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É preciso tomar medidas antecipadas às infestações, visando ao controle da mosca-dos-chifres

PARASITOS

Estratégias para o controle da

Mosca-dos-chifres

Na primavera/verão, com o aumento do calor e da umidade, a infestação de parasitos, como a mosca-dos-chifres, se intensifica nos rebanhos bovinos, causando expressivas perdas aos produtores

Erick Henrique

As picadas constantes e doloridas da mosca-dos-chifres para sugar o sangue do animal provocam irritação que afeta a saúde e o bem-estar do bovino, levando à diminuição de sua produção. O estresse faz com que a vaca leiteira deixe de se alimentar, passando muito tempo tentando se livrar desses parasitos. Juntamente com carrapatos e infecções por vermes, a mosca-dos-chifres está entre as principais parasitoses bovinas. Para orientar os produtores, especialistas indicam algumas estratégias de combate ao inseto.

“Os produtores de leite devem ficar atentos a todos os aspectos sanitários relacionados ao rebanho, durante todos os dias do ano. É um trabalho intensivo, que facilita a detecção e a resolução rápida dos problemas que surgem. Assim que infestações são detectadas, devem ser controladas”, diz a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste Márcia de Sena Oliveira, de São Carlos (SP). Ela ainda recomenda: “Sugiro que o combate não seja baseado apenas no uso de pesticidas, porque esses tratamentos não vão funcionar de modo efetivo por muito tempo e podem comprometer a qualidade sanitária do leite”.

De acordo com a especialista, em casos mais graves, o produtor deve ter em mente que é necessário verificar se a população de moscas presente no rebanho é suscetível ou resistente à base química (princípio ativo) disponível e escolher uma alternativa entre usar várias vezes a mesma base química ou alternar com outras bases. “Geralmente, os tratamentos químicos feitos de modo sistemático nos rebanhos alteram a suscetibilidade de todos os parasitas presentes nos animais, mesmo que sejam direcionados apenas para um deles, como é o caso do carrapato”, diz ela, sugerindo também métodos alternativos, que se mostram efetivos num conjunto de estratégias no controle do parasito, como armadilhas, substâncias inócuas ao meio ambiente, manejo biológico e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).

Márcia de S. Oliveira: “Sugiro que o controle não seja baseado apenas no uso de pesticidas, porque esses tratamentos não vão funcionar de modo efetivo por muito tempo”

“Armadilhas simples, colocadas nas pastagens, podem reduzir em até 70% as infestações por moscas-dos-chifres nos animais. Outra alternativa é usar o sistema ILPF, que apresenta muitos benefícios quando comparado ao sistema convencional de pastagens (a pleno sol)”, assinala Márcia. Ela cita estudo realizado na Embrapa Pecuária Sudeste que indicou que a infestação por moscas-dos-chifres em sistemas silvipastoris é 38% menor quando comparada às criações em pastagens convencionais.

Evitar o uso descontrolado de inseticidas – Nomeada cientificamente como Haematobia irritans, a mosca-dos-chifres apresenta muitas particularidades que são primariamente responsáveis pelo rápido desenvolvimento de resistência aos pesticidas. “Existem os problemas do contato constante com as bases químicas usadas para o controle do carrapato e outras moscas. Associado a isso, há o problema relacionado ao uso de pesticidas de contato, de longa ação, e o uso de brincos impregnados, que fazem com que as moscas tenham um contato prolongado com baixas doses, o que leva invariavelmente à sobrevivência de muitos indivíduos nas populações”, explica a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste.

Ela destaca ainda que essas moscas sobreviventes transferem a característica de resistência para a sua progênie por meio de mutações genéticas específicas, que dependem do mecanismo de ação de cada inseticida. Além disso, cada mosca-dos-chifres é capaz de produzir cerca de 300 ovos durante sua vida e podem ocorrer mais de 20 gerações/ano em regiões propícias a seu desenvolvimento, o que acelera em muito o estabelecimento da resistência.

