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Graças ao uso tecnologias, destaca-se a grande evolução, por exemplo, da raça Girolando, tanto em termos funcionais como sob aspectos comportamentais e produtivos

EVOLUÇÃO

Desenvolvimento tecnológico

e evolução da agropecuária brasileira

Ao longo dos anos, se adaptou e se desenvolveu um grande estoque de tecnologias para as condições de clima tropical e subtropical e, ao mesmo tempo, a assistência técnica levou essas tecnologias aos rincões deste imenso Brasil

Rui da Silva Verneque*

Até os anos 1970 a agricultura no Brasil era conduzida, no geral, quase em caráter de subsistência. A produtividade era muito baixa e o País não produzia alimentos nem sequer para atender a suas necessidades. O Brasil era um grande importador de alimentos básicos.

No caso da pecuária, a produção média de leite por vaca por lactação não passava de 800 kg e a duração média da lactação era baixa, inferior a 250 dias. Ou seja, o que prevalecia no Brasil era uma atividade pecuária com animais não especializados para produzir leite; a criação era predominantemente extensiva e o manejo pobre, embora àquela época as condições climáticas fossem mais estáveis e havia maior regularidade na oferta de pastagens ao longo do ano.

A população foi crescendo, a sociedade foi se tornando mais exigente, a demanda por diversos itens da alimentação aumentou drasticamente, chegando a níveis tão elevados que exigiu dos governos ações mais efetivas, com vistas a ampliar a oferta de alimentos em quantidade e com melhor qualidade. O caminho adotado foi pelo investimento em mecanismos geradores de tecnologias, trazendo como resultado prático o aumento da produção interna dos produtos da agropecuária.

Assim, na década de 1970 a 1980 a agropecuária brasileira foi marcada pela criação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), sob a liderança da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 1973, pelas universidades federais com atuação na área agrícola e por empresas estaduais de pesquisa agropecuária, vinculadas ao setor agrícola, algumas já estabelecidas anteriormente pelos governos estaduais. No mesmo período foi criada a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). E, na transferência das tecnologias, foi criada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), juntamente com as empresas estaduais de assistência técnica e extensão rural (Emater), na maioria dos Estados da Federação, e o Instituto de Zootecnia (IZ) no Estado de São Paulo. A partir de então se adaptou e se desenvolveu um grande estoque de tecnologias para as condições de clima tropical e subtropical, e, ao mesmo tempo, a assistência técnica procurou levar essas tecnologias disponíveis aos diversos rincões deste imenso Brasil.

No período inicial, a título de incentivo ao setor, houve grande aplicação de recursos financeiros públicos. E foram desenvolvidas ações muito bem estruturadas pelo governo brasileiro que possibilitaram inserir o País em uma nova era de produção de alimentos vindos da agropecuária.

Naquela fase inicial houve algumas dificuldades porque, além da falta de tecnologias no campo e da cultura pouco visível dos produtores para utilizá-las, existia uma dificuldade enorme de acesso nas áreas rurais da maioria das regiões, pois as estradas eram precárias e a comunicação muito deficiente. Mas houve persistência de todo o sistema, as barreiras foram transpostas e os desafios foram sendo vencidos.

VIABILIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS EM
ÁREAS TIDAS COMO INVIÁVEIS PARA A AGROPECUÁRIA


A consequência de todo esse movimento construtivo foi, em primeira instância, a viabilização da produção de alimentos em áreas tidas como inviáveis para a agropecuária, como é o caso do Cerrado brasileiro, situação que foi resolvida por meio de tecnologias de manejo e correção de acidez dos solos. Esse foi, sem dúvida, um grande marco do desenvolvimento da agropecuária brasileira.

Em seguida vieram tecnologias ligadas ao manejo de pragas e doenças e os relevantes trabalhos de desenvolvimento, por meio do melhoramento genético, de sementes de gramíneas e de leguminosas, tais como milho, soja, algodão e feijão, e de forrageiras, especialmente as forrageiras dos gêneros braquiária e panicum.

A área animal também foi beneficiada, visando reduzir os principais gargalos tecnológicos existentes. Citam-se, naquele momento, como primeiras iniciativas bem-sucedidas, o projeto Mestiço Leiteiro Brasileiro e o Programa Estratégias de Cruzamento em Gado de Leite, seguidos pelos Programas de Melhoramento do Gir Leiteiro (início em 1985), do Guzerá para Leite (início em 1994) e do Girolando (início em 1997), dando sequência ao projeto anterior com rebanhos mestiços.

