“Para o produtor rural, a primeira coisa que precisa entender é que ele está inserido numa bacia hídrica e que a mesma água será para todos, assim, o que se fizer num curso d’água poderá afetar propriedades a jusante. Além disso, aquelas a montante poderão me afetar também”, assinala o engenheiro agrônomo João Demarchi, diretor substituto do Centro de Pesquisa em Bovinos Leiteiros do Instituto de Zootecnia, em Nova Odessa (SP). Ele acrescenta que a segurança hídrica da propriedade depende do uso que é feito pelas demais e que, neste contexto, a outorga (veja quadro) procura adequar o volume de água disponível à demanda dos vários usuários daquela bacia.
Um segundo aspecto que destaca, relacionado à gestão dos recursos da propriedade, é a proteção das áreas de reserva legal e de preservação permanente, tanto de margens de rios e nascentes, como de áreas muito íngremes. Demarchi, que também é coordenador da Câmara Técnica de Conservação dos Recursos Naturais dos Comitês das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, explica que isso garantirá o volume e a qualidade da água “produzida” na propriedade e que o produtor é corresponsável, defendendo, por isso, que ele deve ser recompensado.
Outra questão fundamental são as práticas de conservação do solo, com construção de terraços, plantio em nível e cuidados com as estradas, que são vetores importantes de erosão. Ele lembra que são dois os problemas que surgem na degradação do solo: a perda de nutrientes e o assoreamento dos corpos hídricos das fazendas abaixo da propriedade em questão. A prática do plantio direto é muito benéfica, como também o plantio integrado com árvores, que funcionam como quebra-vento, evitando a evaporação da água e que ela caia direto no solo. Além disso, geram sombreamento para as vacas, garantindo conforto térmico. Suas raízes profundas também ajudam a percolar a água até o lençol freático.
Um conjunto geral de medidas de manejo evita a perda da água natural na propriedade, sendo necessário, como salienta Demarchi, que se converse também com os vizinhos para que eles, igualmente, adotem práticas conservacionistas e se consiga, assim, água em quantidade e qualidade.
Para o período seco do ano, as medidas sugeridas anteriormente poderão aumentar as reservas mínimas das nascentes e dos rios existentes. Também se poderá construir reservatórios para recolher água da chuva ou perfurar poços artesianos ou semi-artesianos, para que se garanta água. “Se todos fizerem isso, o lençol freático ficará cada vez mais profundo e demandará uma análise da outorga para que não falte água aos demais”, diz o pesquisador do IZ. Caso não se tenha uma visão coletiva, fica difícil uma gestão adequada dos recursos hídricos.
Pesquisas e hábitos – Um trabalho pioneiro vem procurando estabelecer quantidades de referência sobre qual o volume ideal de água para usar na atividade leiteira. Ele envolve uma parceria entre a Nestlé e a Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), com a instalação de hidrômetros em mais de 800 propriedades para controle do uso e a distribuição de cartilhas sobre boas práticas hídricas, devendo atingir perto de 1.500 fornecedores nos próximos dois anos. Em 2020, 60 dessas propriedades já haviam reduzido seu consumo em 8%, ou 19 milhões de litros de água, na comparação com 2019.
Os Estados envolvidos são Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, considerando o monitoramento dos seguintes sistemas de produção: confinado, semiconfinado e a pasto. O zootecnista Júlio Cesar Palhares, pesquisador da Embrapa da área de manejo de águas e resíduos na produção animal, diz que com isso será possível saber o volume em cada uma das situações para obter um litro de leite; quanto uma vaca em lactação demanda por dia e referências para a estação das águas e das secas, dentre outros.
No cotidiano, o uso racional de um recurso hídrico disponível pode estar dependente da simples mudança de cultura e percepção de que é um bem infinito e barato. “Mesmo que na maior parte do meio rural ele ainda não seja pago, um dia se vai chegar lá, e hoje já existe um gasto com bombas e energia para puxar esta água”, diz Palhares. Ele enfatiza que não se pode falar num nível de desperdício aceitável e que uma mangueira furada ou uma torneira pingando não podem ficar esperando dias até serem reparadas.
Quem deseja ser mais eficiente no uso da água deve primeiro medir o quando está gastando para poder controlar, isso através de hidrômetros ou outro instrumento de medição instalados em diferentes pontos, como sala de ordenha, bebedouros, residências e irrigação.
Existem algumas práticas de manejo que podem trazer uma boa economia de água na propriedade leiteira. No tocante à ordenha, utilizar mangueiras dotadas de bocal com jato de água e controle de fluxo. Outra coisa é, antes de lavar, proceder a uma raspagem do piso destinando a parte semissólida para a compostagem.
Palhares conta que existem produtores realizando uma “ordenha seca”, em que o piso é lavado somente, por exemplo, três vezes por semana. No entanto, se o local não for ventilado, poderá ocorrer a formação de limo, ficando escorregadio para funcionários e animais, assim pode não funcionar para todos.
A fonte da água utilizada é outro aspecto que pode trazer economia. Muitas vezes, é a mesma água de qualidade disponível aos seres humanos e aos animais que será utilizada para lavar o chão. Uma primeira alternativa é captar a água da chuva do telhado dos galpões e armazenar em tanques para uso posterior. A outra seria o reuso dos efluentes, não frequente nas propriedades brasileiras, e que depende de um sistema primário de tratamento para separar o líquido do sólido.
Júlio Cesar Palhares conta que foi realizada pesquisa com vacas em lactação para verificar a influência do balanceamento da dieta no consumo de água. Foi constatado que as que tinham uma dieta mais bem balanceada beberam 3 litros/dia em média a menos de água, o que não é desprezível ao se pensar em 100 vacas em produção. “No caso de um excesso de proteína, além disso o animal vai eliminar mais nitrogênio pelas fezes e urina com maior potencial poluidor”, alerta o pesquisador.
• É quando o poder público estadual ou federal faculta ao produtor fazer uso de cursos d’água ou poços por determinado período de tempo, finalidade e condição expressa. Ela não poderá afetar o acesso desse recurso natural a terceiros.
• Em função de suas próprias peculiaridades, cada Estado possui sua legislação passível de ser consultada nos sites dos órgãos responsáveis.
• Se o volume pretendido for considerado muito pequeno será realizado apenas um cadastro.
• A outorga é obrigatória para todo o País e quem não a tiver pode ser autuado. Já o pagamento pelo uso da água só vem acontecendo em alguns Estados.
• Em função da disponibilidade e/ou de crises hídricas, o volume da outorga pode ser reduzido iniciando-se pela irrigação, priorizando-se o uso humano e animal.
(Fontes: Júlio Cesar Palhares, Embrapa Pecuária Sudeste, e João Demarchi, Instituto de Zootecnia)
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