balde branco

CRÔNICA

Paulo do Carmo Martins

Chefe-geral da Embrapa Gado de Leite

 Não fui aluno do professor Vidal Pedroso de Faria. Mas sou seu discípulo. Fui me incorporando em 25 anos de relacionamento. Muitos dos seus discípulos contarão histórias maravilhosas de convivência com ele”

Fica o legado

Não fui aluno do professor Vidal Pedroso de Faria. Mas sou seu discípulo. Fui me incorporando em 25 anos de relacionamento. Muitos dos seus discípulos contarão histórias maravilhosas de convivência com ele. Eu contarei a minha.

Em 1995, eu era secretário de Agropecuária e Abastecimento de Juiz de Fora (MG) e procurava um novo modelo de transferência de tecnologia para produtores de leite. E fui até ele conhecer o seu então projeto inovador de formação de técnicos. Ele colocava os alunos do projeto, desenvolvido na Esalq-USP, para aprender a atividade leiteira, a começar pela obrigação de aprender a limpar o curral, como todo peão numa propriedade.

Eu, economista, não o conhecia. Conversamos longamente naquele dia e dali saí com a indicação de que precisava conhecer o “Entre Todos”, um programa argentino revolucionário, que apoiava a produção agrícola, não apenas focado na produção, mas no desenvolvimento humano do produtor. Foi desta conversa que surgiu o “Pró-Leite”, projeto que implantei em Juiz de Fora, premiado pelas Fundações Ford e Getúlio Vargas e que inspirou o vigoroso programa Educampo, do Sebrae-MG.

Em 1998, trabalhei com ele, o dr. Eliseu Alves, Jacques Gontijo e colegas da Embrapa, num estudo sobre as restrições econômicas à disseminação do capim elefante, tendo por base os produtores da Itambé. Ano seguinte, e por quatro anos durante meu doutorado, eu me aproximei dele ainda mais, levado pelo meu orientador e seu amigo, o professor Paulo Fernando Cidade de Araújo. Isso nos levou a publicarmos, juntos, dois capítulos de livros, o que me faz um economista privilegiado, por ser o único brindado com esta honraria.

No fim deste ciclo em Piracicaba (SP), em 2003 fui ouvi-lo se deveria me candidatar a chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, como sugeriam alguns colegas. Minha posição, terminando o curso, era continuar a linha de pesquisa que eu desenvolvia, de competitividade do setor lácteo. Ele foi taxativo: eu precisava aceitar! Recolhi-me para reflexão sobre os seus argumentos. Dias depois, lhe perguntei se ele então aceitaria ser Conselheiro desta Unidade de Pesquisa à qual estou vinculado, caso eu fosse o escolhido. Foi assim que ele assumiu uma cadeira no Conselho Assessor Externo desta Unidade, que ele bem conhecia, já que foi membro da comissão que estudou a sua criação, ainda nos meados dos anos 70.

Juntamente com o dr. Eliseu Alves e Nelson Rentero, em 2007 o professor Vidal foi agraciado com a Medalha Mário Luiz Martinez, honraria instituída na minha gestão. Felizmente, nós, da Embrapa, o homenageamos ainda vivo!

No fim deste ciclo, ele novamente interferiu na minha vida, quando lhe manifestei a vontade de aceitar convite para ser candidato a prefeito de Juiz de Fora. Com a dureza da Madre Tereza de Calcutá, ele me mostrou que a política não era o caminho. Ao término da conversa, ele disse que gostaria que eu assumisse um compromisso para o primeiro dia após eu sair do cargo. Em vez de cabular votos, que eu fizesse uma palestra na Esalq. Surpreso, aceitei e cumpri o compromisso meses depois. Viajei para Piracicaba na mesma noite em que saí do cargo.

Depois da palestra, nova consulta. Eu havia recebido duas propostas de empresas privadas. Ser diretor da hoje extinta Parmalat ou atuar junto à presidência da CCPR/Itambé. Eu temia suspender o contrato de trabalho com a Embrapa. O que fazer? Novamente, o professor Vidal foi reflexivo. Quem o conheceu sabe o que quero dizer. Falava baixinho e deixava claro tudo o que era obscuro. Ponderou-me que eu teria a chance de ver a cadeia por dentro e isso seria um diferencial para a minha formação. “É o seu pós-doutorado, Paulo…” E, ainda, interferiu na opção que eu devia fazer entre as duas, que ele tanto conhecia. “Você podia ajudar o Jacques, que é um moço muito arrojado, mas está pegando um pepino, que é substituir o Pereira, que ficou 40 anos no cargo…” E foi o que eu fiz.

Levado por Nelson Rentero, convivi com ele e Artur Chinelato no Conselho Editorial da Revista Balde Branco. E, a última vez em que estive pessoalmente com ele, foi no lançamento da coletânea de editoriais, que ele escrevia na revista. Ele estava bem fraquinho. Em junho deste ano, Chinelato organizou uma reunião virtual dele com seus discípulos, para comemorarmos os seus 20 anos de coração transplantado. Mas, na véspera, ele teve uma gripe e não tivemos sua presença.

Eu recebi a notícia de seu falecimento no intervalo do Vacathon. Nunca conversamos sobre o Ideas For Milk. Mas estávamos ali, com 35 times de 26 universidades, de três países. Estávamos ali reunidos, querendo mudar o mundo para melhor, com ciência. Para isso, acima de tudo, estávamos querendo nos melhorar antes, para mudar o mundo. Pois o Vacathon tem o jeito do professor Vidal. E, por isso, fizemos uma singela homenagem a este mineiro, que não tomava leite. Fizemos às 14 horas do dia 30 de outubro. O professor Vidal estava frágil e precisava partir. E partiu no dia de encerramento do Vacathon. Deixa um legado!

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