É preciso que o produtor tenha uma visão bem completa de seus deveres e direitos e viva a vida da cooperativa. Não pule de galho em galho, porque ela é o seu patrimônio, pois, se a cota de capital da cooperativa se valorizar, sua renda vai melhorar, sendo algo que poderá ser a sua aposentadoria no futuro

ENTREVISTA

Robson Mafioletti

Cooperativa dá

estabilidade e segurança aos produtores de leite

Robson Mafioletti, engenheiro agrônomo, mestre em economia agrícola pela Esalq-USP, trabalha na Ocepar (Organização das Cooperativas do Estado do Paraná) há 21 anos. Filho de produtor rural, desde sempre vive no meio do cooperativismo no interior do Estado do Paraná. Seu pai sempre foi sócio de cooperativa, já que é um pequeno produtor. Fez mestrado na área de Economia com a turma do Cepea. Em maio de 2000, entrou na Ocepar, onde atuou na área técnica e econômica, como agrônomo, chegou a coordenador da área e, em 2016, assumiu a superintendência da entidade.


João Antônio dos Santos

Balde Branco – Robson, fale um pouco da Ocepar e o que ela representa para o setor do agro no Paraná.

Robson Mafioletti – A Ocepar abrange 218 cooperativas, cerca de 2,5 milhões de cooperados, sendo que a maior parte, obviamente, é no ramo crédito, em que qualquer pessoa pode ser cooperada. No ramo agro são 185 mil cooperados, em 57 cooperativas. Temos cerca de 120 mil funcionários nessas cooperativas, várias agroindústrias, sendo 13 indústrias de frango, cinco de suínos, dez de soja, indústria de moagem de trigo, malte, café, cana-de-açúcar, e, no setor de lácteos, são cerca de 20 cooperativas, entre elas Capal, Castrolanda e Frísia.

BB – Neste cenário atual do Brasil e pensando no futuro, qual a importância para o produtor, sobretudo o pequeno e o médio, em contar com uma cooperativa, se filiar e fortalecer essa organização?

RM – A principal vantagem para o produtor é ter a segurança de entregar o leite e, no fim do mês, saber que vai receber pela matéria-prima. A gente vê, infelizmente, empresas menores que, na “hora de loucura”, pagam valores maiores, fora do mercado, mas, no mês seguinte, quando tudo volta à normalidade, o comprador some. Isso não acontece muito ultimamente, mas já vi muita gente ficar na mão. Outra questão é a constância de fazer um planejamento com a cooperativa e ir crescendo aos poucos, com o fornecimento de insumos, assistência técnica do agrônomo, veterinário e zootecnista que acompanham o plantel. A atividade leiteira dá uma renda bem legal para o cooperado, pois todo mês ele tem um dinheirinho entrando, isso se fizer uma boa gestão da propriedade. Sobra, sim, um pouco de verba para ele. A cooperativa traz essa segurança para o produtor de leite porque ela pertence aos cooperados. Isso é muito importante. Veja o caso da Frísia, que tem 95 anos, e, em 2025, completará 100 anos. Ela sempre esteve no município de Carambeí, nunca saiu de lá. A Frísia pode ter planta em São Paulo ou em outras regiões do Paraná, mas a sede está naquela cidade. Então, essa visão de longo prazo traz uma segurança muito grande e as cooperativas permitem isso, pois conhecemos os fornecedores de leite há mais de três gerações, seus nomes, RGs e CPFs.

BB – Embora sendo propriedade principalmente de pequenos e médios produtores, uma cooperativa pode se modernizar e crescer?

RM – Sem dúvida nenhuma, historicamente existem diversos exemplos de sucesso, em várias regiões do País. Hoje, por exemplo, temos indústrias altamente modernas como Frimesa, Unium, de base mundial, entre outras. Agora, com o Paraná livre de aftosa sem vacinação desde maio deste ano, teremos a possibilidade de exportar lácteos também, além de suínos, pois a vacinação era uma barreira que tínhamos. O Brasil nunca foi competitivo nesse mercado, contudo, agora, com algumas bacias leiteiras mais tecnificadas, de alta produtividade, isso pode ser uma alternativa. A Unium, por exemplo, pode entrar nesse pacote, já que ela tem uma indústria de leite em Castro (PR), e queijos também, pois a Frimesa já exportou, tempos atrás, para a Coreia do Sul e outros mercados. Ou seja, essa cooperativa tem potencial enorme de agregar valor ao leite.

