No outro extremo, está uma placa evaporativa em forma de colmeia, onde circula água, que garante a umidade adequada dentro do galpão e auxilia na climatização do ambiente. A temperatura interna pode ficar até 8°C mais baixa do que a externa, resolvendo o problema do estresse térmico que afeta as vacas de grande produção nas condições tropicais.
“Uma novidade do modelo instalado na Embrapa são as placas defletoras: conjuntos de lonas colocadas em um ângulo de 45° a partir do teto, que promovem a circulação do vento de cima para baixo, fazendo com que a temperatura na altura das vacas esteja sempre fresca. O pé-direito do estábulo (cinco metros) e a profundidade (60 cm) também foram cuidadosamente projetados para garantir conforto ao rebanho”, informa o chefe-adjunto de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa Gado de Leite, Pedro Braga Arcuri.
Arcuri diz que a cama de maravalha de eucalipto possui 1.200 metros quadrados, podendo receber até 110 vacas de alta produção das raças Holandesa e Girolando (12 metros quadrados/vaca) e pista para a circulação do trator equipado com “avassalador”, que fará o revolvimento do composto duas vezes ao dia.
Além disso, o galpão possui ainda uma série de sofisticações tecnológicas, como luzes de led reguláveis, câmeras e colares com chips para monitoramento do rebanho em tempo real, além de armazenamento de água da chuva e reuso. Nos próximos meses, serão instaladas células fotovoltaicas para captação de energia solar. “Essas são as condições necessárias para que a pesquisa possa responder às questões importantes associadas ao sistema, como conforto animal, aumento da produção e melhoria da qualidade do leite”, assinala Martins.
O produtor de leite Jaques Gontijo Álvares, da Fazenda São Pedro, de Bom Despacho (MG), mudou exponencialmente os resultados na produção de leite, após instalar o sistema de compost barn na propriedade. Gontijo adotou o modelo em 2017, contabilizando um aumento de 7 litros de leite por vaca/dia. “A mastite entre as vacas confinadas caiu de 18 casos para três, na média mensal, o que representou uma economia de medicamentos de R$ 5.800. A melhoria na qualidade do leite, com redução da CCS de 500 para 220 mil, representa um ganho adicional de R$ 6 mil/mês”, diz.
De acordo com o produtor mineiro, parte do aumento de 7 litros/vaca/dia é explicada pela redução da perda de leite das vacas com mastite subclínica, na média de 1,6 litro/vaca/dia, além do ganho de 1 litro/vaca/dia com descarte de 20 vacas em lactação que produziram menos de 4.000 litros de leite por ano. Após a instalação do compost barn, a média da produção da Fazenda São Pedro saltou de 6.780 litros/vaca/ano para 7.252/litros/vaca/ano em 2018 e 7.867/litros/vaca/ano em 2019.
O investimento de Álvares em dois galpões foi de R$ 4.000 por vaca (ele possui 130 vacas por galpão). A construção tem 94 x 27 metros (2.538 m² cada). Já a área de cama tem 12 m²/vaca, e o tamanho do cocho tem 70 cm por animal.
A Fazenda São Pedro fez uma análise da viabilidade econômica do sistema, a qual apontou que os custos são pagos com o aumento na produção de 2,6 litros de leite por vaca/dia. Para a instalação do compost barn, o produtor fez um financiamento pelo BB Inovagro com prazo de dez anos, sendo dois anos de carência e juros de 6,5%. O total do investimento foi de R$ 1,2 milhão.
Além disso, em junho de 2018, o pecuarista instalou o sistema geração de energia fotovoltaica, pois, anteriormente, tinha um consumo mensal de 21 mil kWh, com os galpões e o maquinário para ordenha, e agora a propriedade utiliza cerca de 14 mil kWh/mês. Conforme Álvares, o investimento total na instalação foi de R$ 700 mil, financiados pelo Inovagro/BNDES, com prazo para pagamento de oito anos. “Estou satisfeito com os resultados, já que a economia de energia no período foi de R$ 248 mil ou R$ 12.880/mês”, comemora.
O compost barn da Embrapa substitui um antigo free stall, aproveitando o sistema de ordenha já existente. O confinamento é explorado em parceria com a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL), que arcou com os custos da obra. Entre os parceiros presentes no sistema, estão empresas de alta tecnologia como Microsoft e TIM, além da ABCGIL e da Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa. Outras três startups que participaram do Desafio de Startups da instituição (Cowmed, Onfarm e Bionexus) completam a lista de parceiros.
