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Em diversas situações e espaços, os animais sempre expressam seu comportamento, ao qual o produtor tem de ficar atento

COMPORTAMENTO

Entender o comportamento animal

faz toda a diferença nos resultados da fazenda

Saiba mais por que é fundamental monitorar – visualmente ou por sensores digitais – o comportamento dos animais leiteiros criados a pasto ou confinados

Erick Henrique

Na dissertação de mestrado em zootecnia, divulgada em 2021, intitulada “O Bem-Estar de Vacas Leiteiras Criadas em Sistemas a Pasto, Compost Barn e Free Stall”, a autora, Paula de Andrade Kogima, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), destaca que os bovinos de leite possuem muitas características que os diferenciam de seus ancestrais – os bovinos selvagens. Tais diferenças são consequência da seleção natural e artificial, devido às demandas por maior eficiência na produção de leite. Por isso, é fundamental o monitoramento diário do comportamento dos animais, seja de forma natural (visual) pelo produtor, seja com o uso de tecnologias de ponta, por meio de sensores em colares no pescoço do animal.

Conforme o estudo da zootecnista, quando as necessidades comportamentais primordiais não são satisfeitas, há frustação e apatia, favorecendo o desenvolvimento de problemas relacionados ao comportamento. Dentre as necessidades comportamentais primordiais, destacam-se os cuidados com o corpo, a livre movimentação, a exploração e o territorialismo, o comportamento ingestivo, as reações ao perigo, o descanso e as associações sociais e reprodutivas.

Ademais, bovinos domésticos criados em sistemas de pasto gastam de 90% a 95% das horas diárias em atividades que envolvem o pastejo, a ruminação e o descanso, nessa ordem decrescente de predominância. Quando eles não estão envolvidos nessas atividades, podem expressar variados comportamentos que compreendem 40 categorias, como caminhar, vocalizar, lamber outros animais, etc.

Para Cecim, esse tema é de suma importância para o meio ambiente, porque a liberação de metano por litro de leite produzido tem uma altíssima relação com saúde, fertilidade e longevidade produtiva

Os impactos na produção – De acordo com o professor Marcelo Cecim, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a vaca foi selecionada lá nos primórdios dos tempos, quando foi domesticada. Essa seleção foi voltada a obter animais não reativos e, por isso, é muito difícil reconhecer quando uma vaca não está bem.

“Assim, chegamos à vaca moderna, que deve ser entendida como um atleta de alta performance. Ela tem elevado desempenho produtivo, e, quando lhe faltam condições na fazenda, adoece e o tombo é muito grande”, explica o professor da UFSM e coordenador do projeto “Traduzindo Vacas”.

Conforme ele explica, quando uma vaca adoece, a chance de o animal retornar para uma vida produtiva saudável é muito pequena, e isso acaba acarretando uma baixa expectativa de vida produtiva. Para ele, é assustador como as vacas vivem pouco no Brasil. Desse modo, reconhecer o comportamento para abordar possíveis problemas de uma maneira precoce é extremamente importante para o animal e para a fazenda. 

O especialista ressalta que esse tema é de suma importância para o meio ambiente, porque a liberação de metano por litro de leite produzido tem uma altíssima relação com saúde, fertilidade e longevidade produtiva.

“Quando toco nesse assunto, as pessoas falam que têm na propriedade uma vaca com 10, 12 anos, mas eu não quero saber apenas de um exemplar, e sim da média do rebanho. Hoje, das 170 mil vacas que temos no banco de dados da Cowmed, empresa de tecnologia de monitoramento de vacas leiteiras, consigo avaliar a permanência no rebanho e sua vida produtiva. Temos uma média Brasil em torno de 3,6 lactações. É muito preocupante, pois só atingimos esse número porque há muitas propriedades em Minas Gerais que trabalham com animais da raça Girolando, que sem dúvida é mais resistente e longeva”, destaca Cecim.

