balde branco
Produtor José Ricardo Pereira Morais discute dados com técnico da Cati/prefeitura

ESPECIAL

Balde Branco - 56 anos

Boas práticas direto do campo, obrigado técnicos!

Parceria com técnicos de campo traz orientações e informações abalizadas para os leitores

João Antônio dos Santos

Neste mês de outubro, a revista Balde Branco completa 56 anos de atividade ininterrupta, levando as melhores práticas da pecuária leiteira aos produtores e a todos os envolvidos na cadeia produtiva do leite. E, nessa trajetória, a Balde sempre contou com a parceria de especialistas, professores e técnicos das mais diferentes áreas de conhecimento do segmento do leite, ligados a instituições e centros de pesquisas, universidades, empresas privadas, cooperativas, entre outros.

A todos esses profissionais que têm estado nas páginas da Balde Branco, com a valiosíssima missão de levar seus conhecimentos e tecnologias ao homem do campo, a gratidão da equipe da revista. E, por extensão, tomamos a liberdade fazer esse agradecimento também em nome de nossos milhares de leitores, que, com certeza, concordam.

Nesta edição, como que uma homenagem em comemoração de seus 56 anos, a revista destaca uma dessas parcerias que sempre têm estado conosco, colaborando na geração de conteúdo técnico e informativo: os Técnicos a Campo – zootecnistas, médicos veterinários, técnicos agrícolas e agrônomos –, que prestam assistência técnica/consultoria aos produtores.

Ligados aos mais diversos programas de assistência técnica e gestão, proporcionados por entidades oficiais, cooperativas, indústrias lácteas e empresas fornecedoras de insumos, são eles que, no dia a dia das propriedades leiteiras, estão ao lado dos produtores, orientando sobre as boas práticas de produção (BPP) na pecuária leiteira, de modo a elevar a atividade a um patamar tecnológico cada vez mais alto em termos de gestão, produtividade, sanidade do rebanho, qualidade do leite e, na ponta final, melhoria da rentabilidade.

Perdemos a conta do número desses abnegados profissionais presentes em nossas reportagens, entrevistas, artigos técnicos, compartilhando suas experiências e conhecimentos sobre a pecuária leiteira. Dadas as limitações de espaço, trouxemos cinco artigos de técnicos que fazem reflexões sobre alguns temas fundamentais (dentre os muitos) para a atividade leiteira. Acreditamos que esses cinco profissionais são representativos do valioso trabalho dessa categoria, sem a qual o setor não teria chegado à grandeza que ostenta hoje e que tem tudo para ser maior ainda.

Os sonhos abrem as porteiras

A maioria dos consultores pensa em fazer o que é melhor para a vaca ou fazer o que dá mais dinheiro; poucos pensam em fazer o que é melhor para a pessoa do produtor de leite

“Definir um sonho
é abrir uma janela
para uma vitória”

Ronaldo Carvalho,
médico veterinário e diretor da Cia do Leite

Em nossa rotina de consultoria, somos desafiados diariamente a apresentar uma comprovação matemática para racionalizar uma tomada de decisão. Chamamos isso tradicionalmente de relação custo/benefício. Se o projeto retorna, em um tempo atrativo, mais dinheiro do que foi aplicado, para o técnico não resta dúvida: deve ser implementado, seja esse projeto um grande investimento (compost barn), seja uma simples técnica de produção pré-parto.

No entanto, é muito comum que, depois de executar todos os cálculos e ter a certeza de que está diante de uma proposta viável, o técnico se depare com a “negativa” do produtor. E esse posicionamento pode se repetir diante de várias propostas apresentadas pelo técnico que assiste a fazenda, nas diferentes áreas da bovinocultura leiteira. E, por isso, com frequência, ouvimos os consultores dizerem que o produtor de leite é muito resistente à mudança. Sentindo-nos desafiados por esse fato, começamos a estudar o porquê dessa “resistência” e se existe algo a ser feito para que pudéssemos transpor tal barreira.