Todos esses trabalhos foram desenvolvidos pela Embrapa Gado de Leite e parceiros, públicos e principalmente privados, atrelados às associações de criadores das diferentes raças. Para as raças Holandesa e Jersey, os avanços têm sido conseguidos pela pesquisa local e pelo intercâmbio de informações com países de clima temperado, tais como Estados Unidos, Holanda, Canadá e Alemanha, entre outros. Os produtores dessas raças normalmente trabalham com material genético importado, sobretudo sêmen e embriões, mas também utilizam material genético próprio e as centrais de sêmen participam do processo de seleção de material genético promissor juntamente aos produtores.

As equipes técnicas da Embrapa têm participado do desenvolvimento de tecnologias aplicadas visando manter o bom desenvolvimento das raças mantidas nas condições tropicais e subtropicais. Situação similar é realizada para bovinos de corte, ovinos, caprinos, aves e suínos, com grande participação do setor público, diretamente ou em parceria com o setor privado.

Essa evolução também se dá no aprimoramento da capacidade de produção de alimentos de qualidade para os animais, como as silagens

Evolução das raças leiteiras – Merecem destaque a grande evolução, tanto em aspectos funcionais, comportamentais e produtivos, no desenvolvimento do Gir leiteiro brasileiro, como também o reconhecimento oficial pelo Ministério da Agricultura da raça Girolando, mestiça 5/8 Holandês x 3/8 Gir, uma raça genuinamente brasileira que hoje contribui com grande parte da produção de leite no País e tem sido amplamente exportada (ou também utilizada) para países de clima tropical.

Os avanços na agropecuária do Brasil são persistentes e constituem a demonstração de que a tecnologia com inovação viabiliza a oferta de alimentos para uma sociedade cada vez mais numerosa e exigente, tanto no aspecto de qualidade do alimento, quanto na forma como ele é produzido. Uma agropecuária sustentável, sob os aspectos sociais, ambientais e econômicos.

Segundo Alves et. al (2007), na safra de 1976/1977 foram produzidos no Brasil 46,943 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas. No levantamento da safra de grãos para 2020/2021 da Conab, o Brasil produziu 268,7 milhões de toneladas de grãos, com quebras de recordes anuais de safra. Ou seja, em 2020 produzimos no Brasil 5,72 vezes mais grãos do que há 43 anos, crescimento de 4,14% ao ano.

No caso do leite a situação é similar. A produção foi de aproximados 6,3 bilhões de litros em 1979, segundo dados do IBGE, e 34,8 bilhões em 2019, ou 5,5 vezes mais. Avaliando-se o setor de carnes a situação é muito parecida, com excelente crescimento ao longo dos anos, inclusive com amplo crescimento na exportação, sendo o Brasil um dos principais exportadores de carne no mundo.

De onde vem tamanho crescimento em produção e em melhoria da qualidade? Expansão de área? Novos produtores? As condições climáticas melhoraram? A resposta objetiva é simples: tecnologia. As tecnologias desenvolvidas e/ou adaptadas no Brasil e colocadas em prática pelos heroicos e persistentes produtores, e mais recentemente empresários do agronegócio, têm revolucionado a produção de alimentos.

Com toda essa transformação no setor, hoje o País é referência mundial na produção de alimentos da agropecuária, seja na produção de grãos, de carnes, de frutas, seja na de leite e seus derivados, em que somos o terceiro maior produtor de leite de vaca do mundo. Além disso, temos mais de 60% de nossas florestas preservadas.

Nos dias atuais, novas tecnologias estão em pleno desenvolvimento ou em avaliação para serem implementadas. A agricultura brasileira ocupa a vanguarda no mundo tropical. Tecnologias geradas pela genômica, proteômica, nanotecnologia, inteligência artificial, agricultura e zootecnia 4.0 e a transformação digital estão possibilitando, e possibilitarão cada vez mais, processar maior volume de dados de modo a causar grandes e novos impactos positivos aos diversos setores do agronegócio.

Que vivamos todos e presenciemos as transformações que ocorrerão no setor do agro brasileiro, produzindo alimentos de quantidade e, sobretudo, com qualidade, respeito ao meio ambiente, a preços competitivos para uma sociedade cada vez mais exigente.

* Rui da Silva Verneque é Pesquisador da Embrapa Gado de Leite e produtor rural

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