O responsável pela formatação do projeto da instalação da Embrapa foi o médico veterinário e diretor técnico da Cowcooling, Adriano Seddon, que é uma referência no assunto, visto que trouxe esse modelo de confinamento para o Brasil em 2011. Ele também é responsável pelo projeto instalado na propriedade de Bom Despacho (box ao lado).
“O objetivo de ambos os projetos é melhorar o conforto para o rebanho, oferecendo às vacas uma área sombreada, ventilada, com cama seca, área de alimentação ventilada e com aspersão de água, reduzindo os efeitos do estresse térmico, problemas de cascos e, como resultado, aumento da produtividade do plantel”, ressalta.
Em tradução livre, compost barn significa “estábulo de composto”. O modelo surgiu como alternativa aos sistemas de produção de leite em confinamento como o free stall (galpões onde as vacas ficam retidas em baias individuais) e o tie stall (vacas presas a correntes também em baias individuais). Embora no compost barn as vacas continuem confinadas, os animais podem circular livremente pelo galpão. Isso faz com que elas exercitem seus instintos sociais com o grupo e apresentem cios com mais facilidade, melhorando os índices reprodutivos.
Sua principal característica é a “cama orgânica” cobrindo o piso do estábulo em contato direto com o solo, feita de maravalha ou serragem, cascas de amendoim, arroz, café ou outro material orgânico de baixo custo e fácil disponibilidade para o produtor.
O composto é confortável para as vacas, abolindo as baias com camas de areia ou de borracha, além do piso de concreto dos sistemas tradicionais. “Segundo algumas análises, o piso mais macio contribuiu para evitar problemas de cascos nos animais”, diz o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Alessandro Guimarães.
As vacas passam boa parte do dia no galpão (só saem para serem ordenhadas) e defecam e urinam nessa cama. Entretanto, segundo Arcuri, não há perigo de contaminação das vacas, uma vez que a matéria original da cama, rica em carbono e pobre em nitrogênio e nutrientes, à qual são incorporados os dejetos dos animais, passa por um processo biológico chamado de compostagem, que estimula a decomposição de materiais orgânicos pelos micro-organismos que atuam na presença do ar (aeróbios). Esse processo produz calor, que mata os patógenos que poderiam causar alguma contaminação.
Para que isso ocorra de forma efetiva, a cama deve ser bem manejada, estando sempre seca e sendo submetida a uma constante aeração. O composto deve ser revolvido com a utilização de trator equipado com enxada mecânica duas vezes ao dia. A retirada do material compostado é feita a cada período de aproximadamente um ano (o tempo exato da substituição é uma das respostas que a pesquisa da Embrapa pretende dar). O material retirado do estábulo é um rico adubo orgânico e pode ser vendido ou utilizado na própria fazenda.
O médico veterinário afirma que já existem cerca de dois mil galpões desse tipo operando na pecuária de leite brasileira. “Devido às condições climáticas do País, o modelo se adaptou muito bem, oferecendo conforto térmico às vacas de alta produção, aumentando a produtividade e melhorando a qualidade do leite”, destaca Seddon.
Para Arcuri, o conforto animal é a vantagem mais visível desse sistema. As vacas parecem tranquilas no galpão, quando comparadas aos sistemas de free stall ou tie stall. Quando não estão confortavelmente deitadas, elas interagem umas com as outras. Essa característica levou a Embrapa a batizar seu compost barn de “Vacas e Pessoas Felizes”.
“A vacas estão felizes porque estão em um ambiente confortável, limpo e seco, a uma temperatura adequada para o seu nível de produção. Quanto às pessoas, também ficam felizes, pois as condições de trabalho são melhores e o manejo do rebanho é menos árduo. Além do mais, com o ambiente monitorado pelas tecnologias digitais, tem-se maior confiabilidade na tomada decisões”, assinala o pesquisador da Embrapa.
Para o deputado Domingos Sávio, uma das lideranças da cadeia leiteira em Brasília, muitas propriedades evoluíram com parâmetros de pesquisas desenvolvidos pela Embrapa Gado de Leite. “Ademais, a energia solar é de suma importância e não devemos aceitar em hipótese nenhuma que venham a tributar a energia fotovoltaica, sendo algo em abundância no Brasil. Portanto, não aceitaremos lobby daqueles que só visam ao lucro do processo. Acredito que quase 50% dos custos de manutenção da estrutura fica pago e ainda sobra dinheiro no bolso do produtor”, aponta o presidente da Subcomissão do Leite.
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