Após muito estudo e comparação entre produtores, observamos que a razão de um produtor crescer na atividade ou adotar determinada proposta técnica vai além de um resultado financeiro. Isso quer dizer que a decisão é motivada por algo mais que dinheiro. O resultado econômico é a consequência do projeto, mas não é o alvo que os produtores querem alcançar. Isso permitiu aprofundar a análise com as seguintes questões: mais dinheiro pra quê? Se essa técnica não traz mais dinheiro, ela traz o quê?
Prezados leitores da minha querida Balde Branco, identificar os “sonhos” do produtor abre as porteiras da fazenda para se construírem projetos e estratégias que lhe permitam alcançá-los. E, dependendo de cada um, são diversos os sonhos: trazer o filho de volta da cidade para a fazenda, quitar uma dívida que afeta as relações familiares, comprar uma casa na cidade, conseguir contratar uma pessoa para ajudá-lo e assim poder ter folgas em alguns dias estratégicos, trabalhar menos, melhorar a apresentação da fazenda minimizando o barro e propiciando maior bem-estar animal, poder ir à praia, reformar a casa da fazenda, casar uma filha e dar uma boa festa, viabilizar a atividade leiteira para que ela possa dar vida digna a um irmão (sócio) que fora usuário de drogas, atingir a tão sonhada produção de X litros/dia (esse gosta de mais vaca mesmo)… E até mesmo aqueles que não têm sonhos, estão bem como estão e, por fim, como último exemplo, parar de produzir leite também é um sonho. Esses e outros são exemplos de sonhos de produtores com quem deparamos na estrada da equipe Cia do Leite.

Posso dizer, sem medo de errar, que a maioria dos consultores pensa em fazer o que é melhor para a vaca ou fazer o que dá mais dinheiro, poucos pensam em fazer o que é melhor para a pessoa do produtor de leite. Podemos aqui dar exemplo de adoção de propostas em uma fazenda, que dependendo da forma em que forem dimensionadas, não trariam a melhor resposta econômica, mas resultariam em grande realização pessoal para um produtor. Um exemplo disso seria a instalação de um compost barn, de uma ordenhadeira mais tecnológica, a contratação de um funcionário, entre outras.

Não sou um estudioso do assunto “ser humano”, mas comecei a perceber que, para você conseguir ajudar alguém, essa pessoa precisa encontrar ou você ajudá-la a encontrar uma necessidade, um sonho ou um problema a ser resolvido. Quem não quer mudar ainda não reconheceu uma dessas demandas ou se sente, certo ou não, capaz de resolvê-las. E nós, equivocadamente, chamamos isso de resistência à mudança.

Dessa forma, gostaríamos de deixar uma mensagem para os atores dessa cadeia: vamos trabalhar para ajudar o produtor a realizar os seus sonhos. Definir um sonho é abrir uma janela para uma vitória. Pensando assim os projetos para ampliação da produção e as implementações de tecnologias na fazenda se tornam um meio de alcançar os sonhos e não o alvo. Trabalhando assim, o produtor passa a enxergar na proposta do consultor uma solução e não um sacrifício.

Outra consideração importante é que quando o consultor dimensiona um projeto para atingir esse sonho, agora alvo comum dele e do produtor, com estratégias e velocidade compatíveis com o produtor, com a propriedade e com os recursos disponíveis (o projeto precisa contar com um estudo de fluxo de caixa, isso quer dizer que não adianta sonhar se o projeto não tiver um fluxo de despesas e receitas que o torne operacionalmente exequível), ele solidifica a parceria entre eles no longo prazo. A consultoria se torna um insumo necessário para alcançar aquela proposta.

Trouxe essa questão que para alguns pode parecer algo filosófico, mas que para nós está cada dia mais no lado prático. Lembrem-se consultores e produtores: comecem pelo por quê, pois não é só o dinheiro que impulsiona as tomadas de decisões!