USO SEM CRITÉRIOS DE PRODUTOS QUÍMICOS NO COMBATE A ESSES PARASITOS LEVA À RESISTÊNCIA A DIVERSOS PRINCÍPIOS ATIVOS, PREJUDICANDO A EFICIÊNCIA DO CONTROLE DA PRAGA

Alguns mecanismos de resistência aos pesticidas têm sido descritos em artrópodes (animais invertebrados como insetos, dentre eles besouros, carrapatos, aranhas, ácaros, e outros), como a redução da penetração de moléculas pesticidas na cutícula do parasita e a insensibilização de receptores no sistema nervoso. “Esse último mecanismo é muito importante, tendo em vista que a grande maioria dos pesticidas atua em receptores específicos do sistema nervoso dos parasitas. Algumas mutações associadas à resistência a pesticidas já foram identificadas e são usadas como marcadores moleculares em populações de moscas, carrapatos e outros artrópodes”, explica Márcia.

Segundo a pesquisadora, a resistência a pesticidas se origina por causa da complexidade dos mecanismos de resistência, principalmente tendo em vista a grande quantidade de parasitas que é preciso combater sistematicamente nos rebanhos brasileiros. “É necessário o produtor considerar outro aspecto importante quando for usar um pesticida: ter critérios para o uso racional desses produtos.”

Uma boa estratégia é anotar a data da aplicação do pesticida e, se possível, realizar a avaliação do rebanho quanto ao grau de infestação nos dias 0, 10, 21 e 30 dias (de preferência em dois horários diferentes do dia). Desta forma, é possível ver a efetividade do produto e programar a próxima aplicação de acordo com a bula, evitando-se assim a sub ou superdosagem. Caso tenha notado mais de um princípio ativo sendo efetivo nos resultados no rebanho, é interessante fazer o uso alternado desses produtos para evitar a possibilidade de resistência e, assim, obter um resultado melhor e mais efetivo.

Manter as instalações limpas e evitar o acúmulo de esterco próximo aos estábulos faz parte do controle de proliferação de moscas

‘Soldado natural’ – O manejo biológico do ectoparasita visa encontrar organismos associados a ela, tais como vetores e/ou inimigos naturais, para o desenvolvimento de medidas de controle populacional das moscas. Na tese de doutorado de Miguel Tadayuki Koga, já defendida, intitulada “Dinâmica Populacional da Mosca-dos-Chifres (Haematobia irritans) em um ambiente com competição”, ele demonstra que duas ou mais espécies interagem no mesmo ambiente de formas diferenciadas.

No caso dos bovinos com a mosca, há uma relação direta, em que o inseto parasita o animal, afetando-o de forma negativa. Além disso, a mosca depende diretamente do bovino leiteiro para se reproduzir. Nesse ambiente, buscam-se outras espécies que venham a servir de biocontroladores – inimigos naturais da mosca- dos-chifres –, que contribuem para manter um equilíbrio do ecossistema.

As armadilhas, colocadas estrategicamente no ambiente, ajudam no controle das moscas

De acordo com Koga, nas fezes bovinas se desenvolvem diversos organismos, além da mosca. As massas fecais do rebanho são visitadas por insetos predadores à procura de ovos e larvas que lhe servem de alimento. Um dos maiores competidores da mosca-dos-chifres nesse ecossistema são os besouros coprófagos, popularmente conhecidos como besouros rola-bosta.

Como se alimentam de esterco, os besouros competem diretamente com a mosca-dos-chifres no uso dos bolos fecais, local onde o ectoparasita se desenvolve até se tornar adulto. Assim, a ação dos besouros coprófagos nas fezes bovinas inviabiliza a reprodução da Haematobia irritans, sendo, portanto, um possível biocontrolador do parasita.

Cabe lembrar que o rola-bosta africano foi introduzido no Brasil a partir de 1989, quando o Centro Nacional de Pesquisas da Embrapa importou o besouro do Texas, nos Estados Unidos, como estratégia para o controle biológico da mosca-dos-chifres e a descompactação do solo.

