É importante que o produtor conheça o seu negócio, incluindo não só a atividade propriamente dita, mas todo o regramento que incide na operação de produção de leite, sob pena de sofrer autuações dos setores públicos competentes. O entrave pode acontecer na exigência do cumprimento das normas estabelecidas, quando, por exemplo, ele necessitar de investimentos na propriedade ou na compra de novos equipamentos.

ENTREVISTA

Ricardo Costa Bruno

Advogado especializado em Direito do Agronegócio

O planejamento sucessório

é absolutamente necessário para todos os produtores, independentemente do seu porte

Ricardo Costa Bruno é advogado especializado em gestão empresarial, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões e em Direito do Agronegócio, com atuação em Direito Empresarial, Compliance, ESG, LGPD, atundo nos segmentos de cooperativismo e agronegócio. Em 2022 ele foi eleito pela revista Analise Advocacia como um dos profissionais mais admirados do Brasil

João Carlos de Faria

Balde Branco – O que distingue o direito agrário do direito do agronegócio?

Ricardo Costa Bruno – Apesar da corrente de doutrinadores que entende não existir direito do agronegócio, mas apenas direito agrário, todavia olhando mais para o fim prático do que o acadêmico, a diferença é que o direito agrário está relacionado diretamente a posse, uso, ocupação e exploração da terra, sendo bons exemplos disso os contratos agrários (arrendamento e parceria rural), proteção ambiental e políticas agrícolas. Já o direito do agronegócio, de forma prática, está voltado para as relações jurídicas e comerciais que envolvem produção, processamento, distribuição e comercialização de produtos agrícolas. É um conjunto de normas que tratam da atividade realizada especialmente pelo setor agroindustrial, como, por exemplo, o contrato de integração vertical.

BB – Em que medida o pequeno e o médio produtor de leite têm consciência e estão atentos à legislação que rege a sua atividade? Quais os entraves mais comuns que ocorrem nesse segmento?

RCB – Há tempos que se exige dos agentes que atuam no agronegócio a profissionalização, pois só assim se conseguirá ganhar escala e produtos com melhor qualidade, e, consequentemente, melhores resultados. Portanto, é importante que o produtor de leite conheça o seu negócio, incluindo aqui não só a atividade propriamente dita, mas também todo o regramento que incide na operação de produção de leite, sob pena de sofrer autuações dos setores públicos competentes. O entrave pode acontecer na exigência do cumprimento das normas estabelecidas, quando, por exemplo, ele necessitar de investimentos na propriedade ou na compra de novos equipamentos, haja vista que a disponibilização de recursos financeiros nem sempre acontece no tempo e no custo que se necessita.

BB – O arrendamento é uma prática comum entre os produtores para atender às suas mais diversas necessidades. Como deve ser um bom contrato de arrendamento para ambas as partes?

RCB – Realmente, o arrendamento rural é muito utilizado pelos produtores e sua segurança jurídica está exatamente na elaboração correta do contrato, que deve prever de forma adequada os direitos e as obrigações, refletindo assim, na íntegra, aquilo que foi acordado e tendo as sanções na devida proporção da obrigação violada. Um ponto principal que não se pode esquecer é de que, no arrendamento, o pagamento deverá ocorrer, independentemente de qualquer infortúnio (diferente da parceria rural, onde os riscos são compartilhados), portanto, o arrendatário pode ficar em situação de inadimplência devido ao problema ocorrido e isso não será motivo para não efetuar o pagamento. Portanto, uma saída é tentar negociar, sobretudo em situações extraordinárias (claras e objetivas), o pagamento do arrendamento. Isso é essencial para que, no caso da ocorrência, por exemplo, de alguma intempérie, em que o preço do leite chegue a um valor determinado, ou que a produção seja afetada por algum fator externo, permita-se que o preço do arrendamento seja reduzido para um porcentual estabelecido. São situações que as partes podem acordar contratualmente.

BB – O senhor acha que o produtor de leite já se adequou e mudou seu comportamento em relação ao cumprimento dos padrões estabelecidos pelas normativas e pela legislação sanitária para garantir a segurança alimentar?