Juntos, mais fortes

Associar-se em grupos de produtores não só contribui para comprar insumos em melhores condições, como também para fortalecer a interação entre seus membros

“Sozinhos até podemos ir mais rápido, mas juntos vamos mais longe”

Carlos Augusto Siguinolfi, eng. agrônomo Educampo/Sebrae/Alhambra Gestor Grupo de Compras LDM

A complexa e desafiadora cadeia produtiva do leite vem em uma crescente e contínua evolução e mudança. Cada vez mais o setor como um todo e, dentre eles, os produtores de leite, estão procurando formas para melhorar a produção, os resultados técnicos e econômicos, visando ser mais eficientes e competitivos em um cenário em que o amadorismo não é mais tolerado. Assim como todo dono de empresa deve buscar um negócio rentável, o produtor de leite, empreendedor que é – e essa autoconsciência tem finalmente tomado corpo dentre os produtores –, deve buscar tornar sua empresa eficiente e principalmente resiliente a enfrentar os desafios. Nesse cenário, a associação de produtores, principalmente pequenos e médios, tem se mostrado como uma alternativa fortalecedora e com excelentes resultados.

Dentre as vantagens de participar de um grupo realmente unido de produtores, pode-se destacar como uma das principais a compra conjunta de insumos. Principalmente os insumos de maior impacto no custo de produção. Os quais basicamente são: os concentrados (farelo de soja, polpa cítrica, milho, caroço de algodão, entre outros) e as forragens (adubos, sementes, defensivos, lonas, etc.). Estes, somados, são a alimentação do rebanho e podem representar 60% ou mais na receita da atividade, dependendo do sistema de produção utilizado.

Portanto, realizar muito bem as compras desses insumos, utilizando o volume de compras dos produtores somados, gera um grande poder de barganha a ser explorado, de maneira planejada e profissional durante o ano. Tem-se, assim, a experiência e a estatística como vantagens para buscar escolher o melhor momento de compras, com efeito direto e expressivo no custo de produção da atividade. Como costumamos dizer aqui no Grupo Leite da Mantiqueira (LDM): “No Grupo, o pequeno produtor se torna grande”. E consegue fazer contratos, comprar com melhores preços de forma direta, sem intermediários. É claro que outros itens podem ser comprados em grupo, porém o maior impacto realmente fica na alimentação.

A interação em grupo tem como outros benefícios a troca de experiências e a integração entre os produtores, por meio de reuniões periódicas, viagens técnicas, palestras, dias de campo e inúmeras atividades que podem ser desenvolvidas com o grupo no intuito do crescimento do produtor como empresário e consequentemente do grupo como entidade.

Além das compras, outros aspectos de desenvolvimento devem ser buscados, entre eles a assistência técnica e a gestão das propriedades. Gerir bem os recursos, buscar ser mais eficiente, aumentar a escala produtiva, melhorar os índices produtivos e econômicos.

Dessa forma, as compras têm efeito potencializado, pois, além de comprar bem, esses recursos serão utilizados de forma racional dentro da propriedade. Assim, entre os três pilares que refletem no resultado da atividade – preço, custo e escala –, o produtor tem a possibilidade de atuar vigorosamente em dois: custo e escala, que são os dois itens que estão no seu campo de controle.

O grande desafio de se formar um grupo realmente unido vem, primeiramente, da incredulidade do próprio produtor de que ações como essas geram resultados reais e de gerar a consciência de que o grupo só funciona se todos estiverem juntos “nas alegrias e nas tristezas”. É muito gratificante quando escutamos casos de sucesso de grupos em várias regiões desse grande Brasil produtor de leite.

Porém, ter um grupo realmente unido demanda a ideia de que quando as coisas derem certo estamos juntos, e quando as coisas não derem tão certo assim, também estamos juntos, afinal somos um grupo! Há dois perfis de produtor que não se adequam ao grupo: o produtor que não tem o espírito de ganha-ganha, e o produtor com espírito especulador. Esses perfis, geralmente, têm dificuldade em participar de ações em conjunto e não aceitam perder de forma alguma, e a realidade, na verdade, nem sempre é assim.