BB – As cooperativas, anos atrás, chegaram a representar cerca de 60% da captação do leite no Brasil e, hoje, quando muito, este porcentual está ao redor de 30%. O que levou a essa perda de competitividade e se é possível reverter a situação?

RM – Tivemos projetos grandes, como aquele realizado, no passado, pela Itambé, que foi vendida para a Lactalis, em Minas Gerais. Aqui, no Paraná, também me recordo da marca Batavo, que se transformou na Unium, até ficou mais forte. Acho que foi a oportunidade de vender as estruturas. E quem ficou no setor de leite é o pessoal mais enraizado, aquele que tem uma bacia leiteira desenvolvida, esse sujeito não quer sair da cooperativa. Havia grandes cooperativas que iam buscar leite no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, São Paulo… Compravam do mercado spot, mas isso não gera fidelidade do seu cooperado. A turma que hoje está com a Frimesa, que é uma marca forte no mercado, não quer deixar de ser a primeira. Já a Unium tem outra estratégia de mercado, o B2B, ela não almeja ter uma marca de varejo, mas sim parceiros importantes como Nestlé, Danone e outras marcas. Ou seja, antigamente o pessoal levantava uma cooperativa e via se iria dar certo, hoje o negócio é mais estruturado, pois, comumente, são de pequenos produtores, que também são mais profissionalizados.

BB – O que faz o sucesso de uma cooperativa, ou seja, que ela atenda efetivamente às necessidades de seus cooperados?

RM – Sucesso é a realização do empreendedor por meio da sua governança, da profissionalização, que tem uma visão empreendedora, de mercado, de produtos de qualidade, inovação, entre outras. A cadeia produtiva do leite tem de caminhar nesse sentido, não ficar só dependente dos 210 milhões de consumidores brasileiros. Ou seja, também precisamos oferecer o nosso produto para os 7 bilhões de pessoas que estão mundo afora. Obviamente, precisamos reduzir custo, buscar mais avanço tecnológico na cadeia produtiva. Não precisamos de 70% do leite sendo produzido pelas cooperativas, mas se tivermos 20%, 30% ou 40% produzindo matéria-prima de bom padrão, o problema dos cooperados estará resolvido.

BB – E a razão do insucesso de uma cooperativa?

RM – A visão de curto prazo, o produtor não usar a assistência técnica de forma adequada, com o manejo dos animais, cuidados na ordenha, definir investimentos que são necessários, por exemplo, para os resfriamentos, atender às portarias do Ministério da Agricultura, que são bastante rígidas e estão certas, porque nós também somos consumidores e queremos ter um leite de qualidade. E há bastante espaço para crescermos, sobretudo com o apoio da assistência técnica pública, de Emater, Senar, entre outros, para levar qualificação para o produtor de leite.

Muitas cooperativas oferecem uma excelente cota para os aposentados a partir dos 60 a 65 anos, quando eles começam a retirar essa cota em parcelas, com uma ótima remuneração”

BB – Na sua avaliação, qual o diferencial do Estado do Paraná quanto à pujança das cooperativas?

RM – O cooperativismo aqui começou há 60 anos, de forma mais estruturada, que são a base do modelo de cooperativas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Hoje, acredito que encontramos nossa boa receita do bolo, baseada no empreendedorismo dos produtores que vieram de fora do Estado e também dos paranaenses. E já superamos aqueles erros cometidos no passado no meio cooperativista, de sermos protecionistas. Agora, sabemos que trabalhamos para o mercado, é necessário ter uma visão de planejamento, pois é algo muito importante. Os cooperados do Paraná perceberam isso e vêm fazendo, há tempos, uma gestão moderna. E outra coisa na qual o Estado é pioneiro: na busca do crédito rural e de investimentos de longo prazo. Atualmente, temos mais de 130 agroindústrias e isso foi fundamental para agregar valor à matéria-prima do produtor paranaense. Então, acho que essa visão de planejamento, com recursos para investimentos, foi o caminho das cooperativas do Estado.