Estudou mostra que nos animais em ambiente de ILPF houve presença bem menor dos parasitos

ILPF entra no combate — “No uso dos sistemas ILPF estudamos a ocorrência das moscas-dos-chifres somente em gado de corte. Porém, os dados obtidos com esses animais podem ser extrapolados para o gado de leite. Verificamos que a quantidade de moscas que parasitavam bovinos da raça Canchim criados em sistemas de pastagens com linhas de árvores nativas foi significativamente menor, quando comparada com as quantidades encontradas nos bovinos criados em sistemas convencionais, sem árvores”, explica a pesquisadora da Embrapa de São Carlos.

Em sua análise, ela observa que essa diferença parece ter sido provocada pela maior diversidade de microfauna associada aos bolos fecais dos bovinos criados no sistema com árvores. Na microfauna foram encontrados diversos insetos, como os besouros e aracnídeos, que são potenciais predadores das larvas da mosca-dos-chifres.

“A suspeita inicial, antes de desenvolver o experimento, era de que o sistema sombreado iria favorecer o desenvolvimento das formas de vida livres dos parasitas dos bovinos que se desenvolvem nas pastagens. Mas verificamos que, além de a quantidade de moscas-dos-chifres parasitando os bovinos ser menor, não houve diferença com relação ao nível de infecção por nematódeos gastrintestinais, carrapatos e bernes”, diz Márcia de Sena Oliveira.

Ela complementa que os sistemas de criação com árvores proporcionam também um ambiente menos estressante para os animais, que podem escolher entre permanecer em áreas ensolaradas ou sombreadas de acordo com a temperatura ambiente. Todo esse bem-estar dos animais contribui para que eles fiquem mais calmos e saudáveis.

Mais informações: Márcia de S. Oliveira, www.embrapa.br/pecuaria-sudeste

Impactos produtivos e econômicos


Conforme destaca Márcia de Sena Oliveira, pesquisadora da Embrapa, os prejuízos econômicos com a mosca- dos-chifres são da ordem de milhões e milhões de reais. “Na verdade, é meio difícil separar os prejuízos causados pelas moscas que atacam os bovinos daqueles atribuídos ao carrapato e outros, já que os tratamentos com muitas bases químicas são indicados no combate dessas populações de parasitas concomitantemente”, diz.

Com o hábito alimentar exclusivamente hematófago, a mosca pica os animais cerca de 25 a 40 vezes por dia e cada sucção de sangue pode durar de quatro a cinco minutos. Pesquisas mostram que uma infestação média de 500 moscas por animal leva a uma perda anual de 40 quilos/animal/ano e cerca de 150 litros de leite durante toda a lactação, levando-se em conta a perda de sangue e, principalmente, os efeitos irritantes da picada que comprometem a alimentação tranquila do animal, diminuindo sua produtividade.

Uma infestação de 500 moscas não é considerada grande, pois não é raro encontrarem-se infestações de 2 mil moscas/animal em determinadas épocas do ano, agravando muito as perdas econômicas aos bovinocultores. Em consequência disso, há redução na produção de leite e carne e estresse devido à irritação intensa dos animais.

O ciclo desse ectoparasita dura, em média, dez dias e inicia-se quando a mosca põe os ovos nas fezes dos animais. Nas horas mais frescas do dia, uma grande população de moscas adultas migra para as partes mais baixas do animal, concentrando-se na região do abdômen, para posteriormente realizar a postura sobre o bolo fecal fresco.

Em condições favoráveis de temperatura e umidade, os ovos eclodem e, em 24 horas, se transformam em larvas. Após três a cinco dias, as larvas se transformam em pupas, alimentam-se das fezes e, depois de quatro a oito dias, já se tornam moscas adultas. As moscas alimentam-se exclusivamente de sangue e passam praticamente toda a vida sobre seu hospedeiro. Na ausência de animais, podem voar por até 14 quilômetros, sobrevivendo por um período de 28 a 40 dias, dependendo das condições climáticas. No período das águas e em anos de maior temperatura e umidade, é maior o risco de infestação.

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