Uma prática que sofre grande resistência por parte de muitos produtores é a realização do casqueamento no rebanho leiteiro. Essa resistência, entretanto, é considerada um grande equívoco pelos especialistas, pois esse manejo tem como principal objetivo prevenir doenças dos cascos nos bovinos. A introdução do casqueamento preventivo permite restabelecer a forma e as proporções normais dos dígitos dos animais, restaurando a posição dos membros e favorecendo uma distribuição equilibrada do peso do animal, além de outros problemas que afetam diretamente a produtividade das vacas.
Quem descreve como as lesões de casco interferem negativamente na vida dos animais leiteiros, com base nos resultados de produtividade das fazendas, é o médico veterinário Gleison Moras, de Três Tílias (SC), que atende produtores nas principais bacias leiteiras dos três Estados do Sul do País, ao lado de seu sócio e casqueador, Marcos Schneider. Eles prestam esse serviço para cerca de 7 mil a 8 mil animais por ano.
“Apesar de haver, pelo menos nos últimos sete anos, uma evolução na conscientização do pecuarista, ainda existem muitas fazendas que confinam os animais e não têm uma rotina de casqueamento preventivo para evitar o surgimento das afecções podais. Dessa forma, ainda há um trabalho muito grande a ser feito na área de podologia bovina, em razão de existir propriedades descartando vacas leiteiras por problema de casco. No entanto, provavelmente, se houvesse o tratamento preventivo logo no início, esses animais seriam salvos”, alerta Moras.
Na avaliação do especialista, um animal claudicando chega a perder em torno de 30% a 40% de sua capacidade de produção de leite, sem contar todas as outras perdas. Isso porque, dependendo do grau da lesão, o animal não vai se alimentar direito, a vida reprodutiva será afetada e, quando a vaca está com uma lesão muito grave, é bem possível que seja descartada. Ou seja, esse problema gera um grande impacto no sistema de produção.
Para Moras, apesar de ser um problema multifatorial, as afecções de cascos não são difíceis de combater. Todavia, quando o problema já está instalado dentro da propriedade, são identificadas as vacas com lesão, aí a situação é um pouco mais complicada, mas não impossível de se resolver.
O especialista informa também que existem, por exemplo, protocolos que podem ser adotados na fazenda para facilitar consideravelmente o combate às lesões podais. Entre eles, o bom manejo animal, com instalações adequadas, com pisos não abrasivos e degraus com cantos arredondados, além de utilização de pedilúvio. É bom observar também que a maioria dos barracões tem água para aspersão e refrigeração do plantel, e, com isso, o corredor fica sempre úmido, e essa umidade deixa o casco mais sensível à lesão podal.
“Esses são os principais fatores. Por isso, se o produtor de leite seguir tais procedimentos à risca, certamente haverá uma diminuição de 70% a 80% das lesões de casco, sobretudo com o uso do pedilúvio. Aliás, hoje, nas propriedades onde as lesões podais são controladas, nós trabalhamos com aplicação do pedilúvio nos animais de duas a três vezes por semana, e casqueamento preventivo de duas a três vezes/ano. Mas, no mínimo, o casqueamento deve ser feito a cada seis meses”, diz Moras.
Ele explica ainda que naquelas propriedades que querem dar um passo a mais o tratamento deve ser feito a cada quatro meses. Com isso, o produtor de leite consegue tratar a lesão logo no início, evitando que esta se agrave e até mesmo surjam novas lesões, graças à apara funcional do casco, antes que a vaca pise de forma errada. Porque, segundo Moras, a maioria das lesões de sola é causada em animais desaprumados. Portanto, a técnica de prevenção auxilia o criador a evitar possíveis prejuízos.
Atenção às principais doenças dos cascos – De acordo com Moras, as principais doenças de casco encontradas nas propriedades leiteiras são hematoma de casco, úlceras de sola, dermatite digital e interdigital. Daí ser importante o produtor seguir um protocolo para evitar tais enfermidades. No caso das dermatites, é necessário fazer a limpeza de corredores e instalações por onde o animal transita, deixando-os livres de esterco e umidade, assim como utilizar o pedilúvio, pois esta é a única forma de precaução dessa enfermidade.
