De linear para circular

Estudos da Embrapa Gado de Leite, onde sou pesquisador, evidenciam o impacto da importação excessiva de leite e lácteos para os produtores. Em momentos assim, comentar sobre alguma tendência para o futuro próximo deve ser entendida como a busca para conciliar competitividade e sustentabilidade. Pensar no longo prazo.

Economia circular pode ser um termo novo, mas é um conceito antigo que passa a ser tendência cada vez mais forte. Na produção linear, todos os recursos aplicados visam tão-somente à produção máxima. O objetivo da circularidade em economia é reduzir tanto o consumo de recursos naturais quanto a emissão de resíduos, por meio de um ou mais circuitos fechados de atividades.

Nitrogênio, fósforo, potássio e micronutrientes viabilizam a produção das pastagens, que nutrem os animais para produzirem leite. Ao urinar e defecar, quantidades menores de nutrientes são dispostos no solo e então são digeridos por uma infinidade de organismos, fechando o ciclo, pois servem como nutrientes para a pastagem. Devido a isso, a produção animal de leite, carne, etc. pelos ruminantes tem papel essencial num sistema de produção circular, pela sua capacidade de converter forragens ricas em fibra e cujo esterco contribui para o retorno de nutrientes e para a melhoria das características do solo. O soro oriundo da fabricação de queijo, em vez de ser despejado em córregos ou usado na alimentação animal, pode ser transformado em ácido lático ou detergentes, agregando valor ao que era antes um problema ambiental. Portanto, aplicando-se o conceito circular ou de ciclo, há redução na quantidade de insumos, como concentrados comprados, a quantidade de água e ainda o descarte de subprodutos.

Ocorre que, na tendência para a adoção da economia circular, esse “retorno” às práticas usadas há muito tempo passa a ser enriquecido por novos conhecimentos e tecnologias, como gestão econômica rigorosa, informações advindas de sensores no solo, na água e nos animais, bioinsumos e boas práticas de produção, para garantir lucratividade e sustentabilidade. Os consumidores reconhecem, agradecem e compram.

Para além da propriedade, são características da economia circular a troca de mais informações, a confiança, o comportamento mais cooperativo e menos oportunista entre os agentes do setor, evitando um ambiente de negócios exclusivamente competitivo. Para que essas características da tendência ocorram, a qualificação de pessoas que facilitem conversas complicadas e, às vezes, tensas é muito importante, para permitir discussões que alterem os processos existentes.

Para se tornar uma realidade, é necessário que instituições e pessoas entendam essa “circularidade” como um processo baseado em melhorias contínuas e sistêmicas, dentro das propriedades e ao longo de toda a cadeia produtiva. Por isso, insisto que é preciso mais qualificação para os proprietários, empregados, laticinistas e distribuidores, para criar ambientes favoráveis à mudança, para gerar inovações em tecnologias e em modelos de negócios, para difundir essa “nova” abordagem para toda a cadeia produtiva.

Pesquisas para as condições de produção de leite nos biomas brasileiros são mais um ponto fundamental, pois é necessário aprofundar análises dos diferentes ciclos comparando indicadores de desempenho econômicos, ambientais e sociais para identificar pontos estratégicos para alavancar a competitividade do leite no Brasil, levando em conta sua relevância nos níveis local e regional. Instituições, pessoas e o conhecimento existente poderão transformar o conceito de economia circular de uma tendência observada em outros países produtores para uma vantagem competitiva da atividade leiteira no Brasil para gerar valor, atrair jovens consumidores e abrir mercados.