Segundo ele, quando só se olha o biotipo das vacas Holandesas, a vida produtiva é menor: três lactações. Isso é muito complicado para a sustentabilidade da fazenda, porque é preciso de quase duas lactações para pagar o custo de uma novilha, e há muitas vacas que permanecem no rebanho somente 2,7 lactações. “Por intermédio dos dados de monitoramento (via inteligência artificial), medi uma vaca que permaneceu apenas 2,1 lactações numa fazenda, logo fica muito difícil o produtor obter lucro, com animais que acabam vivendo tão pouco. E o principal, que vale para todas as vacas: o pico de produção leiteira somente é atingido entre a 4.ª e a 5.ª lactação. Se a média do meu plantel não chegar a essa idade, a propriedade nunca produzirá mais”, pontua Cecim.

Monitorar os animais sob pastejo – O professor gaúcho explica que é importante lembrar que naturalmente o dia de uma vaca é dividido em três períodos: oito horas pastando, oito horas ruminando, mais oito horas fazendo tudo o que um animal faz na vida: caminhar, ter interação social, procurar água, comportamento sexual ou explorar ambientes novos, pois ela passa esse período caminhando.

“Atualmente não deixamos que as vacas procurem comida, visto que oferecemos o alimento com suplementos colocado na frente delas, seja em rebanhos confinados, seja semiconfinados, e assim o tempo de pastejo diminui. Desta forma, o objetivo é que a vaca consuma tudo o que precisa num período de cinco horas, porque ela vai consumir mais, com comida disponível em boa quantidade e qualidade, ficará mais tempo deitada, ruminando e aproveitamento os alimentos digeridos. Aliás, entendemos que um animal para estar confortável precisaria ficar de 12 a 14 horas/dia deitado. Isso é um ponto importante a se observar em comportamento e bem-estar animal”, pontua o idealizador do Traduzindo Vacas.

Para ele, quando se trabalha na orçamentação de tempo da vaca leiteira, se entende que o produtor tem o direito de “roubar” até quatro horas do dia do animal para fazer o que ele quiser. Portanto, se nesse período a fazenda precisa fazer duas ordenhas, o manejo sanitário e reprodutivo, é esse o tempo que a vaca deve ficar levantada, depois disso ela terá 20 horas para fazer o que quiser e tomar as decisões, como escolher o lugar para deitar, ruminar, e tendo boa oferta de comida e água.

O professor da UFSM destaca ainda que, cada vez que o produtor obriga uma vaca a caminhar, sobretudo aquelas maiores, mais pesadas, fruto da seleção genética, ou animais mais angulosos, com menos músculos, que não estão aptos para caminhar grandes distâncias, isso acaba sendo custoso, principalmente para seu sistema locomotor, pois vai começar a sentir dor ao caminhar.

“Cada vez que um animal caminha vai direcionar sangue para o músculo, e, portanto, menos sangue para a glândula mamária. Não preciso dizer que menos leite será produzido. Existe até uma conta da quantidade de litros de leite a menos que uma vaca produz para cada quilômetro que caminha. Eu não gosto desse número genérico, porque depende muito do tipo de estrada, se tem pedras, do tamanho do animal, se está com calor, etc., mas o importante é saber que, se faço uma vaca caminhar, durante essa caminhada, estou cortando a minha produção de leite no tanque”, assinala Cecim.

Outro ponto que ele observa é que já acompanhou muitas propriedades que saíram de duas para três ordenhas, e fica claro que com isso se está roubando mais tempo da vaca, pois gera um impacto muito grande no comportamento. “Mas uma das alterações que eu vi no comportamento da vaca, são as formas de compensação com as quais elas aprendem a pastejar mais rápido, pois são muito inteligentes e sabem que há menos tempo para deitarem. E isso é possível ensinar para as vacas criadas a pasto. Desse modo, a minha orientação é que, quando 10% do lote levantar a cabeça, parar de comer, começar a caminhar, tiro o rebanho do pasto. Ah, mas sobraram vacas que não pastejaram! Não tem problema, porque amanhã elas aprenderão que precisam ser mais rápidas.”

Vale notar outro detalhe importante apontado pelo especialista e que merece toda a atenção do produtor: as vacas bebem água de 12 a 18 vezes por dia, 30% de toda água consumida é logo após a ordenha. Por isso, é fundamental que a propriedade tenha bebedouros limpos, com água potável, com espaço e reposição suficiente, logo não adianta ter uma mangueirinha fina com baixa pressão, pois todas as vacas precisam tomar bastante água na saída da ordenha e ir pastejar em seguida.