Daí ser preciso entender a máxima de que “sozinho até podemos ir mais rápido, mas que juntos vamos mais longe”, que está na base da cultura de um grupo com resultados. E essa cultura de “estarmos juntos” perpassa não apenas entre os produtores, mas entre todos os atuantes no processo, da negociação, ao ensacamento, do frete regional ao interestadual, do atendimento ao cliente a fazenda.

Na média, os resultados são muito positivos, porém, em algum momento, pode haver desafios a serem solucionados. Por exemplo, fechar algum contrato de compra de insumo em um dia e, semanas depois, esse insumo pode baixar de preço, devido ao mercado, e o grupo constatar que fechou em preço mais alto. Também podem ocorrer em algum momento problemas com frete e entregas. Por isso, em qualquer situação adversa, o grupo deve estar unido para buscar a solução. O fato é que, para fecharmos uma negociação, não existe bola de cristal, mas há a experiência do próprio grupo aliada às estatísticas de mercado internas e externas. Paciência, perseverança e espírito de união são essenciais para que um grupo fique cada vez mais maduro e forte.

Volumosos: vilões ou heróis?

Às vezes, os produtores e técnicos estão focados em reduzir gastos com concentrados, mas se esquecem de que fornecer volumosos de qualidade também é uma estratégia de redução de custos com concentrado

“É fundamental o planejamento de volumosos. Assim como a 'vaca não dá leite', mas produz leite conforme as condições que lhe são dadas, as forrageiras produzirão alimento de qualidade e em quantidade, conforme as condições disponíveis”

William Heleno Mariano, consultor da Labor Rural

Na pecuária leiteira, um dos grandes desafios é a produção de volumosos, visto que ao longo dos meses do ano há grande variação na ocorrência de chuvas, temperatura e luminosidade, que influenciam diretamente no desenvolvimento e na qualidade das forrageiras tropicais. Além da importância técnica desses alimentos nas dietas dos rebanhos leiteiros, quando avaliamos a importância econômica percebemos que os gastos com volumosos, de forma geral, são o segundo maior componente do custo de produção de leite e, portanto, também devem receber atenção especial dos produtores de leite e técnicos.

Diferentemente dos alimentos concentrados, como o milho e soja, que normalmente são adquiridos de terceiros e possuem preço ditado pelo mercado e são muito influenciados pela taxa de câmbio, os alimentos volumosos, como a silagem de milho, na maioria das vezes são produzidos na fazenda e estão sob controle do produtor. Com isso, mesmo considerando os desafios relativos à sazonalidade climática, o controle da quantidade produzida e a qualidade desses alimentos perpassam pelas mãos do produtor e do técnico que o atende.

Considerando esse controle por parte do produtor, um dos pontos primordiais se refere ao planejamento de volumosos, que muitas vezes é negligenciado dentro da propriedade. É fundamental que seja realizado um bom planejamento com base na evolução do rebanho planejada, de forma a garantir alimento em quantidade e qualidade para todo o rebanho, visto que a falta de alimentos pode gerar diversos comprometimentos na produção de leite, na reprodução, dentre outros. Além disso, uma compra emergencial de volumosos, quando disponível no mercado, pode ter valores bastante elevados e qualidade inferior, comprometendo diretamente os resultados da propriedade. Já parou para pensar e calcular o impacto econômico dessas questões?

Independentemente do sistema de produção, há pontos de atenção que às vezes são esquecidos. Por exemplo, quando falamos de sistemas de pastejo, é muito comum observarmos que os produtores não direcionam muita atenção aos tratos culturais básicos, como adubação, calagem, dentre outros, ou que não se atentam à altura de entrada nos piquetes. Ou, ainda, trabalham com áreas em superpastejo ou subpastejo, o que também prejudica a forrageira. Já quando falamos de propriedades com rebanhos em confinamento, muitas vezes desconsideradas pelos envolvidos, as perdas decorrentes por falhas ao longo processo produtivo, sobretudo em relação às silagens, podem ter um peso considerável no bolso do produtor. Para entender melhor o impacto econômico das perdas, temos um comparativo nesta página, fixando a produtividade obtida e o custo por hectare de silagem.