RCB – É bem provável que sim, pois a atividade leiteira é regida por muitas regras sanitárias, que visam garantir a qualidade do produto e a segurança alimentar, além de que, há tempos, a profissionalização é uma exigência de mercado, não se aceitando, inclusive, produtos que não sigam as normas estabelecidas, especialmente pela corresponsabilidade que pode acontecer. Portanto, o atual momento, inclusive com os pilares do ESG (Environmental, Social and Governance ou ambiental, social e governança), todos devem se adequar às normas para ter produtos de qualidade, ganhar mercados e ainda evitar sanções.

BB – Como o senhor avalia as leis como o Selo Arte e as normativas estaduais relativas aos produtos artesanais como os queijos e outros derivados do leite?

RCB – Sempre é válido o Poder Público contribuir para o desenvolvimento do pequeno produtor rural, fornecendo meios e incentivando para que ele produza com qualidade e, nesse sentido, as certificações contribuem para isso, pois buscam implementar as condições para que o produto tenha segurança alimentar, mesmo sem todo o regramento que se exige dos grandes produtores.

BB – O bom planejamento para a sucessão em propriedades rurais é uma necessidade dos produtores? Como fazer a coisa certa?

RCB – O planejamento sucessório é algo absolutamente necessário para todos os que possuem propriedades rurais, independentemente do tamanho da área. É por meio desse planejamento que se consegue buscar a garantia da perenidade da atividade, pois, com ele, pode-se estabelecer quem será o responsável pelo exercício da atividade, levando-se em conta o nível de profissionalismo da pessoa, o que não se confunde com quem é o dono da propriedade, pois, neste caso, seguirá as normas legais quanto à parte da legítima divisão, de forma igual entre todos os herdeiros, e da parte disponível (esta permite destinar uma parte dos bens para uma ou algumas pessoas que não necessariamente sejam os herdeiros). O que se busca com o planejamento é evitar conflitos e deixar claro como ocorrerá a sucessão, tendo como premissa a regra legal da sucessão patrimonial e ainda acordar sobre a sucessão da própria atividade exercida, ou seja, quem será o responsável (ou responsáveis) por isso. A consultoria especializada contribuirá para encontrar o melhor caminho para atender o que se deseja, pois cada família tem sua realidade, pessoal e patrimonial e, portanto, para cada família podem existir meios diferentes de se efetuar o bom e correto planejamento sucessório.

Há tempos que se exige dos agentes que atuam no agronegócio a profissionalização, pois só assim se conseguirá ganhar escala e produtos com melhor qualidade e, consequentemente, melhores resultados”

BB – Nesse caso, a consultoria é uma opção, na hora de planejar essa sucessão para que seja harmoniosa?

RCB – É importante ter uma consultoria especializada, porque saberá de todas as regras da lei que tratam do tema sucessão familiar e, assim, indicará o melhor caminho para atender aos anseios da família. Isso porque se, ao planejar, ocorrer a violação de uma regra estabelecida pela lei, a consequência pode ser a nulidade daquilo que foi acordado entre os envolvidos e o que era para evitar um conflito se torna o elemento principal para o possível litígio familiar.

BB – Por que é importante se contratar um seguro que proteja a propriedade, o maquinário e a própria vida do produtor de leite?

RCB – O seguro é algo necessário porque serve exatamente para amenizar qualquer infortúnio ocorrido na propriedade, por isso é essencial. O problema é o preço cobrado, o que acaba fazendo com que o produtor não tenha uma apólice ou mesmo não tenha a amplitude da cobertura necessária e, portanto, esse assunto deveria ser tratado como uma política de Estado para um melhor alinhamento do valor cobrado, especialmente para ajudar de forma total os pequenos produtores.

BB – O que se deve fazer para que não haja falhas contratuais e para que se tenha a garantia do cumprimento, por parte da seguradora, de todas as cláusulas relativas a indenizações sem que esse momento se torne numa grande dor de cabeça?

RCB – Na prática, simplesmente é ler e interpretar os contratos para verificar se estes atendem àquilo que se espera do seguro que está sendo contratado, ou seja, analisar se as situações que pretendem segurar e aquelas possíveis de acontecer estão cobertas pelo seguro. O que ocorre é que as entrelinhas muitas vezes não são analisadas de forma correta e delas constavam situações não protegidas pelo seguro, acarretando assim dissabores ao produtor que poderiam ser evitados.

