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A força para o produtor superar os momentos de crise vem de dentro da fazenda, com uma gestão eficiente

PERSPECTIVAS 2022

Especialistas recomendam

cautela e equilíbrio de custos em 2022

A cadeia produtiva do leite passou por uma série de oscilações de mercado, com a situação se agravando para os produtores no ano passado. Para 2022, face a muitas incertezas ainda, o que resta ao produtor é uma gestão eficiente de seu negócio

João Carlos de Faria

O ano de 2021 foi difícil para a cadeia do leite, diante das adversidades climáticas (fortes chuvas nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste e estiagem atípica no Sul do País), que atingiram diretamente a safra de grãos, sobretudo do milho, resultando em custos mais altos para a alimentação do rebanho. Dados da empresa Labor Rural indicam que a relação estoque/consumo do milho foi reduzida a 7,4%, muito abaixo do que ocorreu na safra 2016/2017, por exemplo, quando chegou a 23,17%.

O levantamento aponta que outros insumos, além do milho e da soja, igualmente sofreram alta, caso dos combustíveis, que tiveram reajustes médios entre 31% e 35%, e a energia elétrica, com média variável de 17,78%, sem contar o acréscimo de R$ 0,14% por KW/hora, devido à escassez hídrica que levou à adoção da bandeira vermelha, que depende da equalização nos níveis de água dos reservatórios – que, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), chegariam ao fim de janeiro com 40% – para retornar à bandeira verde, com custo menor.

No que se refere ao mercado de produtos lácteos, o aquecimento do consumo perdeu força a partir de outubro de 2020, com o fim do auxílio emergencial do governo federal, afetando não só a indústria, mas toda a cadeia do leite.

Essa conjuntura fez de 2021 um ano muito complicado para o setor, conforme avaliam os consultores Valter Galan e Vanessa Martins, ouvidos pela Balde Branco.

“Foi um ano de custos bem altos e não estamos falando só de soja e de milho, mas também de fertilizantes, defensivos e de tudo o que se usa para produzir o volumoso que alimenta os animais, enquanto os preços (do leite) subiram, mas não na mesma proporção”, afirma Galan, que é sócio-diretor do MilkPoint Mercado, sediado em Piracicaba (SP).

Ele observa que, em 2020, fenômenos climáticos como a seca no Sul e a chuva em excesso, principalmente em Minas Gerais, não aconteceram na mesma intensidade que em 2021, quando não só foram prejudicadas as lavouras, mas até a coleta de leite foi dificultada, com reflexos na produção. “Se a gente juntar esses dois cenários, veremos que isso atrapalha a safra de verão, o que nos leva a começar o ano ainda de forma bastante complicada”, resume.

Galan também diz que preocupa a correlação do custo de produção com a taxa cambial, que gira entre 92% e 93%, o que significa que, se a taxa de câmbio subir 10%, os custos de alguns insumos que são vinculados ao dólar vão subir 9,2% a 9,3%. “Com a taxa de câmbio desvalorizada e com o real também desvalorizado, a tendência ainda é de custos altos em 2022”, explica.

Valter Galan: “Com a taxa de câmbio desvalorizada e com o real também desvalorizado, a tendência ainda é de custos altos em 2022”

Para Vanessa Martins, gerente na empresa Labor Rural, sediada em Viçosa (MG), que presta consultoria técnica e gerencial para o agronegócio, o aumento do custo da ração, principalmente em função do preço do milho, foi realmente o que mais influenciou na redução da margem do produtor. “O preço do leite esteve em alta, mas o preço do milho passou de R$ 100 a saca e como isso afeta muito no custo, mesmo recebendo um preço melhor a margem do produtor ficou apertada”, afirma.

Apesar disso, houve alguns produtores que se deram bem, porque souberam trabalhar de forma profissional. “É nesses momentos de desafio e alta dos insumos que percebemos quem consegue trabalhar bem, independente de a situação ser favorável ou não”, diz a consultora.

Os produtores que ganharam, como aponta ela, foram aqueles que souberam equilibrar os seus custos. “O custo total médio de quem teve boa rentabilidade com o leite foi de R$ 1,87 por litro; já para quem perdeu dinheiro por não saber administrar os recursos dentro da fazenda, o custo chegou a R$ 2,56. É uma diferença de R$ 0,69 a mais.” Ademais, ela ressalta que o fato de 2020 ter sido um ano bastante positivo levou alguns produtores a se preparar e investir e foi graças ao retorno que obtiveram que eles conseguiram passar pela turbulência.

Vanessa Martins: “É nesses momentos de desafio e alta dos insumos que percebemos quem consegue trabalhar bem, independente de a situação ser favorável ou não”

A indústria, por sua vez, analisa a consultora, teve dificuldades principalmente por não ter conseguido repassar integralmente ao consumidor final o custo que teve a mais com o produtor por causa da alta dos insumos, além de ter enfrentado a redução da demanda provocada pelo fim do auxílio emergencial.

Otimização dos custos – As previsões de ambos para 2022 sugerem cautela e não fogem muito ao que se desenhou no cenário do ano passado. Por isso, aconselham o produtor que se prepare para passar por mais apertos e para que tenha habilidade no gerenciamento dos seus números durante o ano todo.

“Se ele tem um rebanho com mais novilhas e menos vacas em lactação, é o momento de reduzir o número de novilhas e aumentar a quantidade de vacas em lactação porque, proporcionalmente, serão elas que vão gerar receita em curto prazo, enquanto as novilhas, até que comecem a produzir leite, só vão gerar custos”, analisa Valter Galan.