No caso de um percentual de perdas de 30%, comparando com o percentual de 10% de perdas, que é a média normalmente observada, repare que o custo da tonelada da silagem seria R$ 31,80 mais caro, com 15 toneladas deixando de ser consumidas, ou seja, 15 toneladas foram, literalmente, descartadas. Com isso, 50 toneladas por hectare foram gastas para produzir, mas apenas 35 toneladas foram efetivamente consumidas. Considerável, concorda? Dessa forma, é fundamental o produtor ficar atento aos processos de ensilagem e fornecimento, evitando perdas dentro da fazenda. É preciso caprichar no processo de ensilagem, de compactação e de volume de retirada de alimentos do silo, por exemplo. Além disso, falhas nesses processos podem comprometer a qualidade da silagem, devido ao aumento da quantidade de microrganismos deterioradores que podem, inclusive, gerar toxinas prejudiciais ao rebanho. Não adianta nada caprichar na lavoura e perder demasiadamente no silo e no cocho, não é mesmo?

Para entender melhor os efeitos econômicos, comparamos os resultados das propriedades mais rentáveis, classificadas como superiores, com as propriedades menos rentáveis, classificadas como inferiores, na tabela.

Nessa comparação, percebemos que os gastos das fazendas inferiores são maiores do que os das superiores, gerando desequilíbrio dos custos de produção. Um ponto que chama bastante atenção é que, se compararmos as despesas com volumosos com as despesas com concentrado, percebemos que a diferença do custo de volumosos é proporcionalmente maior do que a diferença do custo com concentrado. Veja que, por exemplo, as fazendas inferiores gastam 29,02% a mais de concentrado por litro de leite, mas gastam 71,19% a mais com volumosos.

Analisando esses números, percebemos que podem ter ocorrido falhas que prejudicaram a quantidade e a qualidade dos volumosos das fazendas inferiores, falhas em processos que prejudicaram a produtividade das forrageiras, ou ainda que adquiriram volumosos mais caros nesse período, o que afetou seus custos de produção e a qualidade nutricional do alimento. Percebemos também que a despesa com volumosos das fazendas inferiores corresponde a um percentual maior do custo operacional efetivo da propriedade, que são os desembolsos diretos ocorridos, bem como um percentual maior da renda bruta da atividade. Com isso, podemos afirmar, sem medo de errar, que essas propriedades precisam dar maior atenção aos gastos com alimentação da atividade, sobretudo volumosos.

Isso é o que a Labor Rural faz! Mostrar, em números, relacionando a parte técnica com a parte econômica, os caminhos para ganhar mais dinheiro na atividade leiteira, sendo mais eficiente e de forma sustentável. Às vezes, os produtores e técnicos estão totalmente focados em reduzir gastos com concentrados, mas se esquecem de que fornecer volumosos de qualidade também é uma estratégia de redução de custos com concentrado, visto que a demanda nutricional do rebanho será mais bem atendida por esses alimentos, que em geral são mais baratos.

A busca pela vaca longeva

Elevada longevidade significa redução na taxa de descarte, menores custos de criação e, acima de tudo, rendimentos mais elevados na vida produtiva

Walter Miguel Ribeiro, coordenador do Programa Balde Cheio/MG, pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais-Faemg*

Até o ano de 2050 deveremos dobrar a produção de leite no mundo, utilizando apenas 50% dos recursos disponíveis. Desta forma, os grandes desafios da humanidade estarão intimamente ligados à disponibilidade e ao uso da água, de energia e da produção de proteína animal. Ou seja, teremos que produzir o dobro com a metade dos recursos disponíveis no planeta. A busca do produtor por vacas funcionais, eficientes, e de fácil manejo, a cada dia será maior.
Atualmente, o que se busca são vacas que exigem menos atenção, que tenham maior conversão alimentar, fiquem menos doentes, e que sejam mais férteis, com uma maior produção de sólidos. Ou seja, vacas que sejam longevas, pois longevidade é sinônimo de dinheiro.

