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ÁGUA

É urgente a boa gestão

dos recursos hídricos

Cuidados devem ser constantes com esse valioso bem natural e não só nos períodos de seca ou de crise, como acontece hoje em diferentes regiões

Luiz H. Pitombo

João Demarchi, diretor substituto do Centro de Pesquisa em Bovinos Leiteiros

“Para o produtor rural, a primeira coisa que precisa entender é que ele está inserido numa bacia hídrica e que a mesma água será para todos, assim, o que se fizer num curso d’água poderá afetar propriedades a jusante. Além disso, aquelas a montante poderão me afetar também”, assinala o engenheiro agrônomo João Demarchi, diretor substituto do Centro de Pesquisa em Bovinos Leiteiros do Instituto de Zootecnia, em Nova Odessa (SP). Ele acrescenta que a segurança hídrica da propriedade depende do uso que é feito pelas demais e que, neste contexto, a outorga (veja quadro) procura adequar o volume de água disponível à demanda dos vários usuários daquela bacia.

Um segundo aspecto que destaca, relacionado à gestão dos recursos da propriedade, é a proteção das áreas de reserva legal e de preservação permanente, tanto de margens de rios e nascentes, como de áreas muito íngremes. Demarchi, que também é coordenador da Câmara Técnica de Conservação dos Recursos Naturais dos Comitês das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, explica que isso garantirá o volume e a qualidade da água “produzida” na propriedade e que o produtor é corresponsável, defendendo, por isso, que ele deve ser recompensado.

Outra questão fundamental são as práticas de conservação do solo, com construção de terraços, plantio em nível e cuidados com as estradas, que são vetores importantes de erosão. Ele lembra que são dois os problemas que surgem na degradação do solo: a perda de nutrientes e o assoreamento dos corpos hídricos das fazendas abaixo da propriedade em questão. A prática do plantio direto é muito benéfica, como também o plantio integrado com árvores, que funcionam como quebra-vento, evitando a evaporação da água e que ela caia direto no solo. Além disso, geram sombreamento para as vacas, garantindo conforto térmico. Suas raízes profundas também ajudam a percolar a água até o lençol freático.

Um conjunto geral de medidas de manejo evita a perda da água natural na propriedade, sendo necessário, como salienta Demarchi, que se converse também com os vizinhos para que eles, igualmente, adotem práticas conservacionistas e se consiga, assim, água em quantidade e qualidade.

Além de manter os bebedouros sempre limpos e com água de qualidade, é necessário vistoriá-los sempre para evitar perdas de água

Para o período seco do ano, as medidas sugeridas anteriormente poderão aumentar as reservas mínimas das nascentes e dos rios existentes. Também se poderá construir reservatórios para recolher água da chuva ou perfurar poços artesianos ou semi-artesianos, para que se garanta água. “Se todos fizerem isso, o lençol freático ficará cada vez mais profundo e demandará uma análise da outorga para que não falte água aos demais”, diz o pesquisador do IZ. Caso não se tenha uma visão coletiva, fica difícil uma gestão adequada dos recursos hídricos.

 

Pesquisas e hábitos – Um trabalho pioneiro vem procurando estabelecer quantidades de referência sobre qual o volume ideal de água para usar na atividade leiteira. Ele envolve uma parceria entre a Nestlé e a Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), com a instalação de hidrômetros em mais de 800 propriedades para controle do uso e a distribuição de cartilhas sobre boas práticas hídricas, devendo atingir perto de 1.500 fornecedores nos próximos dois anos. Em 2020, 60 dessas propriedades já haviam reduzido seu consumo em 8%, ou 19 milhões de litros de água, na comparação com 2019.

