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LEITE EM NÚMEROS

João Cesar de Resende

pesquisador da Embrapa Gado de Leite

Evolução do poder de compra do leite de 2019 a 2021

Os números mostram os momentos em que os produtores de leite tiveram redução ou aumento de renda líquida no período

Nesses últimos meses, em que o planeta está convivendo com os impactos da pandemia de covid-19, transformações significativas aconteceram na economia mundial e, em particular, na do Brasil. Todos os setores econômicos foram afetados e, de forma muito intensa, também o agronegócio. Alguns setores saíram vencedores, enquanto outros perderam dinamismo. As variações dos preços dos produtos agropecuários refletiram a intensidade desses efeitos sobre o setor. Este artigo analisa o poder de compra da pecuária de leite nacional, tomando como referência os preços do leite pagos ao produtor e sua relação com os valores de insumos e serviços importantes para a atividade e, consequentemente, para a rentabilidade das fazendas.

Os insumos selecionados foram o milho e o farelo de soja, os dois principais ingredientes utilizados na alimentação concentrada do rebanho. O valor do salário mínimo foi escolhido como um referencial para as despesas com mão de obra nas fazendas. Pela metodologia utilizada pelo ICPLeite (Índice de Custo de Produção do Leite) calculado e acompanhado pela Embrapa, esses dois componentes, somados, representam 59,6% do custo total enfrentado pelas fazendas, sendo a participação da alimentação concentrada de 39,7% e a da mão de obra de 19,9%.

O poder de compra do leite (ou relação de troca ao produtor) equivale à quantidade de leite (em litros) necessária para comprar 60 kg de milho, de farelo de soja ou de uma mistura composta de 70% de milho e 30% de farelo de soja. No caso do indicador de gastos com mão de obra, o poder de compra do leite equivale à quantidade da matéria-prima necessária para pagar o valor de um salário mínimo. O período considerado refere-se às médias do primeiro e do segundo semestres de 2019, seguido dos valores mensais de janeiro de 2020 a abril de 2021.

Os números mostram os momentos em que os produtores de leite tiveram redução ou aumento de renda líquida no período. Valores maiores (crescimento do preço do leite menor do que o crescimento dos custos) indicam momentos de redução de renda líquida e menores (crescimento do preço do leite maior do que o crescimento dos custos) ressaltam os momentos de aumento de renda líquida para os produtores. Considerando a relação de troca leite/mistura (quantidade de leite necessária para pagar 60 kg da mistura) é possível identificar três períodos diferentes que se encontram ilustrados graficamente na Figura 1.

O período 1, de março a maio de 2020, com gastos entre 48 e 49,2 litros de leite/60kg da mistura; o período 2, de junho a setembro de 2020, com os gastos caindo para 43,2 a 38,3 litros, e o período 3, de outubro de 2020 em diante, quando a quantidade de leite necessária para comprar os mesmos 60 kg da mistura volta para 45,9 até 58,4 litros. Assim, sob a ótica da relação de troca de litros de leite por 60 kg de mistura, no primeiro momento da pandemia, os produtores perderam parte de sua renda líquida; no segundo recuperaram e, no terceiro, voltaram a perder. Pela Figura 1 é possível observar ainda que, em relação a 2019, essas relações somente foram similares entre julho e setembro de 2020. Por outro lado, nos períodos 1 e 3, os produtores gastaram mais leite para comprar a mesma quantidade da mistura em comparação com as médias dos dois semestres de 2019.

Quanto ao indicador utilizado para analisar a variação das despesas com mão de obra nas fazendas, o salário mínimo, a Figura 2 ilustra as variações de forma clara. Neste caso, três períodos também podem ser identificados em termos de quantidade de leite necessária para pagar o valor de um salário mínimo: período 1, do segundo semestre de 2019 até maio de 2020, gasto entre 731 e 758 litros; período 2, de junho até dezembro de 2020, quando a quantidade caiu até 541 litros; e o período 3, de janeiro a abril de 2021, em que a relação voltou a subir para 540 a 568 litros. De maneira geral, a Figura 2 mostra tendência de queda relativa das despesas com mão de obra de maio até o fim de 2020. Voltaram a subir em janeiro de 2021, com o reajuste anual do salário mínimo, no entanto, para valores médios bem menores do que no período anterior.

De forma geral, nesse período analisado, o produtor de leite teve uma relação de troca prejudicada em relação aos insumos ligados à alimentação concentrada em função dos expressivos aumentos de preços internacionais e domésticos do milho e do farelo de soja. Por outro lado, os aumentos do preço do leite contribuíram para melhorar a relação de troca ao produtor na comparação com o gasto em mão de obra, visto que, no período, o leite registrou valorização superior ao reajuste do salário mínimo.

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