Longevidade é uma medida de durabilidade de uma vaca dentro do sistema de produção de uma fazenda de leite. É baseado no período de vida produtiva, decorrente entre o primeiro parto e o descarte do animal. Elevada longevidade significa redução na taxa de descarte, menores custos de criação e, acima de tudo, rendimentos mais elevados na vida produtiva!

A longevidade aumenta o período de vida produtiva das vacas, sendo uma importante característica que influencia no resultado técnico e econômico das propriedades leiteiras de todo o mundo. O aumento da longevidade reduz a taxa de descarte, aumenta o índice de natalidade e o saldo líquido de animais. Isso gera excedentes para crescimento do rebanho e, ainda, para a comercialização de animais. Além disso, aumenta-se a produção durante a vida útil, reduzindo os gastos com reposição de matrizes, medicamentos e mão de obra.

Existem vários índices de seleção genética para bovinos de leite, porém dois deles se destacam quando o assunto é longevidade atrelada a eficiência, fertilidade e produção de sólidos. Tais índices de seleção que buscam intensamente animais que sejam superiores em relação à sua população de referência são chamados de NVI e MZMI.

NVI é o índice de desempenho total da Holanda usado para classificar os touros de acordo com o seu mérito genético econômico. O termo é derivado da expressão Nederlands-Vlaamse Index, que significa Índice Holando-Belga. NVI é a soma das características de Longevidade, Produção e Saúde. Orientando-se pelo NVI no seu programa de melhoramento genético, você selecionará: melhoria da produção e aumento da longevidade; menores taxas de descarte, o que significa menos substituições e maior saldo líquido de animais e, com isso, uma renda mais elevada; vacas mais férteis e saudáveis, o que gera um efeito positivo sobre a produção e qualidade do leite, aumentando o rendimento industrial e melhores produtos lácteos para o consumidor.

Na Holanda, a população de vacas da raça Holandesa se encontra com média de quatro partos, onde foi possível encontrar pelo menos quatro vacas com produção acima de 200.000 kg de leite em toda a sua vida produtiva, reforçando na prática a filosofia de seleção. Já são mais de 40 mil vacas com idade superior a 10 anos e 10 mil vacas acima de 15 anos. Diariamente, em média, sete vacas cruzam a marca de 100.000 kg de leite e este número aumenta a cada ano naquele país.

Já o Índice de Mérito da Nova Zelândia (NZMI) foi desenvolvido para permitir que os produtores de leite neozelandeses obtenham um rebanho produtivo, rentável e longevo. A filosofia do NZMI concentra-se na busca de uma vaca que tenha próximo de 450 kg de peso vivo, e que produza uma média de 450 kg de sólidos de leite a cada ano e uma vida produtiva de pelo menos seis lactações.

Ou seja, busca-se uma vaca capaz de transformar pasto em gordura e proteína e que produza um animal extremamente eficiente e adaptado ao sistema de produção intensivo de pastejo. O peso vivo de uma vaca é um importante indicador para a conversão mais rentável de pasto em leite de alto percentual de sólidos e consequentemente em dinheiro. Vacas mais pesadas têm, em média, maiores custos de alimentação para manutenção, mais dificuldade de caminhar, problemas de locomoção, desordens metabólicas, perda de escore corporal, problemas reprodutivos do que vacas mais leves.

Os dois índices citados buscam auxiliar os produtores de leite de todo o mundo na busca de vacas mais adaptadas aos diversos sistemas de produção, que sejam mais eficientes, saudáveis e de fácil manejo.

*Com a colaboração de Samuel Miguel Hy­lario, médico veterinário

Vacas secas: importância do conforto térmico

As fazendas que fazem um trabalho de resfriamento de suas matrizes durante todo o período seco obtêm vários resultados positivos quanto ao desempenho do rebanho

“Animais que no período seco tiveram seu limiar de conforto térmico excedido adoeceram mais”

João Victor Rocha, médico veterinário Grupo Apoiar

Um problema com o qual nos deparamos com frequência nas fazendas nas quais trabalhamos é a falta de conforto térmico para as vacas no período seco. Muitas vezes, nos esforçamos para garantir o máximo de conforto para as vacas em lactação, mas o conforto das vacas secas é negligenciado, por ser um animal não produtivo.

