balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Economista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite

 Durante o período de tabelamento, quando os preços pagos ao produtor eram definidos pelo Governo, ocorria frequentemente um descompasso entre a elevação dos custos e os preços. Os custos corriam na frente e somente depois ocorria o reajuste dos preços ao produtor”

Está muito caro produzir leite

O ano de 2021 se mostrou o mais desafiador para o produtor de leite nos últimos 32 anos, desde 1990, quando o tabelamento de preços ao produtor teve fim. Os custos de produção subiram muito mais do que o previsto, sem que os preços pagos ao produtor acompanhassem essa escalada.

Durante o período de tabelamento, quando os preços pagos ao produtor eram definidos pelo Governo, ocorria frequentemente um descompasso entre a elevação dos custos e os preços. Os custos corriam na frente e somente depois ocorria o reajuste dos preços ao produtor. E também não havia um critério claro de reajustes, sempre gerando perdas, que não eram totalmente cobertas. Como nos anos oitenta o Brasil viveu o seu período de maior inflação de toda a sua história, muitos produtores saíram da atividade, em função de margens estreitas e rentabilidade pouco atraente.

Eu acompanhei aquele período de modo intenso. Em 1985, no dia em que foi instituído o Plano Cruzado, estava previsto um aumento de 100% do preço pago ao produtor, para corrigir a corrosão da inflação acumulada em um ano. Mas, naquele dia, além da nova moeda, o Plano Cruzado trouxe um congelamento de todos os preços da economia e o preço do leite não foi exceção. Portanto, o plano pegou os produtores no seu pior momento e congelou as perdas acumuladas em um ano, afetando a rentabilidade da atividade, que já vinha no vermelho. Isso foi tão devastador, que a oferta se retraiu e começou a faltar leite, configurando um desabastecimento generalizado. O resultado é que o Brasil se tornou o terceiro maior importador de leite do mundo.

A resposta para aquele momento terrível, nunca então vivido pelo setor, veio do então ministro da Economia Dilson Funaro, que percebeu a necessidade de se encontrar um mecanismo de recomposição de perdas e também a redução das incertezas de rentabilidade, trazendo maior previsibilidade para o produtor. Ele demandou do ministro da Agricultura, na ocasião, a construção de um critério. Naquela época eu estava cursando o mestrado em Economia Aplicada na Universidade Federal de Viçosa (UFV), depois de ter finalizado um estágio na Embrapa Gado de Leite, como bolsista de iniciação científica, cujo trabalho foi o de construir a primeira planilha de custos de produção de leite que se tinha notícia aqui no Brasil, sob a orientação do pesquisador Flávio Guilhon de Castro.

Pois esse estudo, feito durante o meu estágio, se tornou a base para a construção da Planilha de Custos de Produção de Leite da Embrapa, como ficou conhecida. Por força de lei, durante cinco anos ela definiu os valores a serem pagos aos produtores. Participaram de sua construção vários pesquisadores e técnicos de diferentes instituições e os trabalhos foram coordenados por um trio: o professor Sebastião Teixeira Gomes, da UFV e então meu orientador no mestrado, e Jacques Gontijo, que viria a se tornar presidente da Cooperativa CCPR/Itambé, representando os produtores de leite, além de mim, um jovem aprendiz.

Voltando para os dias atuais e comparando com o momento dificílimo vivido no passado, o fato é que aquela memorável crise foi criada pelo Governo e resolvida pelo Governo. Já a crise atual foi criada pelo mercado e tudo indica que será resolvida pelo mercado, sem a participação do Governo, que não tem instrumentos efetivos para interferir e mudar o cenário.

Todos reconhecem que é considerável o impacto gerado pela elevação dos custos de alimentação dos animais. De acordo com o ICPLeite/Embrapa, o custo de alimentos concentrados, leia-se ração, subiu 54,5% em 2020 e 17,1% em 2021. Portanto, um aumento acumulado de 80,9% em dois anos, puxado pelo preço explosivo da soja e do milho em todo o mundo. Quanto a produzir volumoso, não foi diferente. Em 2020 os custos para este item subiram 12,5% e, em 2021, subiram 73,1%, acumulando uma inflação de 94,7% em dois anos. Portanto, dar silagem e usar capineira configuraram inflação de custos até maior do que a verificada com o uso de ração, nesses dois últimos anos.

Dois grupos de custos tiveram comportamento de preços moderado em 2020, mas explosivo em 2021. O custo da alimentação mineral subiu somente 5,8% em 2020. Mas, em 2021, os preços subiram 46,7%. Já os custos com energia e combustíveis subiram 4,5% em 2020 e 25,8% em 2021.

O resultado de tudo isso é que 2021 e 2020 foram, respectivamente, os anos de recorde, de maior inflação de custos de produção desde 2007, quando foi criado o ICPLeite/Embrapa. E trazem um amargo registro histórico. Em 2020, a inflação de custos foi de 24,6% e em 2021 foi de 25,3%. Portanto, a década começa com uma inflação de custos acumulada de 56,1% para quem produz leite.

Os preços no mercado internacional para leite em pó e derivados estão elevados e o Real está desvalorizado frente ao Dólar. Esses dois fatores inibem importações. Mas, ainda assim, os preços pagos aos produtores subiram apenas 4% em 2021. E as margens entre receita e custo estão muito estreitas. Para muitos produtores, estão negativas, com muita insatisfação no campo.

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