BB – Do ponto de vista da legislação ambiental, quais são os erros mais comuns cometidos pelos produtores e como evitá-los para não ser alvo das autuações?

RCB – Não diria que são erros comuns, mas pode acontecer de eventualmente ocorrer de não possuírem a documentação e os registros necessários para a atividade, falta de licenciamento, ausência de controle sanitário, falta de atenção com o descarte dos resíduos, problemas no armazenamento do produto, manejo inadequado e/ou nutrição deficiente dos animais, são exemplos. Tudo isso pode levar à fiscalização e à possível autuação. O correto é sempre exercer a atividade em consonância com o que dita a norma e assim evitar problemas com a fiscalização. Estar atento às normas e a suas alterações é fundamental.

BB – Como o senhor avalia a legislação relativa aos parâmetros de sustentabilidade? Como o produtor pode se beneficiar ao cumprir o seu papel de guardião da natureza (por ex. Pagamentos por Serviços Ambientais)?

RCB – O Brasil possui diversas normas que tratam da sustentabilidade, como o Código Florestal (Lei 12.651/2012), a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e diversas outras. Diria que o ordenamento jurídico brasileiro é farto em questão de regras sobre a proteção ao meio ambiente, portanto, não se precisa de mais leis, mas sim da sua correta aplicação, tanto pelos agentes públicos quanto pelos privados. No atual momento se percebe a forte cobrança para a efetiva aplicação do ASG (ambiental, social e governança – da sigla em inglês ESG) na atividade empresarial e no agronegócio. O que se observa é que não se trata apenas de uma teoria ou ideologia em se proteger e aplicar os pilares (ambiental, social e governança), mas sim algo que vem sendo exigido por todos, inclusive pelos agentes financeiros e pelo próprio consumidor. Dessa forma, vejo que problemas terá quem não se preparar para não só ter de fato o ESG em sua atividade, mas também conseguir comprová-lo que realmente existe e assim usufruir dos benefícios que isso trará, inclusive financeiro, pois haverá cada vez mais linhas de créditos com taxas menores apenas para aqueles que incorporarem e se aculturarem ao ESG. Nesse sentido é o próprio PSA (pagamento por serviços ambientais), pois os produtores que conservarem, protegerem ou restaurarem os ecossistemas poderão ser beneficiados com o pagamento por esses serviços ambientais, ou seja, poderão receber incentivos fiscais, compensações financeiras, permissão para emitir títulos verdes, podendo efetuar a captura de carbono e assim transacionar os respectivos créditos.

BB – Em relação ao cooperativismo, principalmente no ramo da pecuária de leite, o senhor acha que houve algum avanço na legislação brasileira? O quem mudou para melhor?

RCB – O cooperativismo brasileiro é um exemplo para o mundo, além de ser a grande saída para o pequeno e o médio produtor, que por meio da cooperativa terá ao seu alcance não só os insumos, tecnologias e assistência técnica, mas também acesso ao mercado, o que possivelmente, sozinho, não conseguiria. Dessa forma, a cooperativa ajuda e muito o produtor de leite no desenvolvimento de sua atividade.

BB – Para finalizar, alguns representantes dos produtores de leite, como a Gadolando, no Rio Grande do Sul, reivindicam junto às indústrias uma modalidade de contrato futuro para garantir o preço nos períodos de maior oferta de leite. O senhor acha que esse tipo de contrato pode ser viável e pode se tornar uma prática na relação entre esses dois elos da cadeia produtiva?

RCB – É uma preocupação que justifica o estudo de alternativas que podem ser adotadas pelos envolvidos na produção do leite em momentos em que o preço do leite pode ser reduzido de forma exponencial. A utilização do contrato futuro, como já acontece com a soja, pode ser um mecanismo a ser utilizado, porém precisa apenas verificar se, na prática, se sustenta diante do volume produzido e da própria atividade leiteira, sem se esquecer da regra universal da oferta e da procura, que acaba sendo preponderante em praticamente qualquer mercado.

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