O mesmo deve acontecer com vacas que tenham problemas reprodutivos ou apresentem baixa produção, que devem ser descartadas, aproveitando que o preço da arroba do boi está em alta para se obter uma receita extra. A fabricação de concentrados na própria fazenda também pode ser uma alternativa e o investimento feito por litro de leite precisa ser repensado.

“Esse investimento tem que variar entre R$ 1,4 mil e R$ 1,5 mil por litro de leite produzido, mas tem produtor chegando até a R$ 2,5 mil por litro. Ou seja, esse produtor tem uma estrutura de produção muito grande para um volume de produção pequeno. Nesse caso, ou ele reduz a estrutura ou produz mais leite para chegar num nível de eficiência maior”, explica.

Para Vanessa Martins, será fundamental que seja feita a lição de casa da porteira para dentro. “Fazer o dever de casa é aumentar a margem com mais receita e custos mais equilibrados Essa é a equação.” O produtor também pode otimizar o preço recebido, mesmo que muito ajustado, dando maior atenção à qualidade, observando índices como CCS, CPP e os sólidos, e aumentando o volume de produção.

“São fatores que estão nas mãos do produtor, dentro da fazenda. Por isso, este é o momento que a assistência técnica passa a ser ainda mais importante do que já é, pois leva conhecimento, capacita, ajuda a estabelecer metas e a monitorar os indicadores”, ressalta. A consultora também sugere que, para se obter mais volume, o caminho é ajustar o número de vacas em lactação a um porcentual mínimo de 45% em relação ao total do rebanho, incluindo animais produtivos e não produtivos, e aumentar a produtividade e eficiência por hectare.

“Tem que produzir mais com menos recursos, controlando gastos como o concentrado, que hoje é o principal fator de desembolso do produtor, chegando a comprometer de 38% a 40% do faturamento, e prestar atenção no custo do volumoso, que pode chegar a 10% das contas. É a hora de racionalizar os custos e buscar equilíbrio”, explica Vanessa.

A recomendação também é que se aproveite a melhor hora para comprar, pensando em compras estratégicas e até mesmo na possibilidade de produzir a ração na própria fazenda, além de se planejar bem para uma boa safra de volumoso, com o plantio na época certa e insumos corretos, seguindo à risca as recomendações da assistência técnica.

Tendências para 2022 – Ainda conforme os levantamentos da Labor Rural, a produção nacional de milho tende a crescer 29,7% em 2022, mas haverá aumento de 2,4% da demanda interna e 12,8% na exportação. Por isso, a relação estoque/consumo deve continuar baixa, com o preço estabilizado ou com um pequeno aumento.

No caso da soja, no entanto, a produção interna tende a aumentar em 2,3% e a produção mundial em 1,7%, com previsão de oferta maior no mercado nacional. “O consumo deve crescer levemente (1%), mas a exportação será em volume bem maior que no ano passado, alcançando cerca de 15%, o que vai influenciar nos estoques e consequentemente no aumento do preço”, explica Vanessa.

Segundo ela, fatores como a oferta reduzida, em parte pelos muitos produtores que desistiram da atividade assustados com alta dos custos e outros que “pisaram no freio” com os investimentos, receosos em relação ao mercado, além da previsão de aumento do consumo, com o Auxílio Brasil pago pelo governo federal, devem resultar em preço melhor ao produtor. “Com a oferta ajustada e a demanda positiva como esperamos pode haver, sim, um aumento. Mas isso também vai depender muito da variação climática, o que é algo imprevisível”, afirma.

Para Valter Galan, as exportações serão favorecidas, pois os preços internacionais da tonelada de leite seguem sustentados, devendo se manter nesse primeiro semestre do ano num patamar entre R$ 2,9 mil e R$ 4 mil. “O mundo está sem leite: a Nova Zelândia e os Estados Unidos estão com problemas de produção e a União Europeia está praticamente fora do mercado porque a produção está muito reduzida por lá. Com isso, o Brasil tem a chance de vender para vários mercados e continuar com a janela exportadora pelo menos no primeiro semestre, podendo compensar as adversidades e ajudar para que se tenha um cenário melhor”, finaliza.

 ABRALEITE VÊ EXPECTATIVA DE MELHORAS EM 2022


As avaliações dos especialistas ouvidos pela Balde Branco estão de acordo com a análise do presidente da Associação Brasileira de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, que também considera que o ano de 2021 foi difícil e desafiador para o setor leiteiro nacional, tanto do ponto de vista da produção como da industrialização.

“Os dois lados sofreram com custos altíssimos, atrelados a uma grande retração do mercado, principalmente no último trimestre do ano, além de problemas climáticos, como falta de chuvas em alguns Estados, excesso em outros e as geadas, o que trouxe dificuldades e prejuízos ao setor”, afirma.

Borges observa que os avanços que as propriedades têm apresentado nos últimos anos, com melhor produtividade, aumento da qualidade do produto, tecnificação e gestão, são fundamentais para enfrentar os desafios econômicos e climáticos e para que o setor tenha eficiência e possa superar essas crises.

Suas expectativas para 2022 são de inflação controlada tanto em relação aos insumos quanto ao mercado de produtos lácteos, para que a população possa ajudar o setor a sair da crise, consumindo mais. As exportações, que neste momento se mostram favoráveis pelo câmbio, preços internacionais em alta e mercados importadores abertos, podem também, segundo ele, trazer mais equilíbrio à cadeia produtiva do leite.

“Precisamos melhorar o poder aquisitivo e de consumo, e a relação entre as indústrias de laticínios e os produtores precisam evoluir, torcendo para que os fatores climáticos não castiguem nossas regiões produtoras de leite”, conclui.

Geraldo Borges: “Precisamos melhorar o poder aquisitivo e de consumo, e a relação entre as indústrias de laticínios e os produtores precisam evoluir”

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