. No entanto, podem ser potencializados pela nutrição. A proteína do leite dentre os alimentos consumidos pelo homem é a que apresenta um dos melhores perfis de aminoácidos. Portanto, para que se aumente o teor de proteína basta melhorarmos o aporte e relação de aminoácidos nas dietas ofertadas.
As principais fontes de aminoácidos – e as que mais se comparam com o perfil aminoacítico do leite – são as bactérias ruminais. Dessa forma, tudo o que for feito para potencializar o máximo crescimento microbiano ruminal tende a melhorar os níveis de proteína no leite. Outra forma é o fornecimento de aminoácidos específicos, protegidos da degradação ruminal, que complementarão os aminoácidos fornecidos pelas bactérias.
Dentre esses aminoácidos protegidos podemos citar a metionina e a lisina. Para que haja um melhor crescimento e melhor aporte de proteína microbiana ruminal, podemos controlar o pH, evitando acidose, que prejudica o crescimento dessas bactérias; processar a fonte de amido, para que o mesmo se torne mais eficiente como fonte de energia para essas bactérias; quantidade e qualidade da fibra da forragem ofertada também impacta no crescimento dessas bactérias.
Quando o desafio nutricional é alto, ou seja, animais de alta produção com alimentos de média a baixa qualidade, podemos lançar mão de aditivos que promovem um maior crescimento de microrganismos benéficos no rúmen. Dessa forma, haverá maior digestão fibrosa (aumentando o teor de gordura) e, consequentemente, maior aporte de aminoácidos oriundos dos próprios microrganismos. Dentre os aditivos podemos citar os tamponantes e os compostos de probióticos, óleos essenciais e funcionais que deprimem as bactérias metanogênicas (melhorando a produção leiteira) e aumentam as celulolíticas que produzirão mais ácido acético (melhorando os níveis de sólidos).
Finalizando, se cuidarmos do rúmen para que o mesmo trabalhe com a máxima eficiência, levando em consideração os alimentos disponíveis na região, com certeza a qualidade do produto final, neste caso o leite, será recompensada! Sem falar que podemos enriquecer o produto final naturalmente com DHA, CLA, selênio, dentre outros compostos que melhoram a qualidade de vida da população, com a zootecnia trabalhando a favor da produção. Mas isso é assunto para outro artigo…
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Liéber Garcia é mestre em zootecnia e coordenador de pecuária leiteira da Premix