Trabalho da Embrapa e da Nestlé busca medir o uso da água em propriedades leiteiras, como na irrigação de pastos

Julio Palhares: "Não se pode falar num nível de desperdício aceitável e que uma mangueira furada ou uma torneira pingando possam ficar esperando dias até serem reparadas”

Os Estados envolvidos são Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, considerando o monitoramento dos seguintes sistemas de produção: confinado, semiconfinado e a pasto. O zootecnista Júlio Cesar Palhares, pesquisador da Embrapa da área de manejo de águas e resíduos na produção animal, diz que com isso será possível saber o volume em cada uma das situações para obter um litro de leite; quanto uma vaca em lactação demanda por dia e referências para a estação das águas e das secas, dentre outros.

No cotidiano, o uso racional de um recurso hídrico disponível pode estar dependente da simples mudança de cultura e percepção de que é um bem infinito e barato. “Mesmo que na maior parte do meio rural ele ainda não seja pago, um dia se vai chegar lá, e hoje já existe um gasto com bombas e energia para puxar esta água”, diz Palhares. Ele enfatiza que não se pode falar num nível de desperdício aceitável e que uma mangueira furada ou uma torneira pingando não podem ficar esperando dias até serem reparadas.

Quem deseja ser mais eficiente no uso da água deve primeiro medir o quando está gastando para poder controlar, isso através de hidrômetros ou outro instrumento de medição instalados em diferentes pontos, como sala de ordenha, bebedouros, residências e irrigação.

Existem algumas práticas de manejo que podem trazer uma boa economia de água na propriedade leiteira. No tocante à ordenha, utilizar mangueiras dotadas de bocal com jato de água e controle de fluxo. Outra coisa é, antes de lavar, proceder a uma raspagem do piso destinando a parte semissólida para a compostagem.

Palhares conta que existem produtores realizando uma “ordenha seca”, em que o piso é lavado somente, por exemplo, três vezes por semana. No entanto, se o local não for ventilado, poderá ocorrer a formação de limo, ficando escorregadio para funcionários e animais, assim pode não funcionar para todos.

A fonte da água utilizada é outro aspecto que pode trazer economia. Muitas vezes, é a mesma água de qualidade disponível aos seres humanos e aos animais que será utilizada para lavar o chão. Uma primeira alternativa é captar a água da chuva do telhado dos galpões e armazenar em tanques para uso posterior. A outra seria o reuso dos efluentes, não frequente nas propriedades brasileiras, e que depende de um sistema primário de tratamento para separar o líquido do sólido.

Sistema de captação de água das chuvas, no telhado de um galpão de compost barn. Armazenada em caixas d'água, será utilizada em diversas tarefas

Júlio Cesar Palhares conta que foi realizada pesquisa com vacas em lactação para verificar a influência do balanceamento da dieta no consumo de água. Foi constatado que as que tinham uma dieta mais bem balanceada beberam 3 litros/dia em média a menos de água, o que não é desprezível ao se pensar em 100 vacas em produção. “No caso de um excesso de proteína, além disso o animal vai eliminar mais nitrogênio pelas fezes e urina com maior potencial poluidor”, alerta o pesquisador.

OUTORGA DE USO DA ÁGUA


• É quando o poder público estadual ou federal faculta ao produtor fazer uso de cursos d’água ou poços por determinado período de tempo, finalidade e condição expressa. Ela não poderá afetar o acesso desse recurso natural a terceiros.

• Em função de suas próprias peculiaridades, cada Estado possui sua legislação passível de ser consultada nos sites dos órgãos responsáveis.

• Se o volume pretendido for considerado muito pequeno será realizado apenas um cadastro.

• A outorga é obrigatória para todo o País e quem não a tiver pode ser autuado. Já o pagamento pelo uso da água só vem acontecendo em alguns Estados.

• Em função da disponibilidade e/ou de crises hídricas, o volume da outorga pode ser reduzido iniciando-se pela irrigação, priorizando-se o uso humano e animal.

(Fontes: Júlio Cesar Palhares, Embrapa Pecuária Sudeste, e João Demarchi, Instituto de Zootecnia)

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