“Para combater preventivamente a dermatite digital e interdigital, é necessário aplicar o pedilúvio, utilizando sulfato de cobre na diluição de 5% a 10% do volume de água, fazendo esse procedimento, no mínimo, de duas a três vezes por semana. E, quando a lesão já está instalada, deve-se limpar com cuidado o ferimento, aplicar um produto de uso tópico, à base de oxitetraciclina, cobalto e cobre, e depois enfaixar a lesão. Em alguns casos, quando avaliamos que o casco está muito infeccionado, então realizamos um tratamento à base de antibiótico e anti-inflamatório injetáveis.”
Já com relação às úlceras de sola e hematomas, segundo o especialista, 99% dos casos são sanados por meio do casqueamento preventivo. Hoje a maior parte das úlceras de sola encontra-se em animais desaprumados, pisando de forma errada, causando maior pressão em certos pontos da sola, o que gera a manifestação da úlcera.
A Granja 3 Irmãos, localizada em Três Tílias-SC, passou por muitos apuros até acertar o manejo preventivo dos cascos do rebanho leiteiro. O produtor João Auer, que administra o setor de pecuária leiteira da propriedade ao lado de sua filha Caroline Auer, explica que a fazenda contava com um profissional que fazia o casqueamento a cada a quatro meses. Contudo, ele limpava muito o casco das vacas e com isso começou a afinar muito a sola dos animais, gerando algumas lesões. Além disso, o uso do pedilúvio não era praticado com frequência.
“Só fomos conhecer realmente esses problemas quando o Gleison Moras começou a tratar o nosso rebanho, no início de 2020. A princípio, ficamos assustados com custo do serviço: cerca de R$ 10 mil para casquear 80 vacas. Pensei que iríamos quebrar se continuasse desse jeito, mas ele nos orientou direitinho sobre o que deve ser feito. O foco principal é prevenir as doenças, como a utilização do sulfato de cobre duas vezes por semana, o que contribuiu bastante na redução das afecções podais”, comemora Auer.
Segundo o representante da Granja 3 Irmãos, logo após o segundo trabalho preventivo, já constatou que as coisas evoluíram positivamente. Agora os casqueadores visitam a fazenda a cada 60 dias, não afinam demasiadamente o casco dos animais, e o custo do casqueamento preventivo está em torno de R$ 30 por vaca, sendo feito a cada quatro meses.
“Os problemas de cascos trazem um grande prejuízo para nós, produtores, porque uma vaca com lesão podal produz quase nada de leite ou bem menos do seu normal, além de não entrar em cio, e tampouco emprenhar. Enfim, não temos como medir tudo isso, no entanto, sabemos que o prejuízo é bem grande”, descreve o produtor catarinense.
Auer sabe que há uma forte resistência dos pecuaristas em fazer o casqueamento preventivo no rebanho leiteiro, avaliando que isso ocorre devido aos custos do tratamento veterinário. “Mas vejo que essa prática deve ser vista como investimento, que traz um excelente retorno. Digo isso porque aqui na propriedade tivemos um sério problema de descarte de animais, quando não realizávamos a prevenção das lesões podais. Dessa forma, uma prática que se faz preventivamente sempre vai ajudar a fazenda a prosseguir com bons resultados de produtividade.
• Laminite – Processo inflamatório das estruturas sensíveis da parede do casco que resulta em dor, claudicação intensa e mudanças estruturais do mesmo
• Úlcera de sola – Acomete comumente bovinos leiteiros criados em sistema de confinamento e apresenta etiologia multifatorial
• Doença da linha branca – É uma consequência comum da laminite, já que durante a laminite há redução da integridade do tecido córneo devido ao comprometimento da formação e do desenvolvimento das células córneas (queratinócitos)
• Dermatite digital – É uma das principais doenças do sistema locomotor de bovinos e que leva os animais à claudicação. Apesar de bactérias do gênero Treponema serem consistentemente identificadas em tecidos lesionados pela dermatite digital, a etiologia definitiva dessa doença polimicrobiana ainda não foi totalmente compreendida
• Erosão de talão – Baixa qualidade dos tecidos córneos secundária à laminite e a infecções bacterianas secundárias
• Hiperplasia interdigital – No início dessa enfermidade, os animais não apresentam sinais clínicos, porém, com a evolução do quadro, têm claudicação, dificuldade de locomoção, redução da apetite, e consequentemente baixam a produção e as taxas reprodutivas
• Pododermatite circunscrita – É a perda circunscrita do tecido córneo da sola com exposição do cório. A lesão se localiza na sola, geralmente próxima ao talão, principalmente na região axial.
(Fontes: Fundação Roge, Revista Eletrônica de Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária de Ourinhos-FIO/FEMM, Rehagro, Embrapa)
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