BB – O que o produtor deve esperar das cooperativas em termos de direitos, sem esquecer de seus deveres para com a cooperativa?

RM – Em primeiro lugar, o produtor tem de ter o direito de contar, por parte da cooperativa, com uma governança moderna e honesta. Não pode ter uma pessoa corrupta à frente da entidade, que não tenha uma visão de mercado. Para isso, é necessário ficar atento, vigiar e, se for preciso, tirar esse tipo de pessoa do meio. Além disso, o cooperado pode exigir profissionais de assistência técnica, que tragam visões de tecnologias modernas, visando a melhorias do coletivo. Já entre os deveres está pertencer à cooperativa, pois tem muita gente que é cooperado dependendo do preço. Se pagar dois centavos a mais pelo litro de leite, esse tipo de produtor já corre para a concorrência. Dessa forma, é preciso ter uma visão bem completa de deveres e direitos e viver a vida da cooperativa e não pular de galho em galho, porque ela é o seu patrimônio, visto que, se a cota de capital da cooperativa se valorizar, sua renda vai melhorar, sendo algo que poderá ser a sua aposentadoria no futuro. Muitas cooperativas oferecem uma excelente cota para os aposentados a partir dos 60 a 65 anos, quando eles começam a retirar essa cota em parcelas, com uma ótima remuneração. As cooperativas mais estruturadas conseguem transmitir essas informações sobre a importância desse sistema aos produtores.

BB – As cooperativas no PR, SC e RS são como se fossem uma família, uma comunidade de iguais, busca iguais. Como fazer com que esse modelo alcance outros Estados?

RM – A Copacol, que fica próxima ao município de Cascavel (PR), onde, se alguém mexer com um cooperado, é mesma coisa que mexer com a mais alta autoridade. São pouco mais de 6 mil cooperados, a maioria de pequenos produtores com 20 a 30 hectares, que têm a produção de leite, que entregam para a Frimesa, produzem suínos, disponibilizam também para Frimesa, assim como a produção de frango, cerca de 700 mil frangos abatidos nas duas plantas deles, possui também mais quatro fábricas de ração, uma indústria de óleo de soja, e o trigo eles fornecem para a Cotriguaçu, além de uma indústria de tilápias, onde duas plantas abatem e exportam para os EUA. Então, o produtor com 30 hectares vive muito bem. Se tivéssemos umas 20 Copacol no Brasil, já teríamos outra realidade, porque a gestão deles é muito transparente, profissional e o cooperado é remunerado por isso. Ele participa do processo e cobra também.

BB – No que a cooperativa falha em trazer o seu cooperado para dentro das ações que são promovidas pela entidade?

RM – Esse problema aconteceu muito no passado, por falta de visão dos dirigentes e dos cooperados também. Mas agora vejo uma grande participação de todos, principalmente dos jovens e das mulheres. Quando a mulher assume o negócio, ela não faz nada de qualquer jeito, a produtora cooperada é exigente, quer saber do preço de soja, milho, leite, busca conversar e entender todo o processo. E isso é muito bom. Temos 2 mil profissionais de assistência técnica: engenheiros agrônomos, veterinários, zootecnistas fazendo pesquisas para validar as tecnologias que são oferecidas para os nossos cooperados. Não empurramos qualquer coisa para os produtores, logo, fazemos uma boa filtragem. Aliás, os nossos profissionais são bem remunerados, mas cobramos deles muita eficiência.

BB – Que recado você gostaria de deixar para o produtor de leite que deseja evoluir e melhorar sua atividade?

RM – Continuem firmes e fortes, acreditem na atividade, porque o leite é um produto produzido e consumido no mundo todo, logo, tem mercado hoje e terá no futuro. Vamos passar por esses momentos de ajustes, pelos quais, volta e meia, o produtor passa, mas acredito que estamos numa situação bem melhor daquelas vividas há dez anos. As questões sanitárias estamos resolvendo, assim como as mercadológicas e de logística e o nosso setor vai continuar crescendo, temos sustentabilidade para produção no Brasil. Nós conhecemos os nossos produtores e o cuidados deles com o meio ambiente, já que dependem disso para fazer suas atividades. Vamos acreditar, trabalhar muito sério hoje e nos preparando para o futuro do mercado de lácteos, que tem um potencial muito bom pela frente.

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