É importante saber que um animal, para estar confortável, precisaria ficar de 12 a 14 horas/dia deitado. Isso é um ponto relevante a se observar em comportamento e bem-estar animal

Instrumento indispensável – Mesmo que a inteligência artificial, com seus algoritmos, dados, gráficos, auxilie muitas fazendas a monitorar o plantel, o olhar clínico e cuidadoso do produtor é imprescindível para garantir a qualidade de vida do rebanho leiteiro, como acontece no Sítio Vila Láctea, da produtora Rita de Cássia Hachya que, há 14 anos, está na atividade e que com o passar do tempo se encantou com a fabricação de queijos artesanais.

Rita de Cássia Hachya: Sempre digo que precisamos ter olhar clínico, pois isso é fundamental para conseguirmos resolver o problema o mais rápido possível

“A cada mudança de comportamento consigo notar se algum animal está doente. Como estou todos os dias com elas, consigo perceber no seu caminhar, no olhar, se alguma está sofrendo”, diz a produtora de Sorriso (MT).

Além disso, na questão da sanidade, Rita de Cássia tem o hábito de observar as fezes dos animais, de verificar o escore corporal, se estão abatidas, isoladas, cio, abortos, qual vaca se alimentou ou não. “Sempre digo que precisamos ter olhar clínico, pois isso é fundamental para conseguirmos resolver o problema o mais rápido possível. Principalmente quando animal doente for uma bezerra, por exemplo, é importante verificar as fezes, se mamou ou não, se está tossindo, está são umbigo etc. Faço isso todos os dias”, relata a criadora de animais da raça Jersey.

No que se refere à alimentação do rebanho, a produtora do Sítio Vila Láctea sempre inspeciona o cocho depois que os animais terminam e vão para o pasto. Assim, avalia se todas comeram ou não. “Como os cochos estão próximos da sala de ordenha e são poucos animais, fica fácil olhar se todas estão comendo, enquanto estou na limpeza do setor. Além disso, os pastos são divididos em piquetes e, sempre que abro um piquete novo, levo os animais e espero um pouco para ver se todos pastejam. Aliás, quando as vacas vão para a ordenha, reparo como está o bucho de cada vaquinha”, conta ela.

Essa dedicação do Sítio Vila Láctea, pautada nas boas práticas de produção, no bem-estar animal e alta qualidade do leite, foi recompensada, em fevereiro, quando o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT) oficializou a concessão Selo Arte, tornando o Queijo Porunga o primeiro produto alimentício do Estado a receber essa certificação. Assim, pode ser comercializado em âmbito nacional, pois foi elaborado de forma artesanal, respeitando as normas sanitárias, e com característica tradicional, regional e cultural.

 

TECNOLOGIAS DE PONTA QUE AJUDAM A MONITORAR O COMPORTAMENTO DOS ANIMAIS

Hoje, no banco de dados da Cowmed, há em torno de 170 mil vacas, com 16 mil a 18 mil casos de tristeza parasitária. Praticamente, em todos os casos, o sistema reconheceu uma alteração de comportamento antes de a doença ser reconhecida e confirmada. Conforme o professor Cecim gosta de frisar, não existe nenhum sistema no mundo, nem tão cedo existirá, que informe antecipadamente a doença que o animal terá.

“Monitoramento comportamental via inteligência artificial (IA), tocada por sensores, e com uma pessoa olhando, nos diz quando uma vaca está diferente, que ela não está bem e precisa ser olhada com mais cuidado. E aí que entra o problema, que faz falta em muitas nas fazendas, que chamo de ‘vitamina I’, ou seja, ir ver a vaca. O pessoal nota alguma coisa e não dá bola, não vai observar o animal com mais cuidado. Por isso é fundamental reconhecer o comportamento, e quando olhar, saber o que está procurando.”