Esse período seco é de extrema importância na próxima lactação do animal, pois é nessa fase que a glândula mamária passa por períodos fisiológicos de involução e uma posterior evolução do parênquima mamário, que será responsável pela produção do leite. Geralmente, o período seco dura 60 dias e pode ser dividido em duas categorias: vacas secas (60 a 30 dias do parto) e vacas no período de transição ou pré-parto (30-21 a 0 dias do parto).

O que as pesquisas mostram e que constatamos a campo é que as fazendas que fazem um trabalho de resfriamento dos animais durante todo o período seco têm vários resultados positivos.

Em uma pesquisa, as vacas foram divididas em dois lotes, durante todo o período seco, e alojadas em um mesmo galpão de free stall. Em um desses lotes as vacas tinham ventiladores e aspersores para ajudar no controle de temperatura, enquanto no outro lote os animais não tinham nenhum sistema de resfriamento. Após o parto, essas vacas ficaram no mesmo ambiente, recebendo a mesma alimentação e os mesmos manejos.

Ao fim da lactação desses animais, os pesquisadores compararam as produções de leite dos dois grupos e observaram que as vacas que passaram o período seco em ambiente termicamente estressante produziram 550 litros de leite a menos que as vacas resfriadas. Parte dessa perda de produção se justifica, pois vacas secas que estão passando por algum nível de estresse calórico têm os processos de involução e evolução da glândula mamária bastante afetados, refletindo, portanto, em perdas na próxima lactação.

Muito além de perdas na produção total de leite, os danos de um período seco sob estresse calórico podem ser muito maiores. A reprodução dessas na lactação subsequente foi um índice que sofreu um grande impacto negativo devido à má condução dos animais durante a fase seca. Maior número de inseminações por prenhez e menor taxa de concepção foram dois índices que mostram que o calor excessivo durante a fase seca das vacas pode influenciar negativamente o funcionamento reprodutivo dos animais.

Durante a pesquisa, foi observado que o estresse térmico também diminui a ingestão de alimentos em vacas secas. Isso resulta em um menor aporte de energia ao sistema imune, que é bastante dependente de energia para o seu adequado funcionamento, deixando-o em patamares não condizentes com os desafios de uma nova lactação. No pós-parto, doenças como mastite, retenção de placenta, metrite, entre outras, requerem do animal uma resposta imune rápida e eficaz. Animais que no período seco tiveram seu limiar de conforto térmico excedido adoeceram mais. Os números de casos de pneumonia, mastite e retenção de placenta foram maiores para aquele grupo de vacas secas que não foram resfriadas em comparação às que foram resfriadas.

Além do impacto direto na lactação subsequente da vaca, bezerras nascidas de vacas que não passaram por estresse térmico durante o período seco nasceram mais pesadas do que as nascidas de vacas não resfriadas. Também apresentaram melhor absorção de IgGs do colostro no intestino, bem como se mantiveram mais pesadas até o primeiro ano de vida e se tornaram novilhas que produziram na primeira lactação 5 kg de leite/dia a mais que as filhas das vacas estressadas termicamente.

Fica clara a importância e a viabilidade econômica de oferecer às vacas secas um ambiente que traga conforto térmico. Galpões equipados com ventiladores e aspersores seriam o ideal, porém sabemos que isso nem sempre é possível. Pensando na realidade das fazendas brasileiras, que na maioria das vezes não possuem galpões, garantir aos animais um espaço adequado de sombra, água e comida em quantidade e qualidade pode ser um bom começo para ter melhores índices produtivos nesta fase.

Outra medida que pode ser uma alternativa para muitas fazendas seria a instalação de uma sala de resfriamento (sala de banho), que pode ser utilizada para as vacas em lactação antes das ordenhas e para as vacas secas e do pré-parto nos intervalos entre as ordenhas. Dois a três banhos diários com duração de 30 a 45 minutos cada um podem ser uma boa medida para oferecer conforto térmico para essa fase.

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