Em relação ao espaço de cocho, o especialista explica que o canzil oferece uma grande oportunidade de dar segurança às vacas submissas, além de ser um lugar bom de manejo, sobretudo para fazer o manejo sanitário e reprodutivo, melhor do que na sala de ordenha.

“É um ponto em que bato muito forte: tirem as agulhas da sala de ordenha e que a pessoa que faz a ordenha não pode ser a mesma que aplica a injeção na vaca, porque elas se lembram disso, reconhecem a pessoa e vão ficar mais arredias. Dessa forma, o canzil traz a oportunidade de ter menos disputa por alimento no cocho e normalmente se trabalha com 80 cm por vaca/canzil”, diz Cecim.

Segundo ele, outra mudança importante é que agora se entende que para vacas no pré- parto é necessário elaborar outra metragem de cocho para garantir o mínimo possível de flutuação de consumo, pois é a categoria que mais devemos cuidar e observar, uma vez que é ali que se iniciam todos os problemas.

“Dessa forma, a recomendação de cocho é de 1 m/vaca, porém eu já vejo propriedades trabalhando até com 1,2 m/animal, com cocho de pré-parto com acesso livre, justamente para que ela não tenha aquele receio de sofrer algum tipo de agressão de uma vaca que está no cocho ao lado”, finaliza o professor da UFSM.

Melhoria nas taxas produtivas – Com mais de 30 anos de experiência no setor leiteiro, o produtor mineiro Valter José de Santana já vivenciou muitas práticas da pecuária leiteira, no entanto, foi com a ajuda da tecnologia que conseguiu fazer sua propriedade prosperar.

Com o direcionamento do médico veterinário e seu filho, Paulo Eduardo de Santana, a Fazenda Conquista, em Lagoa Formosa (MG), se propôs a realizar investimentos em estrutura que impulsionaram a produtividade, a sanidade e a rentabilidade do rebanho. Uma das apostas, e com resultados efetivos, foi trabalhar com o sistema de monitoramento.

A adoção ocorreu no fim de 2021 e os dados mostram a assertividade de poder trabalhar com informações práticas sobre os animais e em tempo real. “O monitoramento maximiza a produtividade ao trazer exatidão de dados, por exemplo, na detecção do cio, com orientações precisas para o momento ideal de inseminação. São informações imprescindíveis para uma gestão de saúde proativa e individualizada, priorizando o bem-estar animal e os ganhos para a fazenda”, diz Thatiane Kievitsbosch, gerente de produto de tecnologia da unidade de negócios de ruminantes da MSD Saúde Animal, empresa parceira da propriedade.

Fazenda Conquista: (esq. para dir.) Maria Laura de Santana, Paulo Eduardo, Aparecida Pires e Valter José de Santana

Thatiane Kievitsbosch: “O monitoramento traz informações imprescindíveis para uma gestão de saúde proativa e individualizada, priorizando o bem-estar animal e os ganhos para a fazenda”

A tecnologia utilizada na Fazenda Conquista é uma solução modular de monitoramento que fornece dados úteis sobre os status de reprodução, saúde, nutrição e bem-estar de vacas individuais e grupos. Uma tecnologia simples de instalar, usar e fazer manutenção, e que permite atualizações contínuas do software.

Com sua aplicação, a propriedade conquistou, somente no prazo de um ano, resultados expressivos: aumento da taxa de serviço de 56,3% para 62,6%; taxa de prenhez de 17,3% para 29,1%; taxa de concepção de 31,5% para 48% e redução do intervalo entre partos de 443 para 385 (ou seja, de 14,7 meses para 12,8), e da média de DEL (dias em lactação) de 197 para 176. Situações que fizeram a média produtiva de leite aumentar de 37,3 para 39,1.

A propriedade tem um rebanho de 253 animais, com 108 vacas em lactação e uma produção média de 4.300 litros/dia. Atualmente, são cinco funcionários dedicados às atividades diárias e, neste ano, a perspectiva é aumentar o barracão para mais 70 animais, além de ampliar a sala de ordenha. De onde estiver, o monitoramento permite que o produtor tenha o dado na palma da mão e acompanhe em tempo real a evolução sanitária e produtiva do rebanho, inclusive compreendendo alertas e os